De acordo com editorial da Nature, a epidemia de Zika vírus pode não ser a única responsável pelos números alarmantes de bebês com microcefalia que nasceram no Brasil nos últimos meses. Em matéria assinada por Declan Butler, o periódico relata que pesquisadores ligados ao Ministério da Saúde estão unindo esforços com Oliver Brady (epidemiologista da London School of Hygiene & Tropical Medicine) e Simon Hay (diretor de ciência geospacial do Institute for Health Metrics and Evaluation de Seattle) para tentar desvendar porque o número de bebês com microcefalia alcançou taxas tão elevadas somente na região Nordeste no Brasil, apesar do número de pessoas infectadas ser bem distribuído no país inteiro. A grande pergunta é que outros fatores ambientais, sócio-econômicos ou biológicos podem estar atuando em conjunto com o Zika vírus para desencadear a microcefalia. Sabendo-se disso, pode-se atuar de maneira mais efetiva para reduzir o sofrimento indescritível que está acometendo um grande número de famílias nos estados do nordeste brasileiro.
Dentre as hipóteses levantadas e em fase de teste inicial ou re-análise, está o fato de que a maioria das mulheres que deram à luz crianças com microcefalia é jovem, solteira, pobre e vivendo ou em cidades pequenas ou nas periferias das grandes cidades. Ou seja, talvez o problema seja a velha mazela brasileira da falta de acesso a um acompanhamento pré-natal decente. Outra hipótese aventada é a de que haja uma interação entre Zika e outros vírus, com dengue e chikungunya. Em um artigo publicado recentemente, alguns pesquisadores notaram que há uma correlação entre baixas taxas de imunização contra febre amarela e prevalência de microcefalia. A explicação possível para esta correlação é que ambos os vírus são da mesma família viral, e que assim uma vacinação contra febre amarela poderia conferir alguma proteção extra contra o Zika.
Uma terceira hipótese foi levantada pela Drª Adriana Melo, nada menos do que a primeira médica a estabelecer um link forte entre microcefalia e Zika. Ela e um grupo de pesquisadores da UFRJ encontraram amostras de proteína do vírus da diarréia viral bovina (BVDV em inglês) no tecido cerebral de três fetos com microcefalia. Este vírus é bastante conhecido no meio veterinário por causar defeitos congênitos em bezerros, mas nunca se soube que infectasse humanos. Os pesquisadores sugerem que a presença do Zika pode facilitar uma infecção pelo BVDV. Tudo seria lindo se os mesmos cientistas não sugerissem também que os achados podem ser originados de amostras contaminadas.
Na verdade até agora não há nada de concreto exceto uma boa vontade fora do comum para tentar achar as causas desta tragédia humana sem precedentes. Ainda mais vindo de um país que historicamente odeia ciência e mais historicamente ainda se importa muito pouco com pessoas pobres vindas de regiões vistas somente como fontes de votos a cada quatro anos. Só nos resta torcer para que esta empreitada seja proveitosa e que em um futuro próximo mulheres em idade fértil com o lindo sonho de serem mães não precisem mais ouvir de autoridades ligadas à saúde no Brasil que não engravidar é uma das melhores formas de prevenção dos efeitos do Zika.