Vivemos em uma transição muito interessante no campo da saúde. As infecções transmitidas por alimentos têm se tornado mais comuns e letais. Mais doenças veiculadas por alimentos (DVAs) estão sendo conhecidas, e o impacto das mesmas têm sido mais divulgados.
Segundo dados da World Health Organization de 2020, mais de 600 milhões de pessoas passaram por algum problema de saúde relacionado com alimentos, sendo que 400 mil morreram por este motivo [1]. No Brasil, segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde, nesse mesmo período, 122.187 pessoas ficaram doentes e 99 vieram a falecer.
Todos esses agravos de notificação são completamente evitáveis. As empresas alimentícias, secretarias de saúde e órgãos certificadores desenvolveram seus próprios controles ao longo dos anos, como o manual de Boas Práticas (link aqui). Porém, a natureza dos problemas de higiene e manipulação continuam a se tornar cada vez mais letais.
Pensando nisso, pesquisadores de vanguarda criaram o conceito de Cultura de Segurança de Alimentos (CSA). No texto de hoje, iremos observar como foi o desenvolvimento teórico dessa área, bem como suas implicações à segurança alimentar. Vamos nessa?
Na década de 90, observamos o surgimento de ferramentas nesse campo. Muitos conceitos foram incorporados de áreas sociais, criando métricas e normas importantes como Procedimentos Operacionais Padronizados (POP), Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controles (APPCC) e a Matriz de Riscos. Porém, todo esse instrumental de gestão sempre ficou a cargo dos gerentes das empresas alimentícias. A efetividade, ao contrário, ficou a cargo dos padrões de higiene dos funcionários e manipuladores.
Conforme as métricas iam se integrando, alguns autores começaram a utilizar o termo “cultura de segurança” para indicar como os manipuladores e gestores lidavam com os novos estigmas de higiene no ambiente de trabalho [3]. O primeiro pesquisador a usar o termo foi Yiannas em 2009 [4]. No seu trabalho, encontramos elementos como liderança em comportamentos de saúde e incentivo ao compartilhamento de informações corretas de manipulação.
Depois dele, outros pesquisadores adicionaram novos elementos. Em 2018, a Food and Agriculture Organization (FAO) — braço alimentício da ONU — bateu o martelo sobre a terminologia, bem como sua função estratégica nas próximas décadas. O evento da Global Food Safety Initiative destacou o seguinte sobre a CSA:
São os valores compartilhados, crenças e normas que afetam a mentalidade e o comportamento em relação à segurança dos alimentos em toda a organização.
Por esta definição, podemos entender que a CSA está na vanguarda de todo o conhecimento já criado sobre o tema, garantindo que todas as normas e ferramentas de segurança sejam utilizadas de maneira intuitiva. Tudo da maneira mais efetiva possível [1]. Deficiências em CSA são indicadores de compromissos frágeis em gerenciamento de riscos. Esse cenário deixa a empresa alimentícia exposta a riscos cada vez mais críticos.
Nos principais elementos da CSA, podemos encontrar características de diferentes campos, como: ambiente regulatório (leis, normas internas, externas, etc.), valores sociais, consciência sanitária, meio ambiente laboral, proatividade e exposição ao risco, treinamentos dos funcionários e, inclusive, as prioridades da gestão com relação aos seus objetivos futuros. Esses atributos são de estudo dos mais variados campos técnicos e científicos.
Um programa de CSA é aquele que avalia a interação dos funcionários com os valores e crenças da empresa [6]. Todo bom programa necessariamente avalia o conhecimento dos manipuladores, comprometimento, comunicação e percepção de risco, liderança e estilo do trabalho.
Para mensurar a eficiência da CSA, precisamos de diversas ferramentas. Elas precisam ser de natureza pluridisciplinar, auxiliando na visão holística e multifatorial do sucesso ou fracasso dos programas de CSA. Dentre os instrumentos, podemos ter: entrevistas, inspeção com checklist, questionário, análises laboratoriais e avaliações de qualidade.
Esses fatores unidos criam a chamada Metodologia de Avaliação Mista (MAM) [2]. Essa forma de triangulação de dados é a base de levantamento de riscos sistêmicos, pelos quais podemos mensurar a qualidade da CSA de uma organização. Muitos autores criam hierarquias entre essas ferramentas para dimensionar adequadamente cada método avaliativo.
Basicamente, uma forma simples de analisar o sistema CSA seria avaliando — por meio de questionários — o conhecimento dos colaboradores e stakeholders (parceiros). Logo em seguida, faríamos a comparação com aquilo que é efetivamente realizado na empresa. Demonstra-se, assim, a diferença da prática à teoria, catalogando os principais pontos de controle para plena efetividade.
Dessa forma, cada instrumento pode ter “peso” diferente baseado nos riscos daquela realidade produtiva. O importante é criar uma ferramenta que seja única para cada local ou região. Questões como desgaste do trabalho, motivação e a complexidade das atividades também afetam a realidade cultural. Estudiosos sugerem a utilização de exemplos atuais à prática educativa, bem como a promoção de ferramentas de valorização de comportamentos adequados [6].
De maneira geral, a CSA é um conceito extremamente novo e que chegou para ficar. Devemos acompanhar de perto para entendermos como será o desenvolvimento desse conceito a partir de agora. Para você, há necessidade de uma “cultura de segurança de alimentos” no Brasil? Deixe seu comentário e até mais!