Uma das teorias da conspiração mais famosas é a teoria da terra oca, esta hipótese é um conjunto de teorias desenvolvidas ao longo da história que propõem ser a Terra uma estrutura oca. O primeiro a propor esta ideia foi o astrônomo britânico Edmond Halley, que falava em um planeta formado por camadas concêntricas e espaçadas entre si. Esta proposição feita por Halley foi responsável por ser a base de muitas obras literárias, desde Júlio Verne até as hipóteses esotéricas das mais variadas possíveis. Entre as teorias filiadas a essa linha de pensamento, uma das mais conhecidas é a de Agartha, que seria um complexo de mais de 100 cidades subterrâneas onde vivem seres vivos que podem ter forma humanoide até forma reptiliana dependendo da vertente em que se acredita, com entradas para esse lado interno localizadas nos polos terrestres.
Como essa é uma teoria da conspiração bem famosa decidi elencar evidências que mostram o porque da ciência atual desconsiderar esta hipótese do mesmo modo que fizemos com a teoria da Terra plana que pode ser visto neste outro post aqui. (Revendo os comentários deste post antigo percebi que nem aqui estamos livres dos terraplanistas).
Acredito que o texto que mais se repete nos sites que defendem esta teoria da conspiração é o texto que pode ser lido neste link.
Resolvi escolher este texto como representante dos argumentos a favor da hipótese da terra oca por ser um dos únicos que tenta passar dados e números ao invés de usar argumentos puramente esotéricos. Separei os principais pontos citados no texto e os abordei de maneira individual, sendo que todos os trechos que estão em negrito e em itálico foram retirados diretamente do texto presente no site.
Gravidade
“A Terra possui um ‘Sol’ interno, três pontos onde a gravidade é zero e duas enormes aberturas nos pólos que interligam a superfície interna e externa.
A explicação para esses fenômenos é relativamente simples de se entender: o movimento de rotação do planeta arremessa a sua massa para longe do centro, da mesma forma que o giro de uma máquina de lavar arremessa as roupas para os lados deixando o seu centro oco.
Uma comparação melhor é a de um motociclista em um ‘globo da morte’: a rotação impede que ele caia mesmo quando está de cabeça para baixo. A única diferença é que no globo da morte o motociclista é quem está girando e não o globo.
Quando a Terra estava sendo formada, e os seus componentes estavam em estado líquido, os materiais mais pesados foram se concentrando no centro, enquanto que a rotação manteve os materiais mais leves distantes do mesmo. A medida em que o planeta foi se solidificando, criou-se um perfeito equilíbrio entre o movimento de rotação e a gravidade”.
Um argumento que vai de encontro a ideia de que qualquer planeta seja oco é de que objetos que possuem uma massa elevada tendem a se concentrar de maneira a formar objetos esféricos sólidos, pois a esfera solida é a melhor forma de minimizar a energia potencial gravitacional de uma dada estrutura, seguindo assim o padrão de minimização de energia adotado pela natureza. Possuir um vazio dentro do objeto acaba sendo menos eficiente no que diz respeito ao aspecto energético.
Além disso, um objeto de dimensões planetárias não seria capaz de manter uma estrutura oca contra a força da gravidade, uma casca do tamanho do planeta oco com a espessura conhecida observada da crosta da Terra, não seria capaz de atingir equilíbrio estático com a sua própria massa e entraria em colapso.
Os habitantes que viveriam dentro desta suposta Terra não sofreriam com a força da gravidade como a conhecemos na superfície, sendo que na prática seria difícil para um habitante intra-terreno se manter na superfície interna. Isto foi mostrado pela primeira vez por Newton, cujo teorema matemático prevê uma força gravitacional (da casca) zero em todos os lugares dentro de uma casca oca esfericamente simétrica, independentemente da espessura da casca. Estes habitantes estariam sujeitos a uma força gravitacional ínfima, que só existe devido ao nosso planeta não ser uma esfera perfeitamente simétrica. A força centrífuga da rotação da Terra puxaria uma pessoa (na superfície interna) para fora se a pessoa estiver viajando na mesma velocidade que o interior da Terra e em contato com o solo no interior, mas mesmo a força máxima centrífuga no equador é somente 1/300 da gravidade normal da Terra para a velocidade de rotação do planeta.
Sol interno
“O nome pode não ser apropriado do ponto de vista astronômico, mas é bastante apropriado do ponto de vista funcional, já que ele sustenta todo o ecossistema interno fornecendo luz e calor. E como ‘os mundos’ internos e externos estão ligados, ele também desempenha um papel fundamental no equilíbrio do ecossistema de todo o planeta. Estima-se que ele possua 1/3 da massa total do planeta. é formado pelos materiais mais pesados e é extremamente denso, já que a força de expulsão provocada pela rotação é praticamente desprezível se comparada com a sua enorme “atração” gravitacional. O Sol interno é tão denso que apenas a sua superfície é líquida, todo o resto é sólido, apesar das enormes temperaturas em seu interior”.
Aparentemente a existência de um Sol interno não iria prejudicar a existência de vida no interior do planeta, certo? Isto é, desde que este gere uma temperatura próxima a temperatura ambiente da superfície nós poderíamos sustentar formas de vida semelhantes tanto no interior como na superfície do planeta, não é mesmo? A resposta curta para esta pergunta é não. Existe um fator muito importante no desenvolvimento de plantas e animais denominados fotoperiodismo. Definimos o fotoperíodo como a relação entre a duração dos dias (período iluminado) e das noites (período escuro). A resposta fisiológica a essa relação é chamada fotoperiodismo. Ao contrário do que muitas pessoas pensam nem todas as plantas devem ser expostas a períodos prolongados de luz, inclusive, existem muitas plantas que necessitam de grandes períodos de ausência de luz para florescer (plantas de dia curto) e que não florescem quando expostas a um ambiente em que a ausência de luz simplesmente não existe. Podemos citar o café como exemplo de planta de dia curto, sendo que a sua ausência no mundo interior deve fazer com que os habitantes do mundo interno sejam extremamente improdutivos (como se já não bastasse a incrível insônia causada pela ausência de noite).
Pensando que muitas plantas não iriam florescer teríamos um menor número de plantas neste mundo oco, o que iria fazer com que a competição por alimento por parte dos animais aumentasse consideravelmente já que as plantas estão na base da cadeia alimentar. Além disso a exposição contínua de luz também afeta a reprodução e a formação de vitamina D nos animais, além de que a exposição contínua de radiação ultravioleta a que esses animais estariam expostos faria com que a venda de protetores solares disparasse.
Também podemos notar que o site diz que este Sol interno possui um terço da massa total do planeta, porém se considerarmos a massa da Terra (5,9742 . 10^24 kg) e se utilizarmos o raio desse Sol fornecido pela imagem que está no próprio site (1250 km) podemos calcular a densidade desta fonte de calor interna, com o intuito de descobrir que materiais densos seriam esses que compõem esta fonte de calor que iremos supor que possui formato esférico. Após realizar os devidos cálculos chegamos a conclusão de que o material que compõe este Sol precisa ser cerca de 10748 vezes mais denso que o elemento mais denso conhecido na Terra, que no caso seria o Irírdio. Caso isto fosse verdade acredito que seria uma injustiça chamar um planeta com esta configuração de oco, já que o material mais denso conhecido pelo homem estaria abrigado em seu interior.
Criaturas mais evoluídas vivendo no interior do planeta
“Estágio evolucionário mais avançado na superfície interna – isso se deve, além de outras razões, ao fato do intra-mundo estar mais protegido contra eventos cataclísmicos (como a queda de um grande meteoro por exemplo) do que o mundo externo. Estando mais protegido, o ecossistema interno evoluiu um pouco mais lentamente, porém, de forma contínua. É o popular devagar e sempre. Quando a superfície externa estava passando por um dos muitos eventos que provocavam grande extinções, parte do seu ecossistema migrava para a superfície interna e era forçado a se adaptar para sobreviver (essa migração era muito mais fácil antes do congelamento dos pólos, época em que havia uma maior integração entre as superfícies). No final das contas, o intra-mundo sempre ficava com o melhor das duas superfícies e, após a cessação desses grandes eventos, ajudava a repovoar a nossa superfície. Isso contribuiu ainda mais para aumentar a diferença entre os dois mundos”.
A questão de estar mais protegido é extremamente relativa já que a extinção em massa dos dinossauros possibilitou que os mamíferos se desenvolvessem e povoassem o nosso planeta, parafraseando a minha avó: “Há males que vem para bem”. A questão de que os seres da superfície migravam para o interior do planeta, e que desta forma eram “forçados a se adaptar” é muito errada pois parte do pressuposto que os seres se adaptam ao meio (ideia defendida por Lamarck) e não que o ambiente seleciona os mais aptos (ideia defendida por Darwin), ou seja, para que esta migração fosse plausível teriam que existir animais com mutações prévias que favorecessem a sobrevivência no interior do planeta, para que desta forma fossem selecionados pelo meio ambiente.
Como a luminosidade e a temperatura parecem ser uniformes no interior desta suposta Terra não teríamos uma grande diversidade de seres vivos, já que este meio ambiente uniforme iria selecionar organismos com características muito parecidas, desta forma os animais que vivessem no interior deste planeta estariam muito mais suscetíveis a uma grande extinção pelo fato de não possuírem quase nenhuma variabilidade genética. Em outras palavras, uma praga que fosse capaz de exterminar algum tipo de animal do subterrâneo seria capaz de exterminar quase todo o ecossistema existente.
Defendendo o modelo atual
“Por que os Icebergs são feitos de água fresca quando, de acordo com a versão convencional, a única água disponível nos pólos é salgada? De onde vem toda a vegetação que é encontrada dentro desses Icebergs? Por que exploradores que se aventuraram além dos pólos magnéticos descobriram que o clima fica mais quente e que os mares ficam livres de gelo? Por que alguns pássaros e animais da região polar, como o boi almiscarado, migram para o Norte no inverno? A teoria científica convencional não pode responder à essas perguntas, mas a teoria da Terra oca pode. Existem rios de água fresca que fluem pra fora do intra-mundo e essa água morna carregando vegetação e pólen congela, formando os Icebergs de água fresca em uma área onde aparentemente só existe água salgada”.
Este argumento dos icebergs vem da ideia errada de que as geleiras são formadas a partir de água do mar congelada. Os icebergs são blocos de gelo que se desprendem da terra, e são formados após a água doce se condensar e congelar. Após este congelamento ocorre a precipitação em forma de neve, que é a responsável pela formação dos icebergs. Dessa forma pode acontecer que parte da vegetação, proveniente da terra firme de onde o iceberg se soltou, fique presa dentro do mesmo.
Não existe qualquer tipo de evidência que a temperatura aumente ao se aproximar dos pólos, e para finalizar, os bois almiscarados migram para o sul, e quando não o fazem decidem por buscar altitudes maiores para evitar a neve profunda que se concentra em regiões mais baixas. Como quase toda boa teoria da conspiração, ela é baseada quase toda em relatos ou em informações equivocadas.
Estes posts sobre pseudociência não têm a intenção direta de ridicularizar as pessoas que conferem crédito para as hipóteses aqui citadas, porém é dever de qualquer pessoa que preza pela ciência divulgar as informações corretas acerca dos fatos. O objetivo deste post é mostrar que a única coisa oca nessa teoria é a própria teoria em si, que é totalmente oca de argumentos ou de quaisquer evidências que sejam algo mais do que simples relatos. Recomendo que quem gosta do assunto leia o excelente livro “viagem ao centro da Terra” de Júlio Verne, mas lembrem-se de deixar esta ideia apenas no mundo da ficção…
Referências: