Em 1833, o Beato Antônio Conselheiro profetizava uma frase famosa do sertão brasileiro, que dizia: “o sertão vai virar mar”. Futuramente se tornaria uma famosa música de forró que faz quase todo nordestino começar um arrasta-pé. Não sabemos quando isso irá acontecer, mas sabemos quando já aconteceu! Um dos locais mais belos do Estado da Bahia, a Chapada Diamantina possui registros de épocas passadas onde não só já foi mar, mas também geleiras.
A Chapada Diamantina, na região central do Estado da Bahia, é uma localidade de belezas naturais imensuráveis. Atrai, ano após ano, uma quantidade considerável de turistas das mais diversas tribos. Aqueles mais “roots”, que buscam se isolar nos confins da Chapada, bem como os que preferem desfrutar de conforto enquanto apreciam a exuberante beleza local.
Mas será que a Chapada Diamantina, como conhecemos atualmente, sempre foi assim? A resposta é “Não”. A região precisou de milhões de anos para que evoluísse até o formato que conhecemos e não cansamos de admirar.
A área já foi palco de atividades tectônicas, vulcanismo, já foi mar, foi um deserto, teve o relevo desenhado por muitos rios e, por incrível que pareça, teve também momentos em que foi coberta de gelo. Tudo isso foi registrado nas rochas, permitindo aos pesquisadores, por diversos métodos, conhecer e interpretar sua evolução.
Vamos, então, fazer uma viagem ao passado e correlacionar toda a história geológica e evolutiva da região, que já adiantamos ser riquíssima e cheia de particularidades maravilhosas.
A história da Chapada remonta a cerca de 2,0 a 1,7 bilhões de anos, quando toda a massa de continentes se agrupava no megacontinente Columbia. Esse megaterreno começou a passar por processos tectônicos de separação. Os processos de abertura e fragmentação do Columbia geraram uma série de grandes fissuras na região, facilitando a ocorrência de vulcanismo que deu origem a um grupo de rochas chamado Supergrupo Espinhaço, que atualmente formam grandes serras na região vizinha à Chapada Diamantina e cortam quase todo o estado.
A continuidade desse processo divergente resultou em um afundamento, dando início à formação de uma bacia sedimentar, permitindo a evolução de uma enorme rede de drenagens, grandes rios, existências de dunas e lagos. Com a evolução geológica e, consequentemente, do clima, houve uma época em que a região passava por um momento de climas secos, há cerca de 1,8 a 1,7 bilhão de anos, chegando à formação de um ambiente similar aos desertos atuais.
Se o clima muda, o equilíbrio entre os níveis dos mares e oceanos é desequilibrado, e o nível das águas também sofrerá variação. O ambiente era mais seco, mais quente e a Chapada Diamantina estava abaixo do nível do mar por conta das atividades tectônicas, conformando um conjunto de fatores que posteriormente permitiriam o avanço de mares, na região, dando origem ao que chamamos de Mar Espinhaço entre 1,7 e 1,6 bilhão de anos. Essa região, então rebaixada, rica em recursos hídricos continentais somados à existência do Mar Espinhaço, foi um ambiente propício para deposição de sedimentos de tamanho bem pequeno, no fundo dos rios e mar, similar ao que conhecemos como argila. Essa mesma deposição nos permite inferir a existência de mudanças de energia de tempos em tempos, ora épocas mais tranquilas depositando sedimentos mais finos, ora épocas mais agitadas depositando sedimentos maiores, como os de areias de praias. Além disso, a dinâmica ambiental permitia a mudança constante dos cursos dos rios, tudo registrado nos processos sedimentares.
Já por volta de 1,5 a 1,3 Ga, com o Columbia separado a nível mundial e o fim dos processos divergentes, a região da Chapada começa a sofrer com o oposto: processos tectônicos compressivos, fazendo o que estava abaixo do nível do mar soerguer e, assim, termos o surgimento de cordilheiras de montanhas. Esses processos fazem com que o Mar Espinhaço recue, prevalecendo as águas fluviais, que foram responsáveis por esculpir os cânions existentes na região.
Após esse período, o jogo inverte novamente, permitindo novo avanço na região a partir do que conhecemos como Mar Caboclo, representado por um mar plataformal raso, de cerca de 100 metros de profundidade. Lá ocorrem os primeiros registros de vida da região, conhecidos como estromatólitos, cujos fósseis são hoje encontrados em rochas da região.
Idas e vindas marinhas permitiam, então, novamente, esculpir novos cânions nas rochas da região, a exemplo da Serra de Jacobina, da Serra do Sincorá etc.
Agora estamos entre 1,2 a 0,7 Ga, uma nova compressão começa a ocorrer na região, os grandes ambientes marinhos começam a recuar enquanto os sedimentos empurrados e comprimidos dão início ao processo de formação da Serra do Espinhaço. No final desse período de tempo, o planeta passou por intensos processos glaciais por volta de 850 Ma (milhões de anos) que ficaram conhecidos como “Terra bola de neve” ou “Snowball Earth”. Nessa época, assim como quase todo o planeta, a região da Chapada esteve congelada, conforme registros nas rochas da região.
Após esse período glacial, novo avanço marinho ocorre por volta de 700 milhões de anos, dando origem ao Mar Bambuí, quando sedimentos calcários e dolomíticos se depositaram nesse mar raso. São essas rochas calcárias que permitem a existência uma série de cavernas na Chapada, a partir da dissolução química dessas rochas, como exemplos da Torrinha, Poço Encantado, Gruta Azul e tantas outras.
Além disso, essa época foi de extrema importância biologicamente falando, por conta de nova explosão de vida microbiana fotossintetizante, se aproveitando das águas calmas e tranquilas do Mar Bambuí. Essa explosão microbiana contribuiu para o aumento da concentração de oxigênio na atmosfera.
Por volta de 600 Ma a porção sul do megacontinente Pangeia começa a se formar (Gondwana), só que essa colagem continental não dura muito e sua separação começa a ocorrer já há 550 Ma, aproximadamente. São encontrados poucos registros desses eventos na Chapada Diamantina, num período que compreende 550 a 65 Ma, ou seja, as eras Paleozoica e a Mesozoica, essa última, a famosa era dos dinossauros. As rochas dessa época foram encobertas e retrabalhadas por sedimentos que datam de 23 a 1,8 Ma, além daqueles mais recentes do Quaternário, período em que nós vivemos.
Daí até os dias de hoje, nenhum grande evento geológico ocorreu na região de tal forma a alterar a geomorfologia da região, apenas modificações antrópicas (causadas pelos seres humanos) e pontuais mereceriam destaque nesses últimos anos.
Resta a dúvida: quando a profecia do Beato Antônio Conselheiro irá se tornar realidade? Será que os impactos que causamos no meio ambiente serão suficientes para vermos o sertão virar mar novamente? As mudanças climáticas e a consequente subida do nível do mar vão causar isso dentro do nosso tempo de vida? No tempo geológico existe a certeza que algum dia isso vai sim acontecer, apenas provavelmente fora do nosso tempo de existência no planeta.
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