O que fazer quando você descobre que um texto foi produzido com base em uma informação que foi “desmentida”?
Meu último post foi motivado por uma notícia que rodava a internet na semana anterior a sua publicação. Quando estava finalizando os detalhes para a publicação, tive que acessar novamente a notícia. Eis aqui minha surpresa quando me deparei com a seguinte nota (livremente traduzida da notícia):
UPDATE, 11 de julho de 2017: Muitas réplicas ao estudo divulgado originalmente em artigo de 2014 foram publicadas. Veja esse link para detalhes: Revisão: Os furacões com nome feminino provavelmente não são mais mortíferos do que os furacões masculinos.
O título desta história, portanto, foi atualizado de:
“Furacões com nome feminino matam mais do que furacões masculinos porque as pessoas não os respeitam, estudo descobre”
para:
“Os furacões com nome feminino provavelmente NÃO matam mais pessoas do que furacões masculinos”
E isso também foi percebido pelos leitores do Deviante:
E eu só queria:
Para resumir, outros cientistas refutaram os resultados da pesquisa com análises e críticas como: (a) os resultados se inverteriam apenas se os danos causados pelo furacão Sandy fossem removidos, (b) as conclusões obtidas são baseadas em uma apresentação enviesada; (c) os resultados possuem uma robustez questionável e (d) a estatística seria inválida, especialmente pela inclusão de dados de anos em que todos os furacões possuíam nomes femininos.
Como o objetivo do outro post não era discutir a notícia em si, não fazia sentido retirá-lo do ar. Mas gerou a necessidade de discutir outro assunto: confirmação/refutação de pesquisas científicas pela comunidade acadêmica.
Primeiro, é preciso entender como uma pesquisa científica é produzida. Diferente de uma pesquisa como as que fazemos quando queremos saber um pouco mais sobre determinado assunto, uma pesquisa científica é uma atividade que aplicará os métodos e pressupostos científicos para encontrar respostas a uma indagação. O método científico tenta minimizar a influência do pesquisador sobre a pesquisa científica, oferecendo uma abordagem padronizada para a condução das mesmas, e pode ser resumido da seguinte forma: uma observação sobre a realidade desperta a curiosidade do pesquisador, gerando um questionamento. Esse questionamento é investigado para identificar se outra pesquisa já identificou uma solução para o mesmo ou se ainda é um tópico em aberto. Caso identifique evidências que indiquem a necessidade de um estudo aprofundado sobre esse questionamento, um problema de pesquisa é definido e possíveis respostas para ele são formuladas (hipóteses). Essas hipóteses precisam ser avaliadas através de experimentos adequadamente planejados (definição de objetivos, variáveis observadas, procedimentos adotados, dados a serem analisados, métricas utilizadas etc.) de forma que a análise dos resultados permita chegar a conclusões acerca da aceitação ou refutação da hipótese formulada. Para ambos os casos, os resultados devem ser divulgados de forma que novos questionamentos ou hipóteses sejam formulados.
Apesar das fases bem definidas, as pesquisas desenvolvidas seguindo o método científico não estão livres de falhas. Sejam aquelas inconscientemente cometidas, devido ao entendimento incorreto do problema, fontes equivocadas, falta de tempo para conclusão da pesquisa, falha na coleta/análise dos dados etc.; quanto as deliberadamente inseridas, através de plágios, ocultação de dados, enviesamento da pesquisa para resultados positivos, pressão para publicação e etc. Essas falhas geram discussões sobre fraudes nas pesquisas científicas e um crescente aumento no número de retratações de artigos científicos (aquele nome bonito para falar que determinado artigo foi “despublicado” por problemas éticos ou erros) que demanda uma longa jornada para ocorrer.
O próprio método científico assume a necessidade de realização de novas pesquisas a partir daquelas já realizadas, seja para complementar ou refutar os resultados. Porém, nem sempre a reprodutibilidade de pesquisas é trivial de ser realizada, inclusive com cientistas pesquisando se existe uma crise nessa atividade, além de muitas vezes o interesse de revisão acabar caindo sobre pesquisas envolvendo assuntos polêmicos como aquecimento global ou homeopatia.
Falando de assuntos polêmicos, veja esse exemplo da relação (incorreta) entre vacinação e autismo (assista a partir de 2min39s):
Foi preciso uma investigação para retratar o artigo do qual essa conclusão foi gerada, além da realização de (alguns) novos estudos (aqui e aqui) sobre o tema para confirmarem que as hipóteses formuladas originalmente não tinham fundamento científico. E até hoje tem gente acreditando que a vacinação causa autismo, ignorando os riscos que a não vacinação de fato possui… Ou seja, um belo exemplo de aplicação da lei de Brandolini e mostrando o quão difícil é fazer com que as retratações sejam divulgadas/aceitas fora da comunidade científica!
Essa constante crítica às informações que nos são apresentadas não é algo que deva ficar limitado à comunidade acadêmica. Com a grande quantidade de artigos produzidos e publicados diariamente, várias iniciativas de fact checking estão ocorrendo a nível nacional e internacional para auxiliar as pessoas a separarem o que é realidade de ficção. Que atire o primeiro link quem nunca compartilhou uma notícia que todos os amigos estavam comentando (e se irritando sobre o conteúdo) e depois descobriu que não passava de uma mentira? O grupo da minha família ainda manda mensagens dizendo que é preciso comunicar toda a lista de contatos para se tornar um usuário ativo ou a conta será excluída em 48h… E novamente damos trabalho para alguém desmentir a história!
Para evitar a disseminação das fake news, sites como Snopes, FactCheck.org, Agência Lupa, Truco, Hoax-Slayer e e-Farsas se empenham em analisar detalhadamente as notícias que circulam na internet/mídia para corroborar ou desmentir seus conteúdos. Essa necessidade de verificação da informação também está fazendo com que grandes empresas como Google e Facebook forneçam ferramentas que ajudem seus usuários a identificar quando determinada notícia está sob investigação, evitando assim o compartilhamento de informações nem sempre acuradas e disseminação da desinformação.
Assista a esse trecho do Greg News e veja alguns exemplos de fact checking (e releve as piadinhas):
E para finalizar, vocês devem estar se perguntando: Qual resposta ela vai dar à pergunta feita lá no início do texto? Bem, para mim, a resposta foi escrever outro texto assumindo as limitações do primeiro post e discutindo o assunto. Nada melhor do que seguir o exemplo da Ciência, que está mais preocupada em novas descobertas do que estar sempre certa.
Bônus: O Nerdologia tem outro ótimo vídeo explicando a “fé” que um cientista precisa ter, seja no conhecimento existente sobre determinado assunto, métodos utilizados nas pesquisas que geraram tal conhecimento, ética dos pesquisadores envolvidos etc. Também ressalta a necessidade constante de admitir a ignorância sobre os resultados para termos novos avanços científicos, mesmo que isso faça o pesquisador recuar alguns passos para seguir na direção certa.