Se você viveu no planeta terra entre 2018 e 2019 provavelmente ouviu falar de um tal filme, sobre um grupo de super-heróis, conhecido como Vingadores – Guerra Infinita. Sem dar spoiler (se você ainda não assistiu é um criminoso) vamos resumir os planos do vilão no filme e verificar se eles teriam os resultados esperados.

O Plano

Thanos, o Titã Louco, alertou o povo de seu planeta sobre como a superpopulação estava consumindo os recursos naturais de modo que o planeta sucumbiria se uma atitude não fosse tomada. Bem, não deu muito certo para Titã (o planeta, ou lua… não sei exatamente). Assim, Thanos decidiu por conta própria impedir que o mesmo destino de seu lar se desse por toda a galáxia.

Como ele faria isso? Claro, indo em cada planeta e destruindo metade da população para que os recursos não fossem totalmente consumidos. Para o Titã esta interferência faria com que os habitantes se conscientizassem sobre suas atitudes em relação aos recursos naturais ou ainda faria com que os recursos fossem restaurados.

Bom, você deve ter ouvido o MeiaLuaCast 195: Vingadores – Guerra Infinita e dado boas risadas, mas, se, assim como eu, ficou pensando qual seria o resultado, de forma mais concreta, de dizimar metade de uma população, você chegou ao texto certo. Vamos juntos construir um modelo matemático para uma dinâmica populacional, aplicar nesta o Efeito Thanos e verificar se o Titã pensou bem nas consequências de sua intervenção.

Antes de mais nada, seria interessante ouvir o Scicast 161: Envelhecimento Populacional e assistir os Nerdologias de Superpopulação e Guerra Infinita apenas para se inteirar do assunto, mas a falta destes não vai alterar sua compreensão da nossa abordagem. Outra coisa, para satisfazer os mais ávidos, vou apresentar algumas equações, aqueles que não se interessarem podem ignorá-las, já que apresentarei os gráficos resultantes das equações.

Um mundo de coelhos

Para iniciar um modelo matemático devemos começar do modo mais simples possível, portanto vamos utilizar um planeta fictício com uma população de seres também fictícios. Digamos que neste planeta viva uma espécie de coelho espacial chamada Páfion e que seu principal recurso seja uma espécie de cenoura. Vamos considerar que os Páfions precisem apenas dessa cenoura para viver e que este recurso seja ilimitado. Preste atenção na equação abaixo

 

Agora vamos ver o que cada coisa significa: o símbolo dC/dt representa a taxa com que a população muda com o tempo, se ela for positiva o número de Páfions está aumentando e se ela for negativa há mais coelhos espaciais morrendo que nascendo; assim  a é a taxa de nascimento e b é a taxa de óbito. Portanto, r é a taxa líquida com que a população muda e a multiplicamos por C, a quantidade de Páfions, pois quanto mais coelhos existem, mais coelhos estão sendo feitos (sabe como é).

Esta equação representa o mais simples modelo matemático, uma população única com recursos infinitos. Como você deve ter imaginado, uma situação como esta apresenta um crescimento exponencial da população e isto parece irreal, em algum ponto deve haver um limite para a população. Neste ponto adicionamos os recursos ao nosso modelo.

Digamos que as cenouras vão nascendo espontaneamente para sempre, porém devido ao espaço limitado do planeta não podem existir infinitas cenouras para infinitos coelhos, logo o número de cenouras limita o número de coelhos. Nosso modelo agora fica assim:

O termo K representa a capacidade máxima da população dada pelos recursos. Vejamos, se o número de Páfions crescer até o valor de K, dentro dos parênteses teremos 1 – K/K = 0 e assim a taxa de crescimento é nula, a população não muda mais. Eis um gráfico de como a população muda com o tempo:

Crescimento da população quando há um limite superior.

Até aí tudo bem, pelo nosso gráfico teríamos sempre 1000 Páfions para todo o sempre. Pensemos um pouco. Isso também não parece refletir uma situação real, pois os recursos estão sendo consumidos ao máximo e se renovando ao mesmo tempo.

Digamos que, para que as cenouras continuem a nascer mantendo sua capacidade máxima, é necessário que não mais de oitenta porcento do consumo máximo seja atingido e caso isso ocorra a manutenção se torna deficitária diminuindo a capacidade de regeneração dos recursos. Em forma de equação isso fica:

O termo exponencial representa a degradação dos recursos com o tempo e K0 a capacidade máxima inicial. Neste cenário seria ideal se pudéssemos convencer os Páfions de que deveriam ir com calma na reprodução para não destruir o planeta, mas isso não sendo obedecido resulta no gráfico a seguir

Capacidade máxima e população caindo

Note que no primeiro gráfico a quantidade de coelhos espaciais passa os oitenta porcento da capacidade total por volta dos 30 meses e a partir de então os recursos começam a se degradar. Este seria o ponto ideal para que os Páfions mudassem seu estilo de vida, mas eles são tão teimosos quanto Thanos. Assim vemos a capacidade máxima caindo lentamente e por consequência a população também cai. O futuro aguarda um planeta sem coelhos e cenouras por volta de 2600 meses.

Pensando como Thanos

Parece que o Titã Louco tinha razão, não é mesmo? Algo precisa ser feito para salvar os Páfions da extinção. Vamos adicionar o Efeito Thanos no nosso modelo e ver o que acontece. Digamos que o lá por volta de 400 meses no gráfico acima o Titã aparece diante dos pobres coelhos espaciais, estala os dedos (desintegra metade deles) e volta para casa com a consciência limpa de um trabalho bem feito. E o resultado é:

O Efeito Thanos apenas atrasou levemente a extinção

Parece que os Páfions tiveram um baque emocional pela perda de seus entes queridos e o Efeito Thanos fez com que os recursos se mantivessem constantes por um breve período, mas nossos bravos coelhos com suas mentes de ferro (ou memórias de peixe) se recuperaram bravamente e… voltaram a se reproduzir e acabar com os recursos naturais do planeta.

Não existe solução?

Que conclusões tiramos desse nosso experimento matemático? No fim das contas, Thanos apenas atrasou a extinção dos Páfions por alguns meses, ou seja, de maneira geral, não teve o efeito desejado. Podemos trazer isto para o nosso planeta e nossos hábitos.

Embora nosso modelo seja simples ele mostra claramente que alguma atitude deve ser tomada diante de uma superpopulação: podemos aumentar nossa capacidade de produzir alimentos; podemos também fazer um controle de natalidade; podemos conscientizar a população sobre o consumo excessivo; e podemos utilizar a ciência para renovar os recursos naturais.

De certa forma os seres humanos fazem um pouco de cada uma destas coisas, mas aparentemente ainda não é suficiente. Esperamos que nós sejamos mais espertos que um bando de coelhos espaciais e ainda possamos mudar isso.

Bom, sabemos que existem diversos seres vivos por aí que não possuem a capacidade de pensar e, portanto, criar uma consciência sobre o consumo de recursos. Como então estes seres não são extintos automaticamente? Há um simples método de controle populacional capaz de fazer com que nossos amados Páfions não sejam extintos, adicionando um predador natural.
Parece contra intuitivo? Salvaremos eles se os matarmos?

É por aí mesmo, essa ideia soa como plano de vilão, mas se algum agente externo impedir que uma população limite seja atingida haverá condições para que os recursos sejam renovados. Isso é amplamente observado na natureza e podemos adicionar no nosso modelo. Em um texto futuro veremos como isso pode dar certo e como o Efeito Thanos age sobre o novo modelo.

Até mais e obrigado pelos coelhos.