Esse texto traz uma introdução ao tema de Ocultações Estelares, um fenômeno e ferramenta científica fascinante. Cobriremos todos os pontos básicos: o Sistema Solar, o que são objetos Transnetunianos, o que são ocultações estelares e, por fim, o que as observações já nos ajudaram a descobrir.
Vamos embarcar nessa aventura?
O Sistema Solar
Acredito que todos já conhecemos os 8 planetas que compõem o Sistema Solar: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno (também conhecemos Plutão, que não é mais planeta oficialmente — mas ainda é em nossos corações). Claro, temos também a nossa estrela (literalmente): o Sol.
Mas não termina por aí, há muitos outros objetos espaciais que orbitam em torno do Sol — asteroides, cometas, luas e planetas-anões também compõem o que chamamos de Sistema Solar.
Astrônomos geralmente dividem o Sistema Solar em duas categorias (na verdade, são mais do que duas, mas logo trataremos disso), Os Planetas internos e externos. A divisão se encontra, tipicamente, no Cinturão de Asteroides — que se encontra entre Marte e Júpiter.
Os planetas internos são os rochosos, aqueles mais próximos do Sol, também são conhecidos como os planetas terrestres. Nesse grupo se encontram: Mercúrio, Vênus, Terra e Marte.
Já os planetas externos são os gasosos — são bem maiores do que os rochosos, possuem anéis e, tipicamente, são orbitados por várias luas. Nesse grupo encontramos: Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.
Objetos Transnetunianos
Porém, como já dito, as divisões não acabam por aí: sabemos que o Sistema Solar não termina em Netuno (olá de novo, Plutão!). A categoria de objetos encontrados depois do nosso planeta mais distante recebe o nome de Transnetunianos (TNOs). Todos os objetos encontrados entre uma distância média maior do que a de Netuno em relação ao Sol (30.1 Unidades Astronômicas) e o ponto onde acaba o Sistema Solar se encaixam nessa categoria.
Definir exatamente onde o Sistema Solar acaba não é tarefa fácil e com certeza não é consenso na comunidade científica, então não será discutido nesse texto (quem sabe no futuro?). Para fins de simplificação, podemos dizer que os Transnetunianos são todos os objetos encontrados no intervalo de (logo após) Netuno até muito longe.
Há uma subdivisão dos corpos transnetunianos: os que se encontram no Cinturão de Kuiper (KBOs — Kuiper Belt Objects) e os mais distantes, que se encontram no Disco Disperso (SDOs — Scattered Disk Objects).
Esses objetos são de extrema importância, muitos cientistas acreditam que eles desempenharam um papel significante na formação do Sistema Solar, enquanto outros acreditam que o comportamento desses Objetos Transnetunianos pode indicar até mesmo a existência de novos planetas, escondidos nas sombras.
Aí entramos nas dificuldades que envolvem os Transnetunianos: eles são extremamente difíceis de detectar. Até hoje, detectamos cerca de 2.000 objetos, mas tudo indica que são centenas de milhares, possivelmente milhões!
Mais difícil do que detectar um Transnetuniano é observar e extrair informações dele (como tamanho, albedo, massa, relevo, etc.). Eles se encontram a uma distância em que a luz solar mal chega, tornando-os praticamente ocultos para nós. Por muito tempo, apenas tínhamos conhecimento dos maiores (luas e planetas anões), poucos métodos de observação se aplicavam a esses corpos “invisíveis”, e é aí que entram as Ocultações Estelares.
Ocultações Estelares
Uma ocultação estelar ocorre quando a luz de uma estrela se encontra bloqueada por um objeto (como um planeta, lua, anel, asteroide ou cometa) em relação a um observador.
O principal motivo para a observação a partir de ocultações estelares é a capacidade de examinar sistemas de anéis, atmosferas e outros detalhes de corpos do sistema solar externo com precisão espacial melhor em alguns quilómetros de magnitude, em comparação com qualquer outro método de observação baseado na Terra.
Uma das maiores dificuldades na observação de Transnetunianos por meio de Ocultações Estelares envolve a precisão na previsão de quando o corpo passará pela estrela. Por se tratar de um objeto geralmente pequeno e muito distante (lembrando, no mínimo 30.1 Unidades Astronômicas) a precisão com que precisamos saber quando ele irá passar deveria ser, idealmente, de pelo menos 10 miliarcosegundos (mas), (1/1000 de arcosegundo, é um valor ridiculamente pequeno).
Com o tempo, cientistas criaram catálogos espaciais muito precisos. Os catálogos mais modernos usados por equipes observando ocultações possuem uma precisão de 300 mas, ainda longe do ideal, mas o crescimento do número de ocultações bem-sucedidas realizadas nos últimos anos nos mostra como as novas tecnologias e catálogos vêm impulsionando o método.
O maior número de ocultações bem-sucedidas se encontra sobre o guarda-chuva do projeto Lucky Star, uma união de grupos em Paris, Granada e Brasil, bem como outros grupos espalhados pelo mundo.
Descobertas
A partir da queda de luminosidade apresentada pelo corpo em relação a estrela, é possível extrair informações importantíssimas acerca da presença (ou ausência) de atmosfera no corpo analisado, também é possível determinar o albedo (quantidade de luz refletida) e, a partir dele, estimar a relação entre rocha e gelo presente na superfície.
Ocultações Estelares são muito utilizadas no estudo atmosférico de Plutão, inclusive, a descoberta da atmosfera de Plutão se deu por uma ocultação observada em 1988. Muitos estudos vêm sendo realizados desde então, os resultados de uma ocultação, publicados em 2020, trouxeram dados extremamente precisos do raio da atmosfera e da pressão atmosférica do planeta-anão.
Não acaba por aí, observações coordenadas de ocultações envolvem vários times de observação, em várias localidades diferentes do globo. A partir disso, podemos determinar as dimensões e o formato dos corpos, bem como outras características extremamente curiosas, como mostra o caso da ocultação do planeta-anão Haumea, realizada em 2016:
A ocultação contou com diversos grupos de observadores, espalhados por diversos países da Europa: Eslováquia, Hungria, República Tcheca, Eslovênia, Alemanha e Itália.
Cada observação capturou um ponto diferente do Haumea — cada observação representa uma corda, uma linha que atravessou o objeto, cujo comprimento é o tempo em que pôde ser observada a ocultação. Analisando todos os resultados, podemos modelar o formato do objeto.
Nessa observação, ocorreu algo ainda mais curioso: ao fazer a análise dos dados, os cientistas perceberam duas pequenas variações na luminosidade da estrela, um pouco antes e um pouco depois da ocultação principal.
A ocultação do Haumea tinha o seguinte comportamento:
O que só pode significar uma coisa, Haumea possui um anel!
A descoberta de sistemas de anéis em planetas-anões é fascinante por si só, foi publicada na Nature em 2017, levantando grandes questões sobre sistemas de anéis, sua raridade e como eles são formados. E só foi possível com a observação de uma Ocultação!
Com o passar dos anos, novas descobertas e aplicações de ocultações estelares vem surgindo. A partir da análise das cordas, já é possível determinar relevo em Transnetunianos (somos capazes de encontrar montanhas, depressões, entre outras deformidades).
Ciência, tecnologia e cooperação humana, juntas, conseguem extrair detalhes impressionantes de objetos praticamente invisíveis. Com um objeto, uma estrela ao fundo e o equipamento adequado, conseguimos determinar o tamanho, albedo, presença de atmosfera, formato, dimensões e até mesmo relevo do objeto — informações que possibilitam conhecer melhor o Sistema Solar, tanto no presente, quanto na sua formação.
Quem sabe o que o futuro nos aguarda?
João Victor Nizer
Estudante de física, aspirante a astrônomo e curioso por natureza. Gosto de ler e pesquisar sobre praticamente tudo. Em uma relação de amor e ódio com teorias conspiratórias. Defensor da educação livre e pública!
Fontes:
ASTRONOMY & PHYSICS. Study of Pluto’s atmosphere based on 2020 stellar occultation light curve results. Disponível em: https://www.aanda.org/articles/aa/full_html/2021/09/aa41718-21/aa41718-21.html.
ERC LUCKY STAR PROJECT. Lucky Star. Disponível em: https://lesia.obspm.fr/lucky-star/.
José L. Ortiz, Bruno Sicardy, Julio I.B. Camargo, Pablo Santos-Sanz, Felipe Braga-Ribas, Chapter 19 – Stellar occultations by Trans-Neptunian objects: From predictions to observations and prospects for the future, The Trans-Neptunian Solar System, Elsevier, 2020, Pages 413-437, ISBN 9780128164907, https://doi.org/10.1016/B978-0-12-816490-7.00019-9.
MIT. Stellar Occultations. Disponível em: http://occult.mit.edu/research/stellarOccultations.php.
Ortiz et al., The size, shape, density and ring of the dwarf planet Haumea from a stellar occultation, Nature, 2017, doi: 10.1038/nature24051.
SCIENCEDIRECT. Stellar Occultation. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/topics/earth-and-planetary-sciences/stellar-occultation
SCIENCEDIRECT. Trans-Neptunian Object. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/topics/earth-and-planetary-sciences/trans-neptunian-object.
UNIVERSE TODAY. The Inner and Outer Planets in Our Solar System. Disponível em: https://www.universetoday.com/34577/inner-and-outer-planets/.
UNISTELLAR. Asteroid Occultations 101. Disponível em: https://unistellaroptics.com/asteroid-day/asteroid-occultations-101/.
WIKIPEDIA. Trans-Neptunian object. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Trans-Neptunian_object.
Fonte da imagem de capa: https://www.nasa.gov/feature/goddard/2016/hubble-reveals-observable-universe-contains-10-times-more-galaxies-than-previously-thought