Você está fazendo uma faxina na casa e puxa móvel daqui, puxa móvel dali, acaba achando uma coisa embaixo do sofá da sala que perdeu em 1998, tira foto para postar nas redes sociais e na legenda escreve: “direto do túnel do tempo”. Vai na cozinha e olha pra cristaleira antiga da sua avó e sente falta da sua avó ao mesmo tempo em que pensa em vender aquele trambolho porque ocupa muito espaço. Acaba puxando o móvel de madeira bruta e percebe que no canto do chão tem um montinho de pó amarelado e exclama: “Pronto … .só faltava essa! Cupim! Bichinho maldito!”

Preconceito é entendido como um pré conceito sobre algo, ou seja, um conceito formado antes de se ter os conhecimentos necessários e amplos sobre determinado assunto ou pessoa ou objeto ou etc. É isso que temos contra o cupim, coitado, é um preconceito gigantesco. É igual a gente odiar os vilões das histórias sem conhecer a história deles no filme. O filme do coringa é um bom exemplo pois retrata a história por trás dos transtornos e comportamentos que o personagem apresenta em uma sociedade completamente preconceituosa e ignorante com pessoas com diversos tipos de transtornos mentais. É mais fácil chamar de maluco e evitar, do que aprender mais sobre o assunto e saber como lidar com o diferente. 

Voltando ao cupim, esse serzinho é de fundamental importância na decomposição de diversos materiais no meio ambiente, tendo como um de seus alimentos a madeira. Sim, para nossa alegria ele não degrada só madeira. Na verdade, aproximadamente metade das espécies são xilófagas (insetos que se alimentam de madeira). Quando andamos por uma estrada que passa por grandes campos de terra podemos observar vários montes de terra que são os chamados murundus, montes de terra escavados por cupins. E agora, é nesta espécie de cupim que pretendo focar.

Na imagem abaixo podemos verificar que o entorno de um cupinzeiro de solo contém grande quantidade de matéria orgânica e nutrientes como nitrogênio (N) e fósforo (P), além de umidade (água). Portanto, dependendo do ambiente natural em que se encontram, eles podem ser verdadeiros amigos da terra. Um estudo realizado no Quênia pelo The Pringle Lab da Universidade de Princeton observou-se que os cupinzeiros agiam como “pontos críticos ecológicos” de alta produtividade vegetal e animal. Alguns modelos matemáticos sugerem que essas melhorias locais podem reduzir a suscetibilidade de ecossistemas áridos à desertificação. A culpa não é do cupim que você coloca a comida dele dentro da sua casa, né? Vamos parar de xingar os coitados dos cupins.

Agora, vamos analisar os cupins de solo e compará-los com os professores. Nossa, que viagem, né? Mas, vamos lá, adoro criar essas comparações estranhas.

Em primeiro lugar, o cupim é um agente de transformação do ambiente em que se encontra, enquanto ele vai fazendo seu trabalho de decomposição vai liberando no ambiente tudo o que ele precisa para crescer e se desenvolver. O professor age da mesma forma realizando seu trabalho e modificando o ambiente que no caso são as mentes dos alunos. Costumo dizer que professores são arquitetos mentais, o que vai de encontro ao nome dado aos cupins do solo: arquitetos.

Claro que tem professores que acabam sendo cupins comendo madeira de cristaleiras na casa alheia, causando mais desordem do que organização. Acredito que a desvalorização da carreira do professor seja uma forma de selecionar quem gosta mesmo de educar, pois se fosse uma carreira muito bem paga, até mesmo quem não entende o que é educar estaria trabalhando como professor e desorganizando muitas cabecinhas por aí. Brincadeiras à parte, educar vai muito além de transmitir conhecimento, é criar um ambiente favorável para a aprendizagem. Para tanto, o professor precisa ser um bom pesquisador, pois precisa observar cada aluno, com suas particularidades e interesses, para desenvolver uma aula dinâmica e motivadora que abrace a todos. 

Como foi dito mais acima, os cupins estudados no Quênia estavam em uma área de savana, bioma composto por gramas, arbustos e árvores esparsas e adaptado à períodos longos de estiagem com solo geralmente pobre em nutrientes, e sua presença nesse bioma serviu de um tipo de manguezal seco, mostrando alta produtividade animal e vegetal em seu entorno. Podemos achar que muitos alunos não conseguem aprender, são difíceis de lidar na sala de aula ou causam muitos problemas no processo de aprendizagem, mas não há aluno que não aprenda, independente de sua condição inata de problemas psicológicos, transtornos de desenvolvimento ou aprendizagem. Por conta disso, os professores precisam sempre estar pesquisando e trabalhando na sua formação continuada para ajudar os alunos que apresentam maiores dificuldades a conseguir aprender algo que mesmo que na sua própria velocidade.

Aqui coloco um parêntese para dizer que defendo o duplo salário de professores em sala de aula que estão sempre desenvolvendo seus saberes, pois ensinar é um ato de pesquisa contínua, portanto professores precisam receber um salário de professor e outro de pesquisador. 

Para finalizar quero falar um pouco mais dos manguezais. O manguezal é outro local que as pessoas têm muito preconceito pelo cheiro que estes ambiente liberam (pra gente é fedor, mas pra natureza é perfume). Os manguezais são conhecidos como berços da vida marinha e servem como filtro natural, transformando as impurezas que vêm pelo rio e reciclando a água do mar. Não quero ver vocês passando pela Linha Vermelha (via Expressa Presidente João Goulart no Rio de Janeiro) e reclamando do mau cheiro não, hein.

Manguezal no Caju, às margens da Linha Vermelha – Foto: Divulgação/Águas do Rio