Não sei se é igual para todo mundo, mas para mim o termo “logaritmo” já intimida um pouco. Com o passar do tempo, se você tem um bom professor de matemática, verá que logaritmo não é tão difícil. Descobrimos que é mais uma forma de trabalhar com expoentes e tudo mais. Até aí tudo bem, o problema para mim foi quando alguém me disse que existe um logaritmo “natural”.
O termo natural já é outro que suspira discussões. O que é exatamente natural? As quatro primeiras entradas do dicionário Michaelis on-line são as seguintes: (1) relativo ou pertencente à natureza; (2) gerado pela natureza, conforme suas leis; (3) que segue a ordem regular das coisas; (4) feito de forma espontânea. Não sei você, mas nunca tinha imaginado um logaritmo incluído em algumas destas definições.
Vamos lembrar rapidamente o que é exatamente a operação logaritmo. A notação log_b(y), refere-se ao “logaritmo de y na base b”. Se x é o resultado do logaritmo, x seria o expoente cuja base (b) elevada ao expoente retorna o valor de y. Parece chato, eu sei, mas aí vai um exemplo: o logaritmo de 100 na base 10 é 2, já que 10 elevado ao expoente 2 resulta em 100.
Talvez não seja tão complicado, mas de onde o “natural” vem? Isto talvez seja exemplificado com cálculo de juros. Imagina que eu estou negociando com um banqueiro um empréstimo de R$1 mil. O banqueiro queria que eu pagasse 150% de juros após um ano, ou seja, eu deveria retorná-lo R$2.5 mil após um ano. Eu propus 100% e ele fez uma nova proposta. Juros de 100%, como eu pedi, mas com um detalhe importante: atualizações frequentes dos juros em vez de apenas um pagamento. Devo eu aceitar a proposta?
Anteriormente, com apenas uma atualização eu deveria retorná-lo R$ 2 mil ao final do ano com uma prestação. Com duas atualizações, ele propõe que o valor da dívida seja atualizado por 50% a cada 6 meses (já que 50%+50% = 100%). Portanto após 6 meses eu deveria R$1500 e depois de um ano a dívida seria R$2250 (R$ 1500 + 50% de R$1500). Neste caso eu pagaria um valor total que é menor que o juros anterior (daria R$2250). Mas ele falou “frequente”, como isto muda para mais atualizações? Vamos tentar calcular o valor para diferentes números de atualizações:
- uma: 100% uma vez ao mês eu pagaria: R$1000*2 = R$ 2000,00.
- duas: 50% duas vezes ao mês eu teria R$ 1000 *1,5 = R$1500,00 de dívida após um semestre. Depois de um ano, seria R$1500*1.5=2250 = (1.5*1.5*1000)
- três: as atualizações seriam de 33% o que resultaria em R$2370 = 1.33*1.33*1.33*1000
- 5 atualizações seria R$ 1.2*1.2*1.2*1.2*1.2*1000 = R$2488,32
A tabela abaixo mostra o valor final dividido pelo valor inicial para um número n de atualizações
n | vf/vi |
1 | 2 |
2 | 2.25 |
5 | 2.48832 |
10 | 2.5937424601 |
1000 | 2.7169239322 |
10000 | 2.7181459268 |
100000 | 2.7182682372 |
Veja que, quando as atualizações são bem frequentes (isto é, n grande), o montante se estabiliza em 2,7182 que, por coincidência ou não, é a constante de euler e=2,7182 e a base do logaritmo natural!
Nesse caso eu correria o risco de ter que pagar R$2781,26 e portanto eu não deveria aceitar a proposta…
Por que esse 2,71 apareceu e o que o “natural” tem a ver com a história? Vou utilizar o argumento de que a minha dívida não deve depender do número de atualizações e que na verdade o certo seria ter atualizações a todo instante e minha dívida deve ser atualizada por um crescimento contínuo ou “natural” desta dívida. Neste caso a base do logaritmo para calcular o crescimento natural é exatamente e=2,71.
Parece uma tremenda coincidência, mas a constante de Euler aparece “naturalmente” em outros lugares em que temos taxas de variações. Em sistemas como o da figura abaixo em que termos forças proporcionais a posição do objeto, o movimento é descrito por funções exponenciais cujo 2,71 é a base!
Conclusão: até que não é tão esdrúxulo chamar de logaritmo natural….
Esse texto foi muito mais que 271% inspirado no vídeo do Numberphille (em inglês) que é recomendadíssimo!