Imagine que agora você esteja no mercado de sua cidade. Você está retirando um alimento da prateleira, e busca o rótulo daquele produto. Você procura informações sobre nutrição, ou até mesmo o local em que aquilo foi produzido. De repente, percebe estampado um grande selo, indicando que aquele alimento veio de uma zona em pleno desmatamento no cinturão verde amazônico. O que você faria?

As sociedades humanas vivem um ponto de inflexão único da história. Precisamos de cada vez mais alimentos. Ao mesmo tempo, a maneira como cultivamos, manipulamos, transportamos e produzimos a comida têm aumentado a incerteza sobre nossa permanência no planeta como sociedade.

Isso ocorre pois cada uma dessas atividades liberam gás carbônico à atmosfera, bem como metano e outros gases do efeito estufa (GEE). Quando esses gases se concentram na atmosfera, diversas incertezas ambientais ocorrem ao redor do mundo. Aumenta-se  a quantidade de tragédias também, como já aconteceu no caso do Rio Grande do Sul e, mais recentemente, no maior incêndio registrado na Califórnia.

Nada disso é novidade para nós, que já entendemos viver num período bem intenso de mudanças. Novas estratégias estão sendo criadas para mitigar os maiores efeitos climáticos na cadeia de alimentos. Já tivemos oportunidade de estudar uma dessas estratégias aqui.

Pensando nisso, o conceito de Rotulagem Climática — RC — está despontando no cenário industrial. Mas afinal, o que é essa rotulagem? o que ela quer indicar para nós? Tudo isso iremos ver nesse texto hoje!

A RC é um modelo de certificação criado pelo grupo Sistema B [1]. A organização sem fins lucrativos trabalha com conformidade das B Corps, empresas sustentáveis com preocupação socioambiental. O programa deles também estimula a adoção de padrões críveis e transparentes dessas empresas até a neutralidade na emissão de carbono. A primeira ideia praticável a respeito de RC veio dessa companhia.

 

Imagem um. A RC visa se tornar um mecanismo de auditoria para frear a emissão dos GEE ‘ s [2]. O Brasil tornou-se o maior exportador pecuarista do mundo, com 27,7% do mercado. A participação do setor também é gigantesca na emissão de GEE, com quase 58% do total. O desmatamento para áreas de pastagem é o principal motivo. Na imagem, observamos um rebanho bovino nelore preto se alimentando no comedouro através da cerca.

Há diversas formas para que a rotulagem seja eficiente em refletir a realidade climática. O protocolo de ação da RC é responsável por ditar a atuação dos certificadores do selo, que indica a que pé a empresa se encontra em sustentabilidade. Com esse princípio, a RC desenvolve Arquétipos de Modelos de Negócios Sustentáveis [1]. Esses arquétipos são baseados em melhorias já testadas sobre tecnologias, governança social e metodologias organizacionais. Eles são o ponto mais alto em que a empresa/produção precisa chegar ao final da certificação.

Esses arquétipos são testados com o uso de instrumentos metodológicos especiais, que são as lentes de clima. Essas lentes são práticas usadas para observar a qualidade em tópicos como redução de consumo energético e água, criação de fontes renováveis de energia, conservação da cadeia de valor, insumos com base na agricultura regenerativa, frota de veículos elétricos, etc. Assim, faz-se a avaliação do impacto socioambiental de cada organização, influenciando na nota que a mesma terá em seu rótulo.

Essa lente também pode levar em conta na avaliação outros parâmetros, como biodiversidade e justiça social. Assim, a questão pode contemplar migração para embalagens circulares, compromisso de rastreabilidade,  logística reversa, capacitação ambiental e empoderamento feminino. Como já tivemos oportunidade de ver aqui, estes são temas que influenciam na sustentabilidade geral da empresa.

Apesar de pioneiro, o modelo das B Corps não é o único a despontar no horizonte da RC. Todas essas técnicas de rotulagem levam em conta potenciais diferentes, dependendo do impacto ecológico que se calcula ao gás liberado no processo e sua quantidade [3]. Porém, cada modelo de rotulagem pode desenvolver métricas próprias de avaliação desses impactos. Ainda não existe harmonização de métricas no cálculo de peso dos gases.

Por exemplo, há um cálculo de RC que leva em conta o Potencial Global de Aquecimento (GWP, na sigla em inglês) [3]. Essa métrica é baseada na eficácia de cada gás de reter calor na atmosfera. Gases como metano, produzidos na pecuária, têm GWP de 34. Isso significa que ele retém 34 vezes mais calor que o dióxido de carbono (CO2). Porém, sua vida útil na atmosfera é bem inferior ao CO2, ficando uma década na atmosfera enquanto o outro dura quase dois milênios. Como saber realmente qual é mais danoso ao nosso clima?

Ainda assim, o mundo necessita de uma técnica de rotulagem que seja simples, eficaz e que atenda diversas necessidades globais. Nesse contexto, o tema passa a ser crucial para pecuaristas, frigoríficos, indústria, varejo e a própria sociedade. A descarbonização da economia passa por colocar no rótulo o que acontece na indústria, onde poucas pessoas tem acessos informacionais.

 

Imagem dois. Transparência climática é tendência no mundo todo [4]. Reportagem esclarece que 60% dos consumidores estariam dispostos a trocar produtos por aqueles que informam a pegada de carbono, mas questão de padronização ainda é um problema. Na figura, observamos uma mão feminina segurando um pote de alimentos enquanto observa seu rótulo.

O RC torna-se uma emergência global para garantir a informação na ponta da cadeia. Consumidores mais informados tornam-se empoderados sobre os efeitos de sua alimentação para o clima e sua própria qualidade de vida [5]. A utilização de sistemas de procedência é uma necessidade tanto do governo quanto externa. Para mercados mais exigentes, como o europeu, é condição imprescindível.

Na situação do início do texto, pesquisas demonstram que grande parte das pessoas não comprariam produtos oriundos de zonas em pleno desmatamento ou desmatadas [9]. Se a informação do rótulo for clara, transparente e direta, mais da metade dos consumidores procurariam versões com melhores scores em benefícios climáticos. Esse é o maior objetivo desse tipo de rotulagem, e uma necessidade extrema para produtos com maior pegada de carbono, como carne bovina.

Ainda sobre a carne, os sistemas de rastreabilidade bovina são a forma mais prática de iniciar o processo de certificação em RC. Através da identificação individual desses animais, você consegue implementar bases para que ocorra a audição, garantindo a fidelidade do rótulo climático [7]. Assim, é possível saber se a carne veio de uma região protegida ou desmatada.

Esse rastreio pode ocorrer tanto por meios analógicos quanto digitais, até mesmo baseados em IA. Soluções emergentes como reconhecimento facial e nasal despontam no horizonte, bem como o uso de RFID e outros sensores. Assim, garante-se de onde o boi saiu e quais foram os benefícios ambientais de sua propriedade de origem, de acordo com órgãos governamentais e de auditoria.

O sistema de RC classifica aquela criação de acordo com seu impacto climático, indicando em escala os cuidados que foram realizados naquela produção. Os principais sistemas de rastreabilidade vigentes no Brasil são apenas para uso sanitário, incorporando a necessidade de biossegurança na cadeia. Porém, só essa garantia não está sendo o bastante. E nosso atual sistema de rastreabilidade anda precisando de renovação.

O Sistema Brasileiro de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos — SISBOV — estuda novas possibilidades para substituir os já estabelecidos como o Guia de Trânsito Animal — GTA —, que é pouco prático, fraudável e sem controle social [6]. Com essas novas necessidades no mercado, tecnologias rapidamente podem ser usadas para complementar as informações com o enfoque ambiental, integrando com a necessidade sanitária já em transformação.

A rastreabilidade tornou-se imperativa para garantir a rotulagem climática de alimentos. Os mercados internacionais, sob a égide de leis antidesmatamento e acordos bilaterais, já incorporam a questão climática na venda de produtos e commodities, como preconizado no Acordo Mercosul-União Européia [8]. O que faríamos caso a RC se torne uma necessidade imediata para venda de produtos cárneos? Ficaríamos de fora desses mercados?

Entender essa potencialidade será essencial para que o Brasil continue a se manter em posição de destaque no cenário da alimentação, tanto nacional quanto internacional. Novas tecnologias e métodos organizativos continuarão a se desenvolver. Cabe à nossa sociedade entender nosso papel rumo ao consumo consciente.

 

Referências
[1]: GHERARDI, Cinthia. Gestão climática Net Zero em modelos de negócio sustentáveis: estudos de caso de Empresas B (B Corps). 2022. Dissertação de mestrado apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo. 97 p. Fundação Getúlio Vargas, 2022. 
[2]: SCHUBERT, Maycon Nuremberg. Rotulagem Climática – A cadeia da carne bovina e seus desafios. Portal Le Mond diplomatique Brasil, 06 jan. 2025. Disponível aqui.
[3]: GRILLI, Mariana. Estudo explica a importância da rotulagem climática da carne. Portal O Joio e o Trigo, 06 jul. 2024. Disponível aqui.
[4]: SOLUTIONS, Exame. Rotulagem climática: empresas começam a informar pegada de carbono na embalagem. Portal Exame, 11 ago. 2023. Disponível aqui.
[5]: Batistelli, J. C. D. O. R., Batistelli, I. J. C., de Menezes, F. L., & de Araújo, C. V. Estimativas de rastreabilidade e certificação da carne bovina no Brasil. Research, Society and Development, v. 11. Universidade Federal do Mato Grosso, 2022.
[6]: PRIZIBISCZKI, Cristiane. Governo lança plano de rastreio individual na pecuária, com foco apenas sanitário. Portal O Eco, 17 dez. 2024. Disponível aqui.
[7]: DE ALMEIDA, Matheus Papa. Evolução da pecuária no Brasil: tendências tecnológicas em rastreabilidade. 2024. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Engenharia Agrícola. v.1, 70 p. Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, 2024.
[8]: ALMEIDA, Gabriel. Lei antidesmatamento e os desafios para os produtores de soja. Portal Canal Rural, 19 nov. 2024. Disponível aqui.
[9]: LIPORACE, Teresa Donato. Mentira Verde: a prática de Greenwashing em produtos de higiene, limpeza e utilidades domésticas no mercado brasileiro e sua relação com os consumidores. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC. Brasília, 2019.