Em um texto prévio, comentei aqui no portal a respeito do meu processo de aprendizado da língua japonesa, e das descobertas que ele vem me proporcionando. Pois bem, aqui estou para relatar mais uma delas.
Em A língua japonesa e o poder da descoberta, pincelei o fato de que meu aprendizado de japonês se iniciou de forma autodidata, mediado principalmente por aplicativos de línguas disponíveis na internet. Após quase um ano tendo essa metodologia como base exclusiva do meu aprendizado, surgiu a inevitável necessidade por aprofundamento. E foi nesse momento que tive contato com metodologias baseadas na chamada hipótese do input.
Pouco a pouco, me vi cercado por materiais que, de formas diferentes, reforçavam uma mesma premissa: para aprender uma língua efetivamente, você deve, acima de tudo, se expor a ela, imergir nela de forma quase passiva. Todos esses materiais reafirmavam a importância de se dar muito mais ênfase, em um primeiro momento, ao ler e ao ouvir, do que ao escrever e ao falar.
E todos eles de imediato me causaram um misto de dois sentimentos.
Primeiro, o inevitável ceticismo. Afinal, a essa altura eu já tinha dedicado um tempo significativo a metodologias que não diferiam tanto assim do convencional, e me orgulhava das dezenas de palavras que já era capaz de falar e escrever. Seria possível que o caminho que eu estava trilhando não fosse de fato o mais adequado para atingir a fluência que eu almejava?
Em segundo lugar, no entanto, veio a curiosidade. Eu queria entender de onde tinham vindo todas essas ideias e propostas metodológicas, e se de fato elas teriam alguma validade. Após alguns dias de pesquisa assídua, finalmente cheguei ao que parecia ser sua fonte primordial: o linguista e pesquisador estadunidense Stephen Krashen. E nesse momento eu fui impactado por algo que parecia tão simples e óbvio que só poderia estar certo.
Descobri um um vídeo gravado durante uma conferência nos anos 80, em que Krashen traz à tona o seu conjunto de hipóteses sobre o aprendizado de segundas línguas. Aliás, minto. Ele faz questão de eliminar a palavra aprendizado, propondo o que passa a chamar então de aquisição de linguagem.
Sua proposta fundamental gira em torno da simples ideia de que todos adquirimos nossas línguas maternas da mesma forma: sendo massivamente expostos a elas por meses ou anos a fio. Assim, pouco a pouco damos condições para que nossos sistemas cognitivos identifiquem e decodifiquem seus padrões, antes mesmo de tentarmos balbuciar nossas primeiras palavras. E a partir desse ponto, ele argumenta, a aquisição de linguagem se torna simplesmente inevitável, pois nossos cérebros já se tornaram capazes de receptar tudo aquilo que estamos tentando emitir.
Com base nessa hipótese, Krashen só precisa dar um pequeno passo para lançar seu argumento central: a ideia de que o processo de aquisição efetiva de uma segunda língua deve simplesmente replicar, na medida do possível, a aquisição da língua materna. E ele vai ainda além, propondo, enfim, sua hipótese do input: a ideia de que esse processo de imersão em uma determinada língua se torna muito mais efetivo, do ponto de vista da aquisição de linguagem, quando se consome informações contextualizadas.
Em outras palavras, ele argumenta que, ao lermos ou ouvirmos determinado conteúdo em uma língua estranha, ao mesmo tempo em que recebemos imagens ou outros estímulos diretamente relacionados àquele conteúdo, somos capazes de pouco a pouco atribuir significado aos sons ou símbolos que decodificamos. Esses sons ou símbolos, aliados a seus recém-descobertos significados, se tornam novas palavras em nossos vocabulários. E a partir delas, conseguimos inferir significado a ainda mais palavras, tornando o processo de aquisição de linguagem uma bola de neve.
Uma vez que tive contato com as ideias de Stephen Krashen, muitas coisas mudaram, e muitas outras passaram a fazer sentido para mim.
Naturalmente, passei a rever meus métodos de aprendizado de japonês. Não abandonei por completo os aplicativos, que ainda considero uma fonte válida para aquisição de vocabulário. Mas passei buscar a tão falada imersão, com animes, mangás e até podcasts, totalmente em japonês. E fiquei surpreso com o efeito que isso causou. Por mais que ainda estivesse muito longe de entender 100% do que lia ou ouvia, adquiri uma estranha e crescente sensação de familiaridade com a língua. Tornei-me capaz de diferenciar palavras e frases com mais clareza, e de visualizar melhor onde estavam as minhas lacunas de vocabulário.
Além disso, o contato com as ideias de Krashen também me fez começar a rever todo o meu processo de aprendizado (ou aquisição) de inglês, ocorrido principalmente na minha infância e adolescência. Percebi o quanto me expus à língua inglesa ao longo da vida, em função de filmes, música e videogames. Comecei a compreender o quanto a necessidade de entender letras de música, histórias, ou o que eu tinha que fazer em algum trecho complicado de Final Fantasy, tinham sido cruciais para que eu adquirisse familiaridade com a língua inglesa, sem sequer perceber que o estava fazendo. A minha própria vivência previa passou a validar o que eu estava experienciando.
Diante dessas evidências auto fornecidas, me vi obrigado a subscrever, ao menos até o momento, às ideias propostas por Krashen. E mais do que isso: comecei a me questionar se esses processos de aquisição por meio de imersão não seriam extensíveis, por exemplo, a linguagens artísticas. Seria possível pensar que as propostas de Stephen Krashen sobre aquisição de linguagem seriam aplicáveis também ao ensino de música ou artes plásticas?
Até certo ponto, eu sei que o são. Resta saber o quanto. E é provável que a tentativa de responder a esse questionamento me leve a mais algumas descobertas interessantes.
Para saber mais: