Recentemente, deparei-me com duas obras que me motivaram a algumas reflexões importantes sobre estilos de vida. Talvez o peso de cada uma e os insights relacionados às mensagens não seriam o mesmo caso eu não as consumisse ao mesmo tempo.

No texto de hoje, proponho demonstrar a importância e o debate associado com o conteúdo de um documentário e um livro acadêmico!

O primeiro conteúdo é o documentário da Netflix chamado “Minimalismo Já” [1]. Este filme trás reflexões preciosas a respeito do peso que os objetos e os itens de consumo são capazes de fazer cotidianamente, e o quanto nos tornamos livres ao abrir mão do que não é essencial em nossas vidas.

Através da visão de dois amigos que aderiram ao movimento, nós observamos o quanto os conglomerados de distribuição de produtos tornaram-se máquinas avassaladoras de propaganda e logística, gerando desejo instantâneo aos consumidores de adquirir certos produtos de temporada, para satisfazer nossa vontade incessante de ficarmos “completos” ou podermos expressar nossa “felicidade” com algum bem de consumo. Mesmo que este bem seja abandonado depois de um ou dois usos.

Logo rapidamente nos tornamos escravos de trabalhos que não gostamos, para comprar itens que não vemos importância e assim impressionar pessoas que não nos importamos. O minimalismo, visto aqui como um movimento pós-moderno que prega o consumo racional, é mostrado como uma alternativa de vida onde valorizamos mais os momentos e as pessoas, livre de qualquer ilusão de felicidade que pode ser comprada ou financiada.

Mas por que falar de um documentário da Netflix neste texto sobre alimentação?

Eu percebi o quanto a corrente de pensamento minimalista dialogava com certas tendências alimentares que eu estudava em uma obra literária. Diferente do documentário da empresa vermelha, esta obra se encontra de forma gratuita para download, basta só ir nas referências embaixo do texto e clicar no link.

 

“Eles fizeram do minimalismo um movimento. Os amigos Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus mostram como nossas vidas podem ser melhores com menos” [1]. Na imagem: Sofá dividido pela metade, onde numa parte temo-lo cheio de objetos, quadro, sapatos, brinquedos e roupas, e em outra metade (mais cômoda) observa-se uma planta e um travesseiro com tema de folha.

O livro “Bricolagem Alimentar nos Estilos Naturais” surgiu da tese de doutoramento de Maria Cláudia de Veiga Soares, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 2013 [2]. O mesmo trata sobre os estilos de vida natural que foram desenvolvidos pela comunidade carioca, sobre os preceitos éticos e as diferentes relações com a alimentação que os grupos perpetuam.

A etnografia acompanha a motivação que fez com que os populares buscassem a naturalidade no ato alimentar, transformando também a realidade de convivência destas pessoas entre os seus pares.

Vegans, vegetarianos, crudívoros, lactovegetarianos e outros naturalistas são analisados em seus ambientes de consumo, espaços de convivência e até nas suas cozinhas para mostrar o que faz da mentalidade naturalista algo tão especial.

Percebemos o quanto algumas práticas e o contato com a natureza (uma grande mãe provedora, na mitologia naturalista) é capaz de propiciar felicidade e harmonia entre os adeptos, que preferem manter distância de alimentos industrializados.

A visão de mundo a que se baseia o naturalismo fora absorvida de práticas orientalistas com o início da visão pós-moderna da civilização norte-americana, logo na época dos protestos da Guerra do Vietnã (anos 70) e com o advento dos movimentos new age. Desta forma, o naturalismo é visto como um movimento de contracultura, de encontro aos valores consumistas e industrialistas da época de prata dos Estados Unidos.

 

Na imagem, espaço florestado por onde observamos uma trilha, com uma placa trabalhada a mão dizendo “pensão vegetariana”; A filosofia de vida naturalista propicia novos estabelecimentos gastronômicos, capazes de trazer novidades no cenário culinário e reacender a troca de informação na comunidade. Entrada de um restaurante vegetariano na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.

A percepção de pureza e fartura são bem interessantes nesta visão de mundo. O alimento é considerado limpo quando livre de agrotóxico e procedimentos estranhos à natureza, como a utilização de peneiras de plástico (o pano é bem mais natural para peneirar algo). Para eles, usar um alimento recém colhido e com terra da plantação é a forma mais pura de higiene que pode haver.

Até mesmo o que é conhecido como “lixo” em procedimentos fast food agora pode ser o protagonista de uma nova receita, como as cascas de vegetais em pratos crudívoros ou veganos. Como tudo pode ser reaproveitado, o contato do ser humano com a sua parte extrativista é incentivado, inclusive em ambientes urbanos.

O livro informa-nos sobre a fartura dos movimentos de contracultura, realizada com alimentos que são sempre bem coloridos, diversificados em gêneros alimentícios, trabalhados à mão de forma complexa e que, acima de tudo, é capaz de trazer prazer aos amigos e familiares na solidariedade.

A fartura do povo brasileiro, que saiu de períodos de recessão e inflação nos anos 80, ainda é vista como a mesa cheia de churrasco, bebidas e com a comilança sendo interrompida somente quando a barriga está bem cheia. A concepção de uma mesa farta no naturalismo, desta forma, ressalta bem mais o ato artístico da alimentação e o equilíbrio ao consumo.

O livro foi genial ao mostrar o quanto nós somos condicionados aos eventos que aconteceram no passado, e que precisamos mudar nossa forma de consumo para nos adequar aos desafios futuros.

Este foi o meu insight ao consumir as duas obras ao mesmo tempo!

Com o texto, não pretendo que ninguém mude radicalmente de vida ou mesmo pare de comer algo, mas busco salientar que os atuais movimentos do mundo pedem que nós tenhamos comportamentos cada vez mais voltados para a racionalidade, tanto em nossos atos alimentares quanto em nossas escolhas de vida… E não existem mentes melhores para a racionalidade do que as mentes Deviantes!

O que o(a) leitor(a) achou desse texto? Já entrou em contato com algumas destas obras? Possui experiência prévia com os movimentos descritos? Não deixe de escrever sua opinião e até a próxima!

 

Referências:
 
[1]: MILLBURN, Joshua Fields; NICODEMUS, Ryan. Minimalismo Já. Documentários socioculturais, Netflix. Assista aqui (assinante do streaming).
[2]: Carvalho, Maria Cláudia da Veiga Soares Bricolagem alimentar nos estilos naturais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013. 162 p. Disponível aqui.