A educação pública, mais próxima do que podemos pensar nos termos da atualidade, surgiu num contexto revolucionário, na França do século XVIII. Foi naquele momento de otimismo iluminista que algumas pessoas decidiram viver sob uma nova organização política e projetaram-na para o futuro das novas gerações. Os franceses, ao proclamarem a república democrática, também fizeram grandes apostas. Apostaram, por exemplo, que o esclarecimento de um povo pudesse garantir melhor qualidade para sua convivência em âmbito público.
Essa ideia do “público” é muito importante. República significa res publica, ou seja, coisa pública. Portanto, em tese, não havia mais súditos, e sim cidadãos de uma coisa pública, comum a todos, com a qual todos, de certa forma, fizeram um pacto envolvendo não somente direitos e liberdades, mas também deveres.
Para que o plano funcionasse, as novas gerações precisariam ser instruídas e educadas para viver e, principalmente, conviver num novo mundo orientado pela ciência, pelo uso da razão e, para lembrar de um termo de Kant, pelo Esclarecimento. Acreditava-se que os sábios cientistas deveriam combater o obscurantismo, as trevas das superstições e os dogmas religiosos a fim de “iluminar” o mundo e seu caráter racional. Isso se daria por meio da educação pública, ou seja, para todos. Dessa forma, quanto mais racionais e esclarecidos os homens, mais aptos a viver nesse mundo novo que estava sendo projetado.
Essa educação não deveria ser apenas pública, como também universalizadora. O que isso significa? Que esse projeto moderno de sociedade seria aplicado para todos, de forma igual, para que todos tivessem a mesma potencialidade e capacidade de viver em sociedade. Não adiantaria, por exemplo, todo o esforço das revoluções para adquirir direitos para todos se as pessoas não fossem instruídas o suficiente para poderem exercer esses mesmo direitos. Por isso a ideia da universalidade era fundamental, e a república, através de suas leis, garantiria esse processo.
A educação além de pública e universal deveria ser também laica, desligada de toda e qualquer crença religiosa. A escola, na concepção moderna e iluminista, deveria tratar de ciência, e não de religião, por motivos simples: o Estado não deveria e nem poderia se intrometer em questões tão íntimas como a religião. Cabe lembrar que os iluministas foram também defensores de liberdades individuais, como a liberdade religiosa de poder acreditar no que bem entender, sem nenhuma instituição – Estado e Escola – dizendo no que as pessoas deveriam acreditar.
Assim se fez esse projeto de escola: pública, laica e universal. Não é por acaso chamada de educação pública. Ela é a escola da república, que se apoia nesses mesmos três pilares. Mas devemos lembrar sempre que se trata de um projeto, e como todo projeto, sua execução é incerta e imperfeita, podendo ocorrer desvios no trajeto a qualquer momento.
Nesse ponto é bom sempre frisar: a utopia de novo mundo perfeito e esclarecido dos modernos não se concretizou. Basta lembrar que no início do século XX iniciou-se na humanidade a Era das Catástrofes, termo cunhado pelo historiador Eric Hobsbawm.
Em meio a um contexto de sociedade democrática e progressista, da constituição de Weimar na Alemanha, surgiu o monstro do nazismo. Nesse sentido muitos filósofos, cientistas políticos, historiadores e pensadores no geral chegaram ao extremo de dizer que todo aquele otimismo morreu na praia.
Com o século XX se afirmou uma postura de desconexão com aquele sonho moderno, e uma grande descrença, o que pode ser ilustrado com o tom profético de Nietzsche: “Deus está morto”. O que ele quis dizer é que as ideias, sonhos, projetos da modernidade, morriam, como as certezas absolutas advindas da religião.
Entre o otimismo absoluto e um pessimismo agônico, devemos pensar no que sobrou de fato da empreitada dos iluministas e o que nos faz sentido ainda hoje. É nesse ponto que a escola pública ainda tem uma grande relevância – se fala “ainda”, pois tudo isso é uma invenção humana, sem nenhum peso absoluto. Não existe por si só, não é natural. Mesmo assim, provavelmente, estaria correto afirmar que a escola pública é uma grande sacada para quem gosta de ciência e democracia – tão defendidos pelos modernos iluministas e que vigoram ainda hoje.
Não se trata apenas de aprender os ensinamentos de cada disciplina, o que tem uma importância enorme, mas também de exercitar a condição de cidadania de cidadãos que ainda não estão “prontos”. Muito se fala da educação familiar, homeschooling, e o que não se percebe em muitos pontos de vista é que isso não prepara um cidadão. Na verdade, exclui indivíduos em seus mundos particulares e dificulta a construção de um laço social necessário à vida pública.
A partir de um pressuposto de Aristóteles – e de uma grande turma de pensadores – de que somos seres sociais, animais políticos: a ideia de educar para viver em sociedade ainda faz sentido. Nosso mundo mudou desde o século XVIII? Muito, mas ainda vivemos em coletividade e, em boa parte, em repúblicas democráticas. Portanto, se queremos viver numa democracia, precisamos estar aptos a respeitar a opinião do outro, decidir em coletividade e buscar a resolução de conflitos mediante consensos. A escola pública surge justamente para oferecer condições básicas para que as crianças se tornem cidadãos nesse contexto.