Sabe quando a gente faz uma coisa errada, vai tentar consertar, só que arrumar dá mais trabalho do que se tivesse feito o certo? Aparentemente é isso que o Brasil fez e vem fazendo com a sua política de meio ambiente. Para gente não ter enormes prejuízos econômicos, vamos ter um trabalhão para tentar convencer os países que são nossos parceiros comerciais que estamos preocupados com a situação do meio ambiente no Brasil, em especial com a Amazônia.
Essa história começa há alguns anos atrás quando os números de desmatamento ilegal na Amazônia explodiram e ficou claro que o desmatamento ilegal estava rolando para aumentar a área cultivável de soja. A intenção era aumentar a quantidade de soja plantada e que poderia ser comercializada (para outros países) utilizando novas áreas de plantio para isso. A Amazônia teve records em número de áreas desmatadas entre os anos de 2002 a 2004 e acabou ficando feio para outros países a imagem de que eles estavam indiretamente contribuindo para o aumento do desmatamento ilegal.
A solução encontrada foi um acordo entre todos os envolvidos na cadeia de produção da soja, de que a soja comercializada com outros países não seria proveniente de desmatamento. Esse acordo ficou conhecido como a Moratória da Soja e foi firmado em 2006.
A Moratória da Soja deu certo e os números de desmatamento foram caindo ano após ano. Todo mundo ficou feliz, mas isso mudou um pouco após a eleição presidencial de 2018.
Já nos primeiros meses do atual governo, o Ministério do Meio Ambiente que é o responsável pelo IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), órgão fiscalizador do desmatamento ilegal, já demonstrou não estar muito preocupado com a manutenção do funcionamento desses órgãos da forma como ela vinha sendo realizada.
Foram feitas demissões em série no IBAMA, 21 dos 27 superintendentes dos estados foram exonerados de uma forma que em 30 anos do órgão, nunca havia ocorrido.
Outras demissões foram feitas pontualmente de fiscais que estavam desempenhando seus papéis de fiscalização em garimpos e outras atividades ilegais.
Ainda no começo de 2019 foi achatada a participação popular no CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente) que é um conselho formado por diversos setores da sociedade, como cientistas, ambientalistas, membros do governo e também participação popular. A intenção do Ministério do Meio Ambiente era reformular o CONAMA diminuindo o número de conselheiros mas a tentativa acabou frustrada e apenas a participação da sociedade civil foi reduzida.
Toda essa perseguição aos órgãos de fiscalização ambiental aliado a um discurso que eu diria que é no mínimo displicente em relação a preservação do meio ambiente fez com que criminosos se sentissem à vontade para desmatar ilegalmente a Amazônia novamente. Esse levantamento do site da Revista Piauí mostra que entre o período de agosto de 2018 a julho 2019 a floresta perdeu 10 mil km2 de área, número que o Brasil não alcançava desde 2008.
Ainda em agosto de 2019 por uma junção de dois fatores não muito comuns, a cidade de São Paulo ficou com céu preto às 15 horas. A fumaça gerada pelas queimadas na Amazônia aliada a uma frente fria trouxe para São Paulo uma quantidade de fumaça que fez o dia virar noite. De uma hora para outra o céu escureceu e ficou muito escuro em plena dia luz do dia.
Depois disso a gente soube que poucos dias antes ocorreu o chamado dia do fogo, dia em que vários agricultores da região norte se juntaram através de grupos de WhatsApp e escolheram uma data para atear fogo todos ao mesmo tempo em suas áreas de pastagens. Nesta época do ano costumam haver queimadas na região nas áreas de pastagens, mas o fato é que os focos de queimadas cresceram pelo menos 30% em relação ao ano de 2018.
O que aconteceu depois do mundo todo assistir esse monte eventos que aconteceram no Brasil de janeiro a agosto de 2019, é que os países que davam contribuições financeiras para o combate ao desmatamento e fortalecimento das ações de fiscalização através do Fundo Amazônia acabaram com esses repasses o que deixou, além do vexame acumulado, os instrumentos de fiscalização ainda mais deficitários o que contribui para o aumento dos números de queimadas e desmatamento ilegais.
Os países se reúnem todos os anos na COP (Conferências entre as Partes) para tomar decisões à respeito das mudanças climáticas. Inclusive tem um texto meu falando da COP 25 que rolou o ano passado em Madri em que havia uma grande expectativa sobre a assinatura de um termo de ratificação e compromisso para cumprir as metas estabelecidas no Acordo de Paris (COP 21). Na época o Brasil tinha sido notícia pela atuação pífia e pelas ações que deram a impressão de que o Brasil estava querendo atrapalhar a assinatura do acordo.
Tudo isso aconteceu em 2019 e não vou me alongar muito mais na cronologia dos fatos, mas teve mais coisa negativa na nossa imagem.
Eu não sei se vocês contaram, mas, só neste meu recorte de eventos negativos para a política de meio ambiente brasileira e para nossa imagem perante aos outros países do mundo, eu listei 9 eventos muito graves. Tiveram muitos outros, infelizmente.
O fato é que do começo de 2019 para cá a imagem que o Brasil passou para os outros países do mundo foi a pior possível.
Eu não sou da área de RI (Fencas, socorro!, rs) mas uma coisa que eu sei é que, na política internacional, a comunicação não falada é quase tão importante, se não for mais, do que a falada. É comum os países analisarem os sinais que os outros países dão, e isso às vezes impacta mais a imagem dele perante os outros, do que propriamente as coisas que são formalizadas. Bom, a má notícia é que o que o Brasil fez nesses últimos 1 ano e 7 meses foi sistematicamente mostrar para o mundo que não se importa com a nossa política de meio ambiente (rindo de nervoso).
Você deve saber que uma parte importante da nossa economia é a venda de commodities, em especial a venda de soja e de milho para diversos países, principalmente a China mas o Brasil negocia diversos produtos com vários países e sendo um importante parceiro comercial das maiores potências mundiais, a atenção para nossas ações é sempre muito noticiada. Os países que negociam conosco sabem que as queimadas na Amazônia e os desmatamentos ilegais estão diretamente ligados a área de expansão da indústria agropecuária que produz boa parte dos que eles consomem de carnes e soja. Não é muito difícil pensar que esses países podem muito em breve desistir de participar dessa cadeia de desmatamento.
A imagem que o Brasil passou para os países que são nossos parceiros foi tão negativa que alguns investidores internacionais, representantes de empresas que negociam ações e investem em diversos setores enviou no final de junho uma carta às embaixadas do Brasil pelo mundo demonstrando preocupação com o avanço do desmatamento.
“A escalada do desmatamento nos últimos anos, combinada a relatos de um desmantelamento de políticas ambientais e de direitos humanos e de agências de vigilância, está criando uma incerteza generalizada sobre as condições para investir ou oferecer serviços financeiros no Brasil”, disse a carta.
Como a política internacional é feita de forma cautelosa, os investidores deram um primeiro aviso para o Brasil demonstrando preocupação. Não se trata de uma ameaça de debandada de investimentos, mas de um alerta de preocupação que pode vir a ser uma ameaça posterior, dependendo das ações que o Brasil tomar.
O governo teve que se reunir às pressas para dar uma resposta coordenada aos investidores para tentar demonstrar que há alguma preocupação com indicadores de desmatamento. A tentativa meio desesperada agora é tentar fazer com que as ações que foram tomadas não sejam vistas de forma tão negativa. Isso ainda vai render mais assunto e com certeza saberemos os impactos.
É claro que, quando essas coisas acontecem, os países sempre se mostram dispostos a esperar uma mudança de atitude. Neste caso o Brasil precisa demonstrar que passou a imagem errada para o mundo e demonstrar através de ações diretas uma mudança de postura.
Enquanto eu finalizava esse texto saiu um estudo na Revista Science demonstrando que 22% da carne e 17% da soja produzidas na área da Amazônia e que vai para exportação na União Européia pode ter origem de área de desmatamento ilegal.
Como você deve imaginar, isso é péssimo para nossa imagem que já está bastante desgastada pelas razões que citei e outras até de outros setores do governo. O nosso contador de moral tá bem em baixa e a forma como os países têm de “punir” um parceiro comercial é deixando de fazer negócio com ele. Isso significa menos investimentos internacionais e talvez até a quebra de um mercado que é responsável por boa parte do PIB do Brasil. A quantidade de problemas econômicos que isso tudo pode gerar é enorme, tão grande que eu não sei quantificar.
Eu tentei aqui com este texto ser mais pragmática em como as ações do Brasil com a nossa política de meio ambiente podem ser extremamente prejudiciais para nossa economia sem citar nenhum prejuízo direto ao meio ambiente (foi difícil, eu confesso).
O melhor mesmo é que a gente não tivesse que equilibrar a pauta econômica com as questões da política ambiental, que deveria ser prioridade absoluta em tempos de mudança climática (idealista, né? Eu sei…), mas chegamos até aqui e temos que torcer para que esses sinais dos nossos parceiros comerciais sirvam de alerta para uma mudança de fato na nossa política ambiental.
Por enquanto é só.