No último dia 09 de março estreou nos cinemas brasileiros o (aguardado ou não) novo filme sobre um dos animais/monstros mais clássicos do cinema mundial, o famigerado King Kong. Com este remake, esta é a quarta tentativa de levar a história deste grande gorila carente às telas da sétima arte desde sua primeira versão em 1933 (sim, século XX, com muito, mas muito slow motion). E, bom, eu não sei se esta versão é boa ou ruim, porque ainda não assisti. Isto trás uma vantagem: o texto é spoiler free. Se bem que, mesmo se eu tivesse visto o filme, não faria diferença para o texto. Minha intenção não é fazer uma crítica cinematrográfica, mas sim falar sobre a ciência da Ilha da Caveira. Já que é um filme clássico de ficção científica, a pergunta que não quer calar é: o filme faz sentido do ponto de vista do que se conhece hoje a respeito dos processos envolvidos na evolução e ecologia de uma biota insular?

Como vocês já sabem e eu expliquei neste outro texto, quando algum artigo começa com uma pergunta a resposta sempre é NÃO. Para entender o porquê de o filme ser uma grande licença poética temos que entender um pouco sobre como acontece a colonização e posterior povoamento de ilhas oceânicas. Um primeiro ponto é que o gigantismo da fauna encontrado na Ilha da Caveira em si não é uma viagem. Em outras épocas, já tivemos organismos muito grandes habitando ambientes terrestres, como os dinossauros (a única restrição é a concentração de oxigênio na atmosfera, mas isso é assunto para outro artigo). Todavia, em uma ilha, este gigantismo não seria possível. A ilha habitada por Kong seria “um mundo que viola a maioria das diretrizes evolutivas modernas” como explica o jornalista Stefan Lovgren, que assina um artigo para a National Geographic em que analisa o filme.

Um dos cientistas consultados pelo jornalista, John Terborgh, de Duke University, deixa ainda mais explícito que o filme não tem muita fundamentação à luz do que se sabe hoje sobre ecologia evolutiva: “A noção de que os dinossauros poderiam sobreviver em uma pequena ilha no meio do oceano é absurda” (sim, existe um T. rex na ilha). Ele ainda complementa: “As ilhas, mesmo as de tamanho moderadamente grande, são notoriamente desprovidas de grandes predadores. Os dois maiores predadores em Cuba são um lagarto e o falcão de cauda vermelha. Toda a noção de predadores de topo de cadeia em ilhas é fantasia”. Por quê?

A resposta, simples e direta, é que em ilhas, tanto o espaço quanto os recursos são frequentemente limitados. Elas estão em isolamento, não há uma troca fácil de recursos, já que as fontes estão longe.  Como explica o professor Stanley Temple, da University of Winsconsin-Madison: “Animais grandes têm populações menores do que animais pequenos, então uma população de gigantes em uma ilha seria pequena em número e, portanto, mais vulnerável à extinção do que um animal de menor porte”. E como muitas espécies são particularmente vulneráveis em ilhas porque os animais muitas vezes perdem suas defesas ao evoluírem na ausência de competidores, predadores e parasitas, a melhor estratégia é diminuir o tamanho para aumentar seu número e ganhar na demografia. Esta estratégia de diminuir um atributo e aumentar outro concomitantemente se chama trade-off e é muito comum em biologia.

Os trade-offs acontecem porque os recursos são limitados, então, embora o melhor em termos competitivos seja aumentar duas estruturas ao mesmo tempo (tipo tamanho e número), as limitações externas forçam a seleção natural a agir “trocando” uma coisa pela outra. Um bom exemplo a ser citado além do anterior sobre o tamanho e a população de animais é com flores. O melhor a se fazer em termos de efetividade de polinização é aumentar o tamanho das flores e também o seu número, uma vez que isso maximiza a produção de pólen e de sementes. Todavia, os animais não polinizam as flores porque são bonzinhos e dasapegados. Eles vão atrás de uma recompensa, que pode ser óleo, pólen, néctar ou mesmo uma oportunidade de copular (num engodo épico que as plantas dão nos virjões). Estes “prêmios” custam muito em termos de carbono, nitrogênio, água e demais nutrientes, de modo que existe um limite para seus tamanhos ou número. E aí a seleção natural vai agir para maximizar o que faz mais sentido, se são as dimensões físicas ou o tamanho amostral (isto é, ou mais flores menores ou poucas flores maiores).

Uma flor ou uma real doll (não Google no trabalho) para insetos? (fonte)

Voltando ao nosso primata carente ficcional mais querido, nem tudo são viagens licenças poéticas. Por exemplo, os produtores tiveram o cuidado de fazer com que Kong andasse sobre os nós dos dedos, como os gorilas de verdade fazem, e não sobre as patas traseiras, como somente outro primata pretensioso faz. Outra coisa acertada sobre o Kong foi o fato de ele bater no peito com as mãos em forma de concha e não mais com os punhos fechados. Gorilas de verdade assim o fazem, principalmente quando precisam intimidar um agressor para proteger sua família e/ou seu território.

A última característica típica de um gorila citada pelos cientistas consultados pela Nat Geo e que com a tecnologia atual não é possível saber se foi fielmente seguida no filme ou não é o cheiro forte característico do primata. De acordo com o primatologista Frans de Waal, do Yerkes National Primate Research Center, um macaco daquele tamanho teria um cheiro muito, digamos, marcante, para usar um eufemismo. No futuro, se o cinema conseguir ser interativo o suficiente para podermos sentir cheiros e gostos, o melhor a se fazer é realmente ignorar que este traço fisiológico existe. O público do cinema, e principalmente a Brie Larson, só teriam a agradecer.