A ciência é elegante, precisa e bela, o que dá a muitos de seus praticantes um ar de realeza. Muitos se tornam gigantes e sua fama ecoa pela eternidade. Cientistas, então, são muitas vezes tidos como seres arrogantes, possuidores de um conhecimento inalcançável. Assim nascem os estereótipos que aparecem pelo cinema, livros, televisão e quaisquer outros meios de comunicação. Os cientistas, conhecidos por seus intelectos, acabam sendo popularizados com a imagem de gênios loucos.

Como se imaginam cientistas no laboratório.

A verdade é que somos uma comunidade como todas as outras, certamente não tão diversa, por questões socioculturais (há desigualdades sociais também na ciência como em todo lugar), mas certamente não há muito de excepcional na população. É fato que gênios existem (bem como os loucos). O que não quer dizer que seu surgimento esteja restrito à comunidade, por que no fim das contas, cientistas não são uma sociedade secreta com rituais misteriosos, nem alguém que sentado debaixo de uma árvore medita até atingir a completa iluminação, mas sim qualquer pessoa que utilize o método científico para gerar conhecimento e divulgá-lo para receber críticas e aprimorar seus métodos.

Apesar disso, fazer ciência ainda parece uma profissão destinada a um seleto grupo de intelectuais, dentro da chamada Academia. Mas isso nada tem a ver com restrição de pessoas, mas sim com limitação de recurso. Investimento para a pesquisa é limitado e, geralmente, governamental, daí se faz necessário um processo seletivo para que o candidato mais preparado possa então assumir aquela vaga. Por isso, países com mais recursos tem uma maior quantidade de pesquisadores (já que podem oferecer mais vagas) e mesmo aqueles que não anseiam por uma carreira científica podem alcançar um elevado patamar na formação acadêmica. Mas mesmo que houvessem recursos suficientes será que todos iriam querer se tornar cientistas?

Não é uma pergunta fácil de responder (ou seja, nada simples de transformá-la em uma hipótese testável). Mas o fato é que hoje em dia a formação de novos pesquisadores impõe um crivo e para além desse crivo há uma série de dilemas: o que muitos chamam de “voto de pobreza”, quando pessoas altamente prodigiosas (que passaram pelo rigoroso crivo) aceitam receber um pagamento (geralmente bolsa de estudos) com valor muito inferior do que seus colegas atuantes da profissão; a síndrome do impostor, quando se de repente alguém surgisse para revelar que todo o seu trabalho e você são uma farsa; o receio de ver chegar ao fim da formação acadêmica e não conseguir um emprego que o permita praticar a ciência que aprendeu; o medo de viver no limbo dos pós-doutorados; a necessidade de, por diversas vezes, sacrificar a vida social e finais de semana para dar conta de enviar um relatório, artigo ou projeto dentro de uma data limite. Enfim, muitos são as dificuldades a serem enfrentadas mesmo para aqueles que conseguem adentrar na academia. Mas se tantos são os desafios, como as pessoas ainda insistem nessa carreira?

A resposta é simples (ou seja, já foi testada muitas vezes, uma vez que tantos já passaram por isso): pela jornada, pelo desafio e pela diversão. Sacrifícios e incertezas são comuns em todas as carreiras, mas na ciência o desafio é sem par, a pesquisa se dá sobre o jamais visto, o nunca tentado, o não pensado, sobre o limiar do conhecimento teórico ou tecnológico. O desejo de superar esses desafios e chegar a conhecer algo que ninguém antes havia conseguido (o enxergar mais longe, acender aquela vela no escuro) movem milhares de pessoas a continuar seus experimentos, seus cálculos, seus projetos, seus artigos científicos, prosseguir com suas carreiras. Enfrentar o mar do desconhecido, do incerto traz ânimo para esses milhares de mentes e cada passo adiante é celebrado, cada novo resultado alegra, cada hipótese testada diverte.

Não que eu queira reduzir a carreira científica à dicotomia do “ame-a ou deixe-a”. A situação de quem faz pesquisa científica, principalmente no Brasil, é grave. Quem dera os cientistas tivessem que lidar apenas com os desafios de sua área e não com a falta de infraestrutura, salários baixos, pouca verba que ainda tem o risco de ser cortada, reduzida ou mesmo atrasada, comprometendo toda a estrutura. Mas se tem uma coisa que leva os cientistas além é a vontade de superar desafios e enfrentar o desconhecido. Por isso, se você é ou quer ser um cientista, se esse caminho lhe encanta, se os desafios lhe instigam, siga em frente, pois dificilmente encontrará outra carreira que tenha tantos. Agora não diga que não lhe avisei.

Referências:

Rubem, A. Yes, you’re a great scientist; now, shut up about it. Disponível em: http://www.sciencemag.org/careers/2016/02/yes-youre-great-scientist-now-shut-about-it

On Being a Scientisti: a guide to responsible conduct in research. Disponível em: http://www.nap.edu/read/12192/chapter/1#v