Olá, ouvintes! Bom dia e bem vindos e bem vindas ao milésimo ducentésimo quadragésimo episódio, em outras palavras o episódio de número 1240 do Spin de Notícias, o seu giro diário de informações científicas… em escala sub-atômica.

Aqui é o Marcel Ribeiro-Dantas, falando de Paris mas natural de Natal, e hoje falaremos sobre planos de desenvolver uma vacina universal para vírus da família coronavírus! Editor, roda a vinheta!

Nessa altura da pandemia, já deve ter ficado clara para você a diferença entre coronavírus, COVID-19 e SARS-CoV-2, certo? SARS-CoV-2 é o vírus cuja infecção causa a doença COVID-19. Esse vírus pertence a uma família de vírus chamada coronavírus, e essa palavrinha “corona” vem de coroa, nome dado pelas primeiras pessoas estudando esses vírus lá pelos anos 60 devido a aparência de coroa da superfície do vírus.

Outros vírus dessa família incluem o SARS-CoV e o SARS-CoV-1, causador da doença SARS (Severe acute respiratory syndrome, em Português síndrome respiratória aguda grave), motivo do surto epidemiológico que durou de 2002 a 2004 na China. Outro exemplo de vírus dessa família é o MERS-CoV, causador da MERS (Middle East respiratory syndrome, em Português: Síndrome Respiratório do Oriente Médio, fazendo referência a região onde os primeiros casos foram identificados) que gerou o surto epidemiológico de 2012.

COVID-19, por sua vez, assim como SARS e MERS, é o nome da doença causada pelo vírus SARS-CoV-2. As vacinas de mRNA, que hoje estampam revistas, noticiários e até conversas entre amigos, também não é algo novo. Desde a década de 90 que se estuda esse tipo de tecnologia. Como vocês podem ver, embora para muitas pessoas tudo pareça novo, vacina de mRNA, coronavírus, entre outras coisas, são assuntos há muito tempo discutidos na ciência e vividos em outras partes do mundo. É com base nisso que trago a notícia de hoje, sobre esforços para se criar uma vacina universal para todos os vírus, e futuros vírus, da família coronavírus. Audacioso? Sim, mas as vacinas de mRNA também parecia um esforço audacioso (ou cômico, para alguns) na década de 90. Infelizmente não há esperanças de termos essa solução para essa pandemia, mas pode ser uma ferramenta importante para próximas pandemias.

Voltando ao histórico de surtos de vírus da família coronavírus, tivemos três nos últimos 20 anos. SARS e MERS foram bastante letais, levando a óbito até 35%, no caso da MERS, e 10% no caso da SARS, dos indivíduos infectados com o vírus, em comparação com a COVID-19 que até agora tem uma taxa de letalidade por volta de 1%. No entanto, e aqui tem o pulo do gato, esses dois primeiros vírus não eram tão transmissíveis quanto o SARS-COV-2. A alta transmissibilidade do SARS-CoV-2 faz a taxa de letalidade se tornar pouco relevante para estimar o impacto do surto.

35% de 100 pessoas são 35 pessoas. 1% de 1 milhão são 10.000 pessoas. Percebe? E essa reflexão levanta uma preocupação: E se o próximo vírus a surgir for tão letal quanto a MERS, e tão transmissível quanto a COVID-19? De acordo com Wayne Koff, CEO do consórcio global Human Vaccines Project, um coronavírus com essas duas características poderia causar um cenário com 100 milhões de mortos. Isso pode parecer contra intuitivo para algumas pessoas, afinal, se uma doença é muito letal, há uma dificuldade para que esses indivíduos transmitam o vírus para outras pessoas, já que eles morrem muito rápido. No entanto, poderíamos ter essas duas características com uma doença com alta letalidade mas que não mate o paciente tão rapidamente. Ele terá tempo para transmitir terceiros, e terá também grandes chances de ir a óbito. Não é algo certo de acontecer, mas a ciência não estuda apenas o que é certo de ocorrer. É graças aos estudos ao longo das décadas, inclusive com coronavírus, que pudemos ter vacinas para a COVID-19 tão rapidamente.

Temos apenas esses três coronavírus, Marcel? Não! Existem vários, mas nem todos tem capacidade para infectar humanos. Uma das preocupações é justamente eles adquirirem essa capacidade.

Enfim, vamos para esse caso de vacina universal. Antes de tudo, acho que é inegável para todos nós que isso é um desafio e tanto! Criar uma vacina que irá nos proteger até de coronavírus que não conhecemos? Wow! A notícia boa, e que mostra a seriedade e velocidade com que esses estudos estão avançando, é que há planos para já no final de 2021 começarem ensaios clínicos com humanos para testar essa tecnologia de vacina universal.

Quem recentemente defendeu esforços para se criar uma vacina universal foi Anthony Fauci, famoso imunologista americano. No entanto, não é porque provavelmente teremos ensaios clínicos com humanos esse ano, e que Anthony Fauci defendeu esses esforços, que isso é algo trivial de fazer. Sequer sabemos se é possível! Uma vacina universal teria que identificar uma região do genoma do vírus tão importante para sua sobrevivência que esta seria conservada em todas as outras espécies e variantes.

Genoma, para quem não sabe o que significa, é o total de informação hereditária de um organismo. É o livrinho de instruções de funcionamento de um organismo, digamos assim! Ou seja, se um vírus sofresse uma mutação que alterasse essa região, ele não conseguiria continuar ativo (falo ativo, porque existem discussões sobre vírus ser algo vivo ou não).

Desse modo, uma vacina que trabalha com essa região seria efetiva em todos (ou ao menos o plano é esse) os vírus dessa família, seguindo essa lógica. Alguns cientistas acreditam que já encontraram uma região candidata, o que é uma notícia muito boa! No entanto, é importante deixar claro que sequer sabemos se alguma das vacinas atuais para COVID-19 é capaz de proteger contra todas as variantes. Imagina pensar em uma vacina que protege contra todos os vírus de uma família!

Em Maio de 2020, há quase um ano, Luca Giurgea e dois colegas publicaram no periódico científico NPJ Vaccines um artigo de opinião em que defendiam os esforços para se criar uma vacina universal. As discussões sobre variantes e a eficácia de vacinas em 2021 trouxe mais atenção para esse tópico, e mais esforços estão se acumulando. Em 2014, Islam and Sharmin descobriram uma região candidata em vírus da família coronavírus para uma vacina universal. Além disso, também temos a “coroa” que faz parte do processo para que o vírus consiga entrar e infectar nossas células. A “coroa” do SARS-CoV e do SARS-CoV-2 são 78% idênticas, e elas não precisam ser 100% idênticas para que possamos explorar isso. Regiões que são muito conservadas em espécies diferentes são evidências de que são importantes.

Existe evidência imunológica que sugere que anticorpos desenvolvidos por pacientes que se curaram de SARS ás vezes são protetores contra COVID-19 e vice-versa. Também tem sido possível gerar anticorpos em camundongos que são eficazes contra SARS, MERS e COVID-19. Animais imunizados contra SARS-CoV ganharam resistência contra SARS-CoV-2, assim como contra doenças parecidas com a SARS causadas por coronavírus que são encontrados em morcegos, e que embora não em humanos, são ameaças em potencial para nós. A descoberta desses anticorpos neutralizantes para diferentes coronavírus são evidências, e nos dão esperança, de que um dia poderemos ter uma vacina universal, de acordo com o vacinologista Dennis Burton do Scripps Research Institute na Califórnia.

Em vez de identificar essas regiões comuns a várias espécies da mesma família, houve um estudo que artificialmente criou proteínas com características de vários coronavírus diferente. Essa abordagem induziu larga imunidade contra vários coronavírus em camundongo. Além disso, não é apenas na academia que essas discussões e esforços estão ocorrendo. No Reino Unido, uma empresa chamada ConserV Bioscience está desenvolvendo uma vacina de mRNA que cobre todo o espectro de vírus da família coronavírus, incluindo aqueles do resfriado comum, embora ainda não tenha revelado detalhes de como sua vacina funcionará. Uma outra empresa que também planeja começar esse ano ensaios clínicos com humanos é a VBI Vaccines em Massachusetts. De acordo com Ralph Baric da Universidade da Carolina do Norte, é fácil imaginar cepas de coronavírus altamente patogênicas com 10, 15% de taxa de mortalidade que sejam tão transmissíveis quanto a COVID-19. É uma ameaça muito séria e precisamos prestar atenção a isso.

Esse Spin de hoje foi um mix de emoções, mas acredito que o saldo é positivo. Embora não tenhamos tido esse novo vírus, esforços para uma vacina que nos protegerá dele já estão ocorrendo! Por hoje é só! Lembro ainda que esse podcast só é possível acontecer por conta de seu apoio no patronato do SciCast, tanto no Patreon quanto no Padrim e também no Pic Pay.

 

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