Desde os clássicos filmes de máfia até as duvidosas obras que embalaram a nossa infância — em uma distante programação da sessão da tarde com seus filmes curiosos e muitas vezes inapropriados para nossa idade — temos a clássica visão de uma delegacia esfumaçada, com algum suspeito passando pelo detector de mentiras, para atestar sua culpa ou provar sua inocência.
Sabemos que, mesmo não sendo algo comum e aceito na nossa nação, vários países usam de diversos métodos para saberem se o suspeito está falando a verdade, ou mesmo se está mentindo sobre os fatos aos quais ele está sendo interrogado. Essa é uma prática comum sendo o famoso polígrafo a maneira mais usada para detectar mentiras.
Mas e aí? Esses métodos são mesmo confiáveis? É ético e seguro enviar pessoas para a prisão, ou mesmo em casos mais graves e controversos para o corredor da morte, baseado em uma análise de máquina? Senta ai que agora nós vamos descobrir.
Existem estudos que se baseiam no fato de que algumas pessoas estão mais suscetíveis a mentir do que outras, sendo vulneráveis a esse tipo de ação, enquanto outras são vistas como manipuladoras e enganosas.
Ocorre que essas pessoas que são consideradas mais vulneráveis bem como as manipuladoras fazem parte de um grupo que incorporam medos da sociedade, causando um pânico moral, o que lhes tornam diferentes das pessoas “normais”, sendo vistas como uma monstruosidade.
Com isso algumas características, do ponto de vista evolutivo, podem estar ligadas aos primatas mais próximos aos seres humanos, pois apresentam o neurocortex maiores.
Assim alguns fatores ligados a detecção de mentira aparecem de formas diversas. A detecção pode ser vista como uma capacidade fisiológica que é desenvolvida desde a infância, a qual pode apresentar alguns distúrbios ligados ao neurodesenvolvimento, o que causa doenças como autismo ou desencadeia comportamentos como psicopatias.
O crescimento de pesquisas direcionadas a métodos de detecção de mentiras tem aumentando cada vez mais, evoluindo dos métodos tradicionais que normalmente monitoram a ansiedade ou excitação em investigações criminais, como a Entrevista de Analise de Comportamento ou o Teste de Questão de Comparação (polígrafo) e estão investindo em métodos de estudo baseados em estados psicológicos, o que é muito inovador.
Assim, essas técnicas de detecção levam em conta que mentir se torna mentalmente muito mais desgastante do que falar a verdade, e que há diferentes estratégias entre as pessoas que falam a verdade e as que mentem em seus interrogatórios, quando estimulados a explorar profundamente os fatos que precisam ser determinados verdadeiros ou falsos pelas autoridades.
Por isso, aqueles que estão mentindo são forçados e sentem-se mais desconfortáveis do que aqueles que estão falando a verdade, o que faz com que se sintam mais nervosos e desempenham comportamentos como cruzar as pernas ou mudar de posição na cadeira e ainda desviar o olhar do investigador.
Outro dado interessante é que pesquisas indicam que a percepção de mentiras melhora com a maturidade, pessoas com idade mais avançadas tendem a ser mais experientes e com isso desenvolvem uma capacidade maior de detectar fraudes, principalmente relacionadas a emoções propositais.
Frente a isso já podemos notar que existem inúmeros fatores diferentes para uma análise precisa de comunicações, e a certeza delas serem verdadeiras ou mentirosas, são fatores sociais, biológicos e também psicológicos.
Como exemplo de um fator biológico temos um fato interessante, onde Estudos recentes indicam que o hormônio chamado ocitocina (OT) poderia interferir na forma como as pessoas reagem, tornando-as mais crédulas, o que pode fazer com que exista uma maior dificuldade de percepção sobre detecção e observação de engano e mentira.
O OT pode interferir na prática quanto um entrevistado e o entrevistador foram do sexo oposto, diminuindo sua capacidade de detectar se o indivíduo está falando a verdade ou está mentindo.
A partir desses dados e das pesquisas atuais, os pesquisadores falam muito sobre a Teoria da Verdade Padrão.
A Teoria da Verdade Padrão demonstra que há métodos para considerar a mentira e métodos para avaliar a possibilidade de engano, utilizando-se do comportamento do indivíduo, aliado com o conteúdo da sua comunicação, como os motivos pelo quais pode estar mentindo e as evidencias sobre o que o mesmo está alegando, que podem suscitar desconfianças.
Porém, o TDP, sugere que julgamentos baseados na observação comportamental têm menos probabilidade de serem precisos do que aqueles baseados no conteúdo da comunicação, motivos, evidências e confissões. Sendo o ideal uma união das duas formas de analisar uma mentira ou verdade.
Falando de um dos meios de detecção mais famosos, o teste de polígrafo que é muito utilizado com criminosos sexuais após a sua condenação, chamado de PCSOT, que já é utilizado comumente nos Estados Unidos, onde mais de 80% dos programas de tratamento para agressores sexuais já utilizam a pratica desde 2010.
Na Inglaterra e no País de Gales, o teste do polígrafo se tornou obrigatório para os criminosos sexuais a partir de 2014.
Já em locais como o Canada, a utilização do polígrafo cai para 10% dos programas de tratamento e na Rússia não há a utilização do polígrafo em seus programas, assim como no Brasil que não faz uso da pratica.
Mas então, a que conclusão podemos chegar ao analisar os dados expostos nesse texto?
Os meios modernos de detecção de mentira registram apenas mudanças corporais, e a interpretação humana de seus resultados é necessária para qualquer decisão sobre o tema.
Nenhuma ferramenta de aprendizado de máquina (pelo menos no momento) pode de forma independente dar a palavra final em uma análise de mentiras, pois as a experiência da máquina ainda são reduzidas a variáveis e um algoritmo treinado para detectar padrões ou semelhanças com base em probabilidades.
Com isso, ter máquinas a disposição da justiça para detecção de mentiras representa a busca humana pela certeza, para que funcione como um mecanismo de prevenção dando maior segurança para as pessoas, visto que a sociedade se demonstra constantemente preocupada com o cometimento de crimes, e sua responsabilização.
O detector de mentiras continuará a ser utilizado devido a crença sobre sua eficácia, mesmo sem a total comprovação, o que ainda mantém restrito o método de detecção de mentira em algumas áreas, as quais ainda se mostram carentes de um desenvolvimento maior sobre o tema, a partir de uma estrutura voltada a validade científica da detecção, baseados na ética e nas leis.
Podemos concluir então que os mecanismos de detecção de mentiras são úteis até certo ponto, e devem ser usados na busca por responsabilização de crimes e eventuais condutas ilegais, porém, não podem ser objetos que tem suas decisões levadas como incontroversas.
É necessário que esses métodos tenham o auxílio de seres humanos que entendam sobre o comportamento humano e que em conjunto aos métodos de detecção possam criar narrativas que levem a maior efetivação da justiça
Precisamos lembrar que as máquinas são apenas isso – máquinas – (até quando? Não sabemos) e não podem tomar as decisões que em nossos sistemas jurídicos deveriam ser reservadas para o julgamento humano.