Olá, leitoras e leitores! Esse texto é o primeiro de uma série em que tratarei de alguns direitos que sempre são mencionados por aí: os direitos humanos e os direitos fundamentais. Nesse primeiro texto, vou apresentar a história desses direitos para que possamos entender o que eles são.
Por enquanto, não vou entrar muito na diferença do que são direitos humanos e direitos fundamentais. Basta saber que os direitos humanos são previstos em tratados internacionais e os fundamentais, nas constituições dos Estados. Para esse texto, é tudo o que precisam saber, já que a origem e os fundamentos desses direitos são as mesmas. Vamos conhecê-las, então!
Fundamentos dos direitos humanos fundamentais
Os direitos humanos fundamentais têm sua origem em uma outra categoria de direitos reconhecidos, em primeira análise, por filósofos: os direitos naturais.
Os direitos naturais se opõem aos direitos positivos. Enquanto esses só existem quando criados ou reconhecidos por uma autoridade (como o Estado), aqueles independem da vontade humana para existir. Esses direitos naturais se ligam muito a uma noção que muitas pessoas associam ao direito, a justiça (assunto que já tratei em outro texto)
Alguns autores do direito, ao tratar desses direitos naturais, costumam retomar o pensamento dos filósofos gregos e medievais, contudo, como sempre aprendemos no Fronteiras no Tempo, precisamos pensar historicamente e evitar cometer anacronismos.
Quando os pensadores gregos e medievais debatem o justo e a lei natural, estão mais focados nas ideias de virtudes e de agir corretamente, fugindo à ideia de direito individual, que sequer faria sentido existir nessa época em que prevalecia o pensamento coletivo.
É só com o pensamento moderno (iluminismo) que surge o individualismo (ou seja, a grande luz trazida pela modernidade foi ensinar as pessoas a pensar no próprio umbigo). Ainda que o iluminismo tenha base filosófica em correntes das Idades Antigas e Médias, não convém voltar tanto assim.
Por isso, quando falamos em direitos naturais, não estamos querendo pensar no agir virtuoso ou nas leis de Deus, mas naqueles direitos que se dão naturalmente ao indivíduos. Daí aquela frase sempre repetida de que os direitos humanos são direitos que a pessoa tem apenas por ser humana.
Esses direitos naturais têm base em três correntes filosóficas: o racionalismo, o individualismo e o liberalismo.
O racionalismo rompe com a tradição medieval cristã de colocar Deus como centro do universo (teocentrismo) e dá o próprio fundamento dos direitos naturais: a razão humana.
O individualismo, já citado, consolida a ideia de direitos de proteção ao indivíduo contra o Estado que, vale lembrar, era uma monarquia absolutista nesse momento. Essa ideia parece simples, mas, se opunha a um pensamento coletivista muito enraizado, tanto que ‘indivíduo’ compartilha origem com a palavra ‘idiota’, sendo esse o homem que não participa da vida política. No contexto do absolutismo, sai a figura do súdito submetido ao Leviatã, para a figura do cidadão, possuidor de direitos e deveres.
O liberalismo traz a ideia de liberdades contra o Estado e dá a cara dos primeiros direitos naturais e, por consequência, dos primeiros direitos humanos fundamentais. Sim, você não está lendo errado, os direitos humanos e os fundamentais são frutos diretos do liberalismo, nada de comunismo aí.
Amarrando tudo isso, vem o contratualismo, com o famoso contrato social, pelo qual os indivíduos criam o Estado para proteger seus direitos naturais, ou seja, os direitos que as pessoas já têm, independente de qualquer reconhecimento. Mas quais seriam esses direito?
Os direitos naturais
Apesar de sempre lembrarmos de Rousseau quando falamos em contrato social, as ideias dele acabaram sendo abandonadas depois que os burgueses conseguiram derrubar o Estado absolutista, afinal, elas davam muito poder para o povo. Tivéssemos adotado elas, os principais direitos fundamentais seriam liberdade, igualdade e felicidade, com a propriedade privada sendo deixada de lado, já que ela trazia o pior dos seres humanos.
Assim, ficamos com Locke, que dizia que os homens nasciam livres e iguais. Por serem livres, deveriam ter direito àquilo que produziam com o esforço de seu trabalho, fazendo da propriedade privada um direito natural. Assim, temos os direitos à liberdade, igualdade e propriedade constituindo o tripé de todos os direitos humanos fundamentais.
Mas não bastava o reconhecimento desses direitos naturais pelos filósofos. Era necessário que o Estado os reconhecesse, afinal, esse era o objetivo para o qual ele era criado com o contrato social. Por isso, vinha a ideia de positivação desses direitos.
Pré-história dos direitos humanos fundamentais
A positivação dos direitos naturais, ou seja, a previsão deles em um documento que atestasse sua existência, não veio da forma como conhecemos hoje, em uma Constituição, lei, ou qualquer outro documento jurídico. Ao contrário, veio em documentos de cunho meramente político. O primeiro deles, “A declaração de direitos do bom povo da Virgínia”, em 1776, depois, na “Declaração dos direitos do homem e do cidadão”, em 1789, ambas marcadas pelo tripé: liberdade, igualdade e vida.
Contudo, esses documentos não se tratam de cartas trazendo direitos humanos ou direitos fundamentais, pois não traziam qualquer vinculação ao Estado. Era mais uma carta de intenções, sem qualquer efeito jurídico.
Mas ainda antes desses anos existiram alguns outros documentos, esses sim de cunho jurídico e que traziam proteção de indivíduos contra o Estado.
A Magna Charta, assinada em 1215 pelo Rei inglês previa algumas figuras que ainda vemos hoje em dia, como o habeas corpus, o devido processo legal e a garantia da propriedade.
Esses direitos, posteriormente ampliados por outros documentos, como a Petition of Rights de 1628, o Habeas Corpus Act, de 1679 e a Bill of Rights, 1689.
O Édito de Nantes, de 1598, reconhecia a liberdade de culto aos protestantes franceses.
Contudo, nenhum desses documentos pode se clamar o pioneiro na previsão de direitos humanos ou de direitos fundamentais. O que eles faziam era conceder privilégios ao clero e à nobreza, passando longe de serem considerados direitos básicos de todo cidadão, como são os direitos humanos fundamentais.
Quando, então, nasceram esses direitos?
Positivação dos direitos humanos fundamentais
É claro que os direitos humanos só pode ter nascidos na União Soviética, já que são coisa de comunista. O quê? Não?! Deixa eu ver aqui….
Olha só, o primeiro documento jurídico a positivar direitos fundamentais, enquanto garantias de todo cidadão (o de bem e o de mal) contra o Estado surgiu nos Estados Unidos da América, não na Constituição de 1787, mas logo depois, na Bill of Rights de 1791.
A Constituição americana original não prevê direitos fundamentais pois tinham pressa em criá-la para consolidar sua independência da Inglaterra. Por isso, os constituintes só previram a organização do Estado e deixaram a discussão dos direitos fundamentais para depois.
Em 1791 trouxeram as 10 primeiras emendas à Constituição na chamada Bill of Rights, essas sim contendo direitos fundamentais, desde a liberdade de expressão, até o polêmico direito de portar armas.
Após isso, esses direitos foram mudando, até chegar ao que é hoje, tanto no que diz respeito aos direitos previstos, como em como eles atuam. Mas isso, veremos nos próximos textos.