Correm as lendas que existem certos lugares que funcionam como portais para dimensões paralelas ou ainda como atalhos para outros lugares da Terra. O mais famoso destes locais é o Triângulo das Bermudas, um portal dimensional que engoliria aviões e barcos sem deixar vestígio. Mas existem outros. Quem nunca ouviu falar de uma famosa cachoeira em São Tomé das Letras que esconde um túnel dando acesso a Machu Picchu? Ou ainda que as pedras de Stonehenge são os dedos das cabeças gigantes das ilhas de Páscoa, sendo que o corpinho passaria por baixo do Oceano? Pois é, quem por ventura acredite nestas lendas se algum dia andar nas selvas das frias montanhas da Malásia e se deparar com a begônia azul da foto abaixo talvez pense que tenha cruzado um portal dimensional e tenha chegado a Pandora.

Pandora? Não, Planeta Terra mesmo (fonte)

Pandora? Não, Planeta Terra mesmo (fonte)

Todas as pessoas com capacidade visual normal sabem que as folhas das plantas são verdes. Esta cor se deve ao fato de que a molécula da clorofila (pigmento responsável pela fotossíntese) absorve melhor os comprimentos de onda próximos do azul e vermelho, refletindo os comprimentos de onda na faixa do verde. Sim, porque vocês sabem, as imagens que nossos olhos captam derivam da luz refletida por um objeto. A luz absorvida é interpretada como um ponto escuro. O que nos leva a uma conclusão óbvia e a uma pergunta intrigante. A conclusão é que os buracos negros são assim chamados porque sua gravidade é tão intensa que não permite que sequer um mísero fóton possa escapar de lá. Sem luz, sem cor. A questão que se ergue é: uma folha azulada significa que a clorofila está absorvendo outros comprimentos de onda que não o da sua cor de estimação? A resposta é sim. E por que ela faz isso? Que comprimentos de onda ela está absorvendo? Tem certeza que não é mesmo um portal para Pandora? Estou louco para voar em uma Banshee. Calma, calma, uma pergunta de cada vez.

Estas plantas com folhas azuladas são ervas que crescem no solo de florestas muito densas, onde a incidência de luz nas camadas rentes ao solo é muito baixa. Em um trabalho publicado na Nature Plants, os pesquisadores descobriram que o azul que se enxerga na superfície das folhas de Begonia pavonina é resultado da iridescência da luz ao bater em uma estrutura cristalina de cloroplastos da epiderme foliar desta espécie de begônia.

Em uma folha “normal”, os cloroplastos não estão arranjados em forma de cristal, eles estão dispersos nas folhas, especialmente nos tecidos do “meio” delas (mesofilo). Esta mudança na disposição dos cloroplastos faz com que as plantas consigam fazer fotossíntese mesmo que maciçamente sombreadas por plantas maiores, pois isso possibilita a absorção da luz verde disponível e não aproveitada por outras plantas e porque aumenta a captura de fótons em 5 – 10% em condições de luminosidade muito baixas. Como diria um famoso cientista há mais de vinte anos: “A natureza sempre encontra um jeito”.

Sim, amiguinhos, ela encontra (fonte)

Sim, amiguinhos, ela encontra (fonte)

E antes que alguém fale “com tanta criança morrendo de fome no mundo, por que estudar o mecanismo que torna algumas folhas azuis e não verdes? Deixa isso para os Na’vi”, eu me adianto e falo: estudos visando o melhoramento na captura de luz em baixas condições de luminosidade são essenciais para viabilizar o uso de energia solar em várias partes do mundo. Os abnegados cientistas, que tal qual o seringueiro que precisa ouvir sempre aquela velha piada sobre seu ofício, não estão preocupados se seus estudos podem ou não servir para alguma coisa no futuro. Eles querem entender como o mundo funciona e contar o que descobriram. Outros cientistas ao lerem seus trabalhos podem achar ou não alguma utilidade para eles. Daqui um tempo, pode ser que nosso amigo Papa-Capim não tenha mais que caçar seu almoço todo dia para ter sempre carne fresca. Ele pode muito bem comprar uma dessas e ligar em um painel solar iridescente e viável no meio da floresta. Uma criança a menos no mundo passando fome graças a um grupo de carinhas que teve a ousadia de perguntar: “por que esta folha é azul e não verde?” e não se contentou com a resposta padrão tsoukalika: “Aliens”.

Obviamente, foram eles (fonte)

Obviamente, foram eles (fonte)