Todos sabem que não adianta alargar vias para aliviar o trânsito. Afinal, São Paulo despendeu grandes quantidades de recursos para alargar as marginais em 2010 e, seis anos depois, o congestionamento na cidade cresceu 22% e 80% apenas na marginal. Portanto, construir as marginais foi de zero utilidade. Bem, apesar de o dado ser indiscutível – e eu concordar com o pensamento em linhas gerais -, a realidade não é tão simples assim.

Essa discussão é relevante por uma série de fatores no mundo atual. Congestionamento significa mais tempo no trânsito e mais tempo no trânsito consome mais combustível. Se o carro consome gasolina, estamos mais dependentes no petróleo. Além disso, o maior consumo de combustível leva a mais emissões de poluentes, principalmente o famoso CO2. Sem dúvida, devemos buscar alternativas mais eficientes no setor de transportes.

A alternativa mais comum para esse problema é construir mais vias, como feito nas marginais. Parece lógico: o congestionamento surge quando a demanda (número de pessoas utilizando as vias) é superior à capacidade das vias, portanto, podemos construir vias até o ponto em que a capacidade contrabalanceie a demanda, reduzindo significativamente os congestionamentos.

Sem dúvida, quando construímos mais vias, os tempos de viagem para a mesma demanda é significativamente menor. No entanto, há uma enorme quantidade de pessoas que gostariam de usar as vias, mas não o fazem devido ao tempo de viagem ser proibitivo. Com as novas obras, três coisas concomitantes acontecem: (i) mais pessoas vão decidir sair de casa; (ii) pessoas que evitam o pico vão voltar a “enfrentar” os horários de pico já que o tempo de viagem é menor; e (iii) pessoas podem trocar seus trajetos e incluir os locais em que a infraestrutura foi ampliada para diminuir o tempo de viagem.  Este efeito é comumente chamado de demanda induzida: sempre que a oferta de um determinado produto cresce, o resultado é uma pequena redução no seu preço e um aumento de unidades consumidas daquele produto. No caso do tráfego, os efeitos são similares. O “custo” da nossa viagem é uma combinação de tempo e custo monetário, se reduzirmos o tempo de viagem, portanto, mais pessoas vão sair de suas casas.

As evidências são claras de que o aumento na infraestrutura leva ao aumento na demanda de tráfego. Um estudo observou o impacto de quilômetros de rodovias construídos no número total de quilômetros viajados em diferentes cidades americanas. O resultado vai em linha com diversos estudos recentes: aumentando em 10% o número de quilômetros de rodovias leva a um aumento quase na mesma proporção dos quilômetros viajados. Se isso é verdade, o efeito de mover pessoas do veículo individual seria quase imperceptível, já que a possível redução do número de carros seria compensado pela demanda induzida. O mesmo estudo observou exatamente isso: a oferta de transporte público tem pouco impacto no uso de veículos individuais, ao menos nos Estados Unidos.

Isto é necessariamente ruim? Aqui é que temos que ser cuidadosos. Indivíduos decidem viajar porque as atividades que farão no destino excede a dor de cabeça de enfrentar o trânsito congestionado até o destino. Quando falamos nesses termos podem surgir duas narrativas: a do senhor rico que pode morar mais longe do trabalho e comprar vinho num local mais conveniente para ele – vantagens que talvez outros indivíduos não enxergariam; mas também tem a jovem de 22 anos que, com melhor infraestrutura, consegue ir para faculdade após o horário de trabalho. Em outras palavras, pelo menos neste segundo caso, houve ganho de utilidade (para o indivíduo e para a sociedade) e há motivos para apoiar estas medidas por mais que os ganhos sejam “comidos” pela demanda induzida. O grande problema é que é muito difícil medir o ganho de utilidade nesses casos.

Não sabemos quantos jovens podem ir a faculdade por causa disso ou quantas pessoas decidiram morar em locais afastados. Talvez a falta deste tipo de informação seja o maior problema pois não conseguimos medir a real efetividade destas medidas. Claro, devemos nos perguntar também se podemos resolver este problema de maneira mais criativa, mas isto é uma outra discussão :)

 

Referências

Exame sobre congestionamento em São Paulo

Wikipedia Demanda induzida

Estudo sobre demanda induzida com dados dos Estados Unidos