A agricultura brasileira é uma das mais peculiares do mundo. Por sua grande extensão, diferença de condições climáticas e culturas alimentares, ela se desdobra em uma grande diversidade de sistemas de produção [1]. Todos esses sistemas são fontes de recursos, emprego e, quando bem manejados, de sustentabilidade para o país. Pelo menos assim deveria ser.

Porém, alguns fatores podem afetar tanto a disponibilidade de itens alimentares quanto a distribuição, o acesso e a utilidade [1]. Todos esses conceitos fazem parte da ideia geral de segurança alimentar, que já tivemos a oportunidade de estudar aqui. O agente mais preocupante a perturbar nossa estabilidade em abastecimento, contudo, é o clima. Ainda mais em tempos de mudanças climáticas.

No texto de hoje, pretendo mostrar a importância do zoneamento agrícola para nossa estabilidade alimentar e como as mudanças climáticas a afetam. Iremos entender também a ferramenta de Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) para a segurança alimentar como um todo. Vamos lá!

As mudanças climáticas certamente impactam na produtividade e disponibilidade de itens alimentares, como já tivemos oportunidade de observar neste texto aqui. Além disso, existem outros impactos como o aparecimento de pragas, aumento de desigualdades socioeconômicas e diminuição da qualidade de grãos. É um desafio que, para ser superado, precisa da ajuda de diversos atores.

Pensando nesse desafio multiatores e transfronteiriço, governos, empresas e produtores têm adotado novas técnicas e paradigmas de trabalho. Com isso, eles esperam mitigar os efeitos mais sensíveis da mudança climática na agricultura e, consequentemente, da insegurança alimentar atrelada. Desse contexto surgiu o instrumento de política agrícola conhecido como Zoneamento Agrícola de Risco Climático, ou ZARC.

 

Imagem um. A oficina Plano Clima Adaptação – Setorial da Agricultura Familiar ocorreu em agosto deste ano para nortear o documento à seção dos agricultores familiares dentro do Plano Clima do Governo Federal [2]. O objetivo do plano é orientar iniciativas de gestão e redução de riscos climáticos no setor. Na figura, podemos observar um conjunto de pessoas em ambiente aberto e segurando um folder colorido que representa o Plano Clima.

O ZARC é, em vias gerais, um estudo indicativo do período mais propenso ao plantio/semeadura de cultivares agrícolas dependendo das condições ambientais e adversidades climáticas na escala municipal ou regional [3]. Essa análise leva em consideração métricas como características do clima (seco, úmido, quente, etc.), tipo de solo (argiloso, arenoso, etc.) e o ciclo de cultivo das espécies, evitando assim com que os riscos climáticos coincidam com as fases mais sensíveis de crescimento dos cultivares.

A nível nacional, a principal agência a coordenar os estudos é o Departamento de Gestão de Riscos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), sendo que o principal órgão desenvolvedor da análise é a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Os achados e indicações de ZARC são divulgados pelo MAPA por meio de portarias, das quais estados e municípios buscam adequação.

A exposição histórica da lavoura aos riscos climáticos é um importante indicador do período de plantio pelo ZARC. A modelagem matemática leva em consideração o índice de satisfação hídrica das plantações. Mas existem manejos que auxiliam nessa satisfação de água, como plantio direto e preservação de nascentes, diminuindo os riscos climáticos.

Outra medida é baseada na análise do cenário em aumento de temperatura. O aumento de temperatura, de maneira geral, provoca a diminuição de áreas aptas ao cultivo. Com mais calor e escassez hídrica, espera-se maior perda de água dos cultivares pela evapotranspiração das plantas. O que diminui, em via geral, o rendimento das plantações. Para isso, o estudo estipula janelas de plantio das culturas por níveis de risco, tipo de solo e ciclo das cultivares.

Apesar de conseguirmos relacionar muito bem os riscos produtivos com os riscos climáticos, eles por si só não revelam a produtividade agrícola total. Para isso, precisamos levar em consideração fatores tecnológicos e socioculturais como manejo correto de solo, uso de técnicas sustentáveis, fertilidade, variedade e genética das sementes, sanidade das lavouras, etc. Portanto, diversos fatores precisam ser considerados para consumar o ZARC e outras medidas de efetividade.

Ou seja, não é só aplicar o ZARC que teremos uma plantação próspera. Para isso ainda é preciso muito trabalho! A metodologia apenas nos orienta para diminuir os riscos climáticos locais. Contudo, medidas ainda mais especializadas podem ser feitas baseadas neste estudo preliminar.

 

Imagem dois. O primeiro estudo ZARC de açaí foi realizado em fevereiro deste ano [4]. Segundo a análise, estados como Espírito Santo e norte de Minas apresentaram condições favoráveis ao fruto irrigado. Na figura, observamos um pé de açaí com diversos frutos na palma da árvore.

Algumas vezes, a concessão de crédito rural está condicionada ao estudo e aplicação do ZARC. Caso o produtor opte por não usar a técnica, ele pode ter seu pedido de indenização indeferido caso ocorra algum sinistro [3]. Isto é assumir mais riscos climáticos (assunção de riscos), podendo acabar por lesar todo um ciclo produtivo.

Muitas soluções de ZARC podem ser adaptadas a usos mais específicos. Como por exemplo a uva, que tem potencial ao uso de metodologia adaptada, segundo pesquisa da Embrapa [5]. A nova métrica alcança seis tipos diferentes de solo às videiras, diferente de três adotados pelas classificações atuais. Ela também leva em consideração o risco de deficiência hídrica baseado em diferentes sistemas de condução de água.

Outro uso seria a utilização do zoneamento para levantar os derivativos climáticos, responsáveis por implicar em riscos na compra e venda de ações de empresas agrícolas ou seus produtos financeiros [6]. Ou seja, já há um planejamento por parte das instituições financeiras em proteger seus produtos agrícolas (diminuir os riscos), seus clientes (garantir a rentabilidade) e a reputação da empresa.

Com o tempo, novas técnicas aprimoradas e especializadas surgirão e terão potencial de grande adoção. Talvez o estudo possa ganhar um aspecto mais normativo e deliberar muitas outras decisões no âmbito de exportação e importação dos produtos. No futuro um bom estudo ZARC pode virar o critério definidor de qual instituição ou produtor pode ganhar uma licitação, tornando-se um novo produto do mercado agrícola.

Ondas de calor, frio extremo, geadas, secas, enchentes e tempestades torrenciais farão parte de nosso futuro com as mudanças climáticas. Cabe aos agentes de nossa agricultura estipular coletivamente novas métricas, estudos e potenciais tecnologias para que possamos diminuir os riscos de ficarmos sem comida. Assim, perigos como a insegurança alimentar poderão ficar mais distantes, apesar de sempre à espreita, escondido em nossos erros.

 

Referências
[1]: Carmello, V., & Neto, J. L. S. A.. Variabilidade das chuvas na vertente paranaense da bacia do rio Paranapanema-1999-2000 a 2009-2010. Raega-O Espaço Geográfico em Análise, v. 33, p. 225-247, 2015.
[2]: GOV, Agência. Elaboração do Plano Clima Adaptação da Agricultura Familiar tem início. Portal Agência Gov, 26 ago. 2024. Disponível aqui.
[3]: RIBEIRO, Rodrigo Rudge Ramos. Um panorama do risco climático e possíveis impactos em espaços agrícolas no Brasil devido ao aumento de temperatura. Riscos ao sul: diversidade de riscos de desastres no Brasil. Vol. 1, p. 228. ISBN: 978-65-994944-3-7. Disponível aqui.
[4]: LIMA, Ana Laura. Açaí ganha o seu primeiro Zoneamento Agrícola de Risco Climático. Foto de Ronaldo Rosa. Portal Embrapa, 27 fev. 2024. Disponível aqui.
[5]: CONCEIÇÃO, Marco Antônio Fonseca; TONIETTO, Jorge; ALVES, Maria Emília Borges. Nova metodologia para estimativa da deficiência hídrica no Zoneamento Agrícola de Risco Climático da Uva. Boletim de pesquisa e desenvolvimento Embrapa. Bento Gonçalves, RS. ago. 2024.
[6]: PASSOS, Stéphanie Cristina Garcia Trapp. A utilização de derivativos climáticos e sua aplicabilidade como ferramenta de gerenciamento de risco no agronegócio brasileiro. Programa de Pós-graduação em ciências contábeis (PPGCont), Universidade de Brasília (UnB). Brasília, DF. 208 p. 2023.