Algumas coisas da nossa era parecem tão mundanas, mas quando você para pra pensar, elas são mais incríveis do que parecem, né? Esses dias, eu estava tentando forçar a minha memória a lembrar do nome das pessoas com quem estudei alguns bons 15 anos atrás e, depois disso, veio a curiosidade de saber por onde andam essas pessoas. E como num passe de mágica, o Facebook me mostrou onde moram, o que estudam, onde trabalham, com quem estão se relacionando e a última festa em que encheram a cara.
O mais legal é saber que, há alguns anos, isso com certeza não seria possível. Pensando bem, o fato de que isso hoje é possível não mostra só como a nossa percepção quanto à internet mudou, mas o quanto isso pode ser perigoso. Na verdade, vamos parar de pensar e… contar uma história? A história de como as pessoas escreviam seus nomes na internet.
Até porque, no começo dos anos 90, obviamente não existia o Facebook ― na verdade, o tio Mark ainda tinha uns 6 aninhos e mal devia saber limpar o bumbum, quiçá programar uma rede social. Porém, a internet já existia, graças aos avanços de tecnologia nas Guerras Mundiais e na Guerra Fria e uma tal de World Wide Web (sabe o WWW que costumávamos escrever antes dos sites? Então…) já permitia que pudéssemos conectar páginas pela rede mundial de computadores.
Mas talvez uma dos grandes símbolos dessa era para os brasileirinhos que sofriam com a internet discada seja o grandioso, o inesquecível e o totalmente desconhecido das novas gerações: o Bate-Papo da UOL. Ele surgiu em 1996 como uma forma de conectar pessoas de todos os cantos da nação para conversar sobre assuntos variados (como “variados”, entenda que 80% deles descambavam para a paquera; paquera, inclusive, outro termo que já está em desuso).
https://www.youtube.com/watch?v=98nVLlQdggk
Para os mais novos, vamos tentar explicar o conceito. Ao invés de você ter um aplicativo, criar sua conta, aí encontrar as pessoas que você conhece, adicionar elas e depois que elas aceitarem, você poder começar a conversar, bom, as coisas eram mais fáceis. Você abria a página, escolhia uma “sala de bate-papo” de acordo com o nome ou tema (talvez a cidade onde você morava, ou um assunto em comum, ou qualquer sala focada em paquera mesmo), colocava o nome pelo qual você queria chamado e pronto, já estava pronto para conversar.
Sem cadastros ou login, era simples assim que surgiam os clássicos nicks. Ao invés de eu tentar fazer exemplos na minha casa, deixo você com a prova (eu juro que tentei achar mais fotos no Google, mas todas as outras eram 18+):
De toda forma, eu poderia ser o “gabriel”, o “DarthVaderMG” ou até a “novinha18” ― basicamente, eu poderia ser quem eu quisesse. E em tempos como esse, não era pouco que eu ouvia dos meus pais para tomar cuidado em falar informações pessoais na internet. Afinal, assim como eu poderia ser qualquer um, a outra pessoa também poderia! Se você reclama de perfis fakes atualmente, a coisa já foi realmente uma baderna. Na verdade, continua sendo, já que o Bate-Papo UOL continua online e funcionando, alcançando um recorde de 4 milhões (!) de visitas no Carnaval de 2018. (crianças, tomem muito cuidado ao acessar, ok?)
Além disso, as informações que as outras pessoas tinham, bom, eram só as que você dizia ter. Se você falasse que tinha 19 anos, viva na Europa e tinha um carro rosa, não tinha muito como saber se era algo verdadeiro ou não. Sua imagem pras outras pessoas era, pura e simplesmente, a persona que você mesmo criava.
Quer outro exemplo dessa época? Até antes do Bate-Papo UOL, um programa muito usado por aqui (e no mundo inteiro, e que ainda funciona também) era o mIRC, que usava um protocolo específico para criar salas de chat. Se quiser ver até onde isso chegava, dá uma olhada nos nicks dessa sala de chat aí no vídeo. Isso, foi, literalmente, uma temporada de Malhação, que rolou entre 1998 e 1999: era ao vivo e o André Marques, eterno Mocotó, interagia com os telespectadores ao vivo pelo mIRC.
Sim, os anos 90 eram um mundo estranhos e a internet, um mundo desconhecido dentro desse mundo estranho. Mas a tecnologia ia se aprimorando até que pudéssemos chegar em um novo patamar… mais sexy, legal e confiável, se é que você me entende.
Em 2004, um engenheiro turco do Google de sobrenome realmente complicado para que alguém como eu possa ler conseguiu colocar seu projeto de faculdade no ar para todo o mundo: surgia, então, o Orkut. Pensado para atender ao público americano, foi aqui na nossa terrinha que ele realmente fez sucesso. Sério, se você nasceu agora pouco e não lembra, esse negócio era A febre da internet no início do milênio por aqui.
Já em março daquele ano, o Brasil já era responsável por 5% de todo o tráfico de informações pelo site. 10 anos depois, em 2014, quando os últimos servidores foram fechados, já eramos responsáveis por mais da metade e, desde 2008, só quatro anos depois de seu lançamento, o controle e gerenciamento do Orkut foi transferido para o Google Brasil, dado os 30 milhões de usuários que a rede tinha por aqui.
Por mais que no final de sua vida ele já parecesse bastante com o Facebook (ou “aquele que roubou o seu reinado”), no começo, ele tinha algumas diferenças marcantes. Não havia um feed de postagens como estamos hoje acostumados. Seu perfil pessoal era talvez mais importante: ele listava todos os seus amigos e o seu mural de depoimentos tinha mensagens fofas e GIFs… que refletiam bem a sua época. As comunidades fechavam o pacote e pareciam mais fóruns clássicos de internet.
inCLUSiVi…u OrkuT TiNhah a SUAh LInGUagi proPrIaH…KI kAbOW sEnu KOnhecidaH KOMu u MIguxXxeIxXx…… EH…AXXIm dEXXI jEItu…kOmU VuxXxe tAh lenU agOrAH…… DAvAh + TRaBaLhu prAh eSCreve aXXIM…Eu SeI…maxXx vuxXxE SABe KoMu sAUm uxXx JOveNxXx……
(Inclusive, o Orkut tinha a sua linguagem própria, que acabou sendo conhecida como o miguxês. É, assim desse jeito, como você está lendo agora. Dava mais trabalho pra escrever assim, eu sei, mas você sabe como são os jovens. Se quiser escrever assim também, conheça o MiGuXeiToR).
Aliás, era nesse estilo que muitas pessoas escreviam seus próprios nomes no Orkut: ƒэяиลи∂เиђล, __xXxCǺiØØØØxXx__, [̲̅J̲̅ú̲̅l̲̅i̲̅α̲̅ ̲̅d̲̅σ̲̅ ̲̅F̲̅υ̲̅т̲̅є̲̅b̲̅σ̲̅l̲̅], <><ⓧⓐⓝⓓⓘⓝⓗⓞ><> ou РØŘŦΔŁ Đ€VΞΔŇŦ€ seriam nicks completamente aceitáveis e comuns naquela época, por mais que pareçam bizarrices hoje (inclusive, brinque de fazer o seu aqui). Agora, você tinha uma conta, um perfil virtual e começava a construir a sua personalidade a partir daí, não era algo mais tão volátil e passageiro. Por mais que contas fakes existissem (aos montes), era mais fácil saber procurar aquela pessoa da escola que você tinha uma quedinha…
Não só isso, mas as informações que as pessoas publicavam sobre si mesmas continuavam, pela primeira vez pra muita gente, unidas em um só lugar. As comunidades que você tinha mostravam as coisas que você gostava (ou não), seu perfil estava cheio de informações sobre quem você era… É claro que, pra muita gente, sites como o Fotolog, isso já era uma realidade, mas o Orkut foi um dos primeiros a popularizar aquela ideia de adolescente de ficar colocando a vida inteira na internet. Com o tempo, pessoas mais velhas, que mal usavam um e-mail, criaram seus perfis no Orkut.
Por outro lado, esses dados ainda não são tudo que a gente imagina de agora. O fato do “feed de publicações” chegar só nos últimos anos da rede, quando ela já estava perdendo muita força, fazia com que as pessoas não compartilhassem todos os aspectos da própria vida, a todo o momento. Os usuários podiam postar fotos em seu perfil, mas não é como se a internet da época (e a nossa paciência) permitisse muitas fotos por dia ou que elas fossem de alta qualidade.
Mesmo com pouco, essas fotos eram muito bem escolhidas, as melhores de uma sessão em frente ao espelho com a novíssima câmera digital rosa choque que você comprou no Magazine Luiza. Boa parte da interação diária era dentro das comunidades, que acabava descentralizando o que as pessoas sabiam sobre a sua vida. E, claro, nos joguinhos (como o Colheita Feliz) e naquele negócio de avatares 3D, o BuddyPoke (que ainda existe, como um app pra celular).
Hoje, vivemos um mundo bem diferente. Temos celulares com câmeras super potentes, com redes de internet móveis que deixam as antigas no chinelo e permitem que façamos uma transmissão ao vivo, em 4K, do miojo da Mônica que estamos fazendo pro jantar. A ideia do Facebook de ter uma página onde informações sobre os outros apareçam a cada momento, com um campo em cima onde você pode usar qualquer mídia pra falar sobre a sua própria vida, é cada vez mais comum e normal.
Aliás, o miguxês e os nicks estranhos acabaram dando espaço a outra forma de escrever nossos nomes na internet: nome e sobrenome. Quanto mais o tempo passou, mais pessoais ficaram seus perfis nas redes sociais. Agora ele tem meu nome, meu sobrenome, onde estudei, onde moro e, graças às minhas postagens, o que fiz semana passada, onde passei as férias, quais são meus amigos mais próximos e aquele meme super engraçado do gatinho tomando um susto, que, nossa, é muito engraçado.
Claro que ainda existem perfis fakes e ainda escolhemos como as pessoas vão conhecer a gente pelo nosso perfil, mas é fácil olhar e ver como, agora, parece cada vez mais que aquilo é realmente você. Você não está escondido por um nick volátil, ou por um mural de depoimentos (falsos) com GIFs… Se não tomar cuidado, quem simplesmente entrar no seu Facebook consegue saber muito mais sobre a sua vida do que muita gente que vive ao seu lado.
Pode parecer besteira, mas é bem legal como esse aumento da nossa exposição na rede segue uma evolução com o quão pessoal nós mesmos nos identificamos na internet. Cada vez menos saindo daquelas personas estranhas para, cada vez mais, criar uma “versão de nós mesmos”, com o nosso nome, mas sem realmente toda a nossa vida. Ou melhor, com cada vez mais a nossa vida de verdade.
A internet de hoje não é mais a internet do começo da década. As pessoas não têm mais receio de colocar seus nomes e falar de sua própria vida. É claro que é muito bom conectar-se com pessoas de todo o mundo, porém, mais do que nunca, estamos nos expondo cada vez mais, até sem perceber. Nunca as pessoas souberam tanto da vida alheia, de forma tão fácil, com um alcance tão grande.
Esse texto é mais uma história boba, com umas piadas sobre o Orkut e tal, só pra que eu possa te fazer um convite a refletir mais sobre como você usa a internet hoje em dia. É muito legal quando vemos como a tecnologia em si pode evoluir tecnicamente, permitindo coisas cada vez mais diferentes e grandes! …Mas nós, como usuários, como pessoas, precisamos tentar entender como utilizar essa tecnologia, cada vez também mais perigosa, pra não nos fazer mal.
A internet pode ter ficado mais sexy e mais legal, mas será que ela ficou mais confiável?