Aqui no Brasil, plástico e embalagem são sinônimos. Os plásticos representam muitas coisas diferentes em nosso mundo. Para a indústria de alimentos, por exemplo, é um item que beira ao essencial. Sem o plástico, não haveria como fazer qualquer embalagem que fosse eficiente, de baixo peso, fácil de processar, com boas propriedades físicas (flexibilidade, hidrofilicidade, etc.) e com baixo custo de produção. Para a tecnologia de alimentos, embalagens plásticas são imprescindíveis e um recurso importante. 

Os plásticos representam a maior participação em valor bruto de embalagens, segundo a Associação Brasileira de Embalagens [1]. Porém, a indústria alimentícia não vive isolada do mundo. Quando o ciclo de consumo acaba, os problemas com plástico começam. 

A natureza não consegue degradar o subproduto, gerando resíduos que acabam entrando dentro dos ciclos biogeoquímicos da natureza, bem como dentro dos organismos vivos [2]. Sedimentos marinhos feitos de microplástico já são estudados, da mesma forma que impactos inflamatórios na saúde derivados da inalação ou consumo acidental desses materiais.

No texto de hoje, iremos dar uma pequena revisada sobre uma possibilidade tecnológica para substituir plásticos nas embalagens: os biofilmes de alimentos. Será que realmente há possibilidade de criarmos uma tecnologia tão útil quanto os plásticos na cadeia agroalimentar? É sobre isso que iremos ler agora!

Plásticos possuem diversas funcionalidades como embalagem. Conservação, transporte e marketing são as funções de maior destaque. A função de conservação é aquela responsável por manter o alimento em condições de consumo. O material consegue isso quando isola o alimento do meio externo, o protegendo de microrganismos indesejados, troca de gases com o ambiente e da própria umidade do local. 

Quando observamos frutas, verduras e outros minimamente processados, a função de conservação é substancial. Usamos sacolas plásticas para evitar a permeabilidade de água do alimento, que inicia os processos de degradação e acaba com a vida útil do produto. Para esses comestíveis, há estudos que comprovam a eficácia da matriz polimérica de biofilmes nessa etapa em especial.

 

Imagem um: Biofilme de quitosana – polímero extraído da carapaça de crustáceos – garante validade dobrada ao ovo, segundo Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais da UFSCar [3]. O material permite vedar poros e microfissuras que são porta de entrada para microrganismos danosos ou saída de vapores. Na imagem, podemos observar dúzias de ovos marrons em seis filas se distanciando da aspersão pelo material transparente.

De maneira geral, o biofilme é uma solução filmogênica biopolimérica. Ou seja, é um revestimento aquoso como gel e que possui muitas unidades repetidas de moléculas orgânicas, produzidas por um ser vivo [2]. Esse material é atóxico e pode ser, inclusive, consumido junto com o alimento.

Para fazer o biofilme, é necessário um agente formador de matriz (proteínas, carboidratos polissacarídeos ou lipídios), solvente (água, álcool ou mistura dos dois) e um agente que garanta a plastificação, como glicerol, sorbitol ou triacetina [4]. Não fiquem apreensivos, vou melhorar essa explicação agora!

A matriz polimérica — que forma a rede — precisa de um material de alto peso molecular. Os principais candidatos são proteínas como gelatina, caseína (presente no leite), glúten e albumina, bem como polissacarídeos — muitas unidades de sacarídeos, que formam carboidratos — como amido, quitosana ou pectina. Até mesmo ácidos graxos, como a cera, podem servir de matriz.

Depois, é necessário dissolver essas moléculas em uma solução aquosa para reação, contendo tanto o solvente quanto o agente plastificante. Este soluto garante que a matriz fique mais “flexível”, garantindo deformação sem quebra em temperaturas maiores ou menores [2]. Dependendo da função, também pode ser legal ter um corretor de pH, para que a solução não se degrade e faça mal ao consumidor ou ao alimento.

 

Imagem dois: Nano Revestimento completamente plant based garante maior vida útil de frutas e verduras, de acordo com pesquisadores da Embrapa [6]. Foto de Amanda Akashi, do Portal Embrapa, mostrando os principais insumos para formação do filme biológico, Na foto, podemos observar uma bandeja com morangos ao lado de três placas de petri com materiais diferentes. Mais atrás, temos uma bandeja com quatro morangos menos vívidos, e uma placa de petri preta.

Para cada alimento a ser conservado, é necessário um biofilme que seja mais adaptado àquele produto. Logo, busca-se o fenômeno conhecido como eficiência de encapsulamento [6], que depende de diversos fatores do alimento e da matriz polimérica. Um desses fatores, por exemplo, é chamado de polidispersividade, que indica o grau de distribuição de massas atômicas no polímero do biofilme. Ou seja, indica que as moléculas estão igualmente equilibradas em todos os cantos do alimento.

Um bom biofilme deve ter uma polidispersividade igual a 1, para que assim seja considerado eficiente em “abraçar” todo o alimento. Como podemos imaginar, não é algo tão simples fazer um biofilme perfeito para muitos alimentos. De fato, para cada alimento é ideal pensar em uma composição diferenciada.

Biofilmes têm ganhado visibilidade pelos ganhos associados na conservação pós-colheita de frutas como amoras ou morangos [7]. A função principal deles está como embalagem primária, aquela que fica mais em contato com alimentos. Por ocupar a mesma função que as sacolas de plástico, biofilmes são testados contra insetos e microrganismos, auxiliando na exposição de legumes e outros vegetais.

Como já escrevi nesse texto aqui, há problemas sanitários relacionados com alimentos ensacados, mesmo para funções mais simples como conservação. Os biofilmes podem atuar contra esses problemas, de maneira mais eficiente que as sacolas de plástico.

No futuro, não seria incomum vermos frutas cortadas expostas em feiras e empórios, todas cobertas por biofilmes prontas para serem consumidas. Soluções processadas poderiam ser vendidas para o grande público, substituindo sacolas de conservação. As possibilidades de transporte ficariam ainda mais interessantes. Afinal, poderíamos transportar alimentos por distâncias maiores, sem nenhum tratamento mais custoso, como radiação ou embalagem a vácuo.

Será que os biofilmes podem ser tão eficientes assim? Você consegue pensar em outra maneira de utilizar essa nova solução tecnológica? Comente aqui suas críticas e ideias sobre essa nova possibilidade! Até a próxima!

 

Referências
[1]: COSTA, Maria Clara Caldas et al. Embalagens de alimentos à base de biofilmes comestíveis: uma revisão de literatura. Revista Ceuma Perspectivas, v. 30, n. 3, p. 88-100, 2019.
[2]: ZAPAROLLI, Domingos. Os impactos dos microplásticos sobre a saúde humana. Revista Pesquisa FAPESP, Ed. 332. Out. 2023. Disponível aqui.
[3]: ALISSON, Elton. Biofilme pode dobrar prazo de validade do ovo. Portal Agência FAPESP, 05 fev. 2020. Disponível aqui.
[4]: SILVA V.W.; BIFANI, M.; SOBRAL, P.J.A.; GUILLÉN, M.C.G. Structural properties of films and rheology of film-forming solutions based on chitosan and chitosan-starch blend enriched with murta leaf extract. Food Hydrocolloids v.31, p.458-466, 2013.
[5]: SILVA, Joana. Revestimento à base de plantas prolonga vida útil do morango. Portal Embrapa, Agroindústria Nanotecnologia, 04 out. 2022. Disponível aqui.
[6]: FIGUEIREDO, Yuri Gabriel Gomes. Encapsulamento de óleos essenciais em matriz biopolimérica à base de PCL/ Gelatina: fundamentos e aplicações . 2020. 98 f. Dissertação (Mestrado em Ciência e Engenharia de Materiais) – Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2020. Disponível aqui.
[7]: SVIDZINSKI, Rayanah Stival et al. Biofilme na conservação pós-colheita de amora-preta. Synergismus scyentifica UTFPR, v. 13, n. 1, p. 63-64, 2018.