Em épocas de notícias alarmantes e muitas vezes sensacionalistas (ou não?) sobre zika vírus, febre chikungunya e a já conhecidíssima dengue, um pequeno ser tem se destacado como estrela principal. É pequeno, barulhento e por onde passa sua presença se torna simplesmente impossível de ignorar. Tipo uma sub-celebridade querendo reaver seus 15 minutos de fama.
Qualquer um que já tenha acampado, pescado ou simplesmente esquecido a janela aberta antes de dormir em ambientes tropicais ou em estações quentes do ano sabe de quem estou falando. Sim, ele, o famigerado mosquito. E, garanto para vocês, que nem o mais radical dos ambientalistas escapa de já ter pensado, mesmo que secretamente: “Porra! Mas para que servem mesmo esses malditos insetos?!”
Pois é, a resposta mais sucinta possível a esta questão é: não servem pra nada! E isso basta. É mesmo? Então, quer dizer que eles poderiam sumir do mapa que ninguém sentiria falta? Partindo deste pressuposto, por que, então, envidar esforços para conservar a biodiversidade? Vamos com calma aí! Em primeiro lugar, as perguntas a serem feitas neste caso, na verdade, são outras. Deveríamos perguntar: por que os organismos deveriam servir para alguma coisa? Ou para alguém? E na mesma toada: o ser humano serve para quê, afinal?
Vamos por partes: a Bíblia diz em seu primeiro capítulo, no livro do Gênesis, que Deus criou o ser humano (cerumano?) sua imagem e semelhança para que domine a Terra e todas as coisas que nela vivam. E depois descansou. O ser humano foi criado por último para ter alguém que desfrutasse das belezas e delícias criadas por Ele anteriormente. Por um lado, o Livro Sagrado tem razão: o Homo sapiens, realmente, é um dos seres mais recentes sobre a superfície do planeta. Sua evolução é uma gota no Oceano do tempo geológico. Mas, daí a ter poder sobre as outras criaturas e se sentir dono delas, lá se vão cinco Saaras de distância. Lembram do mosquito? Essa idéia de que os mosquitos ou qualquer outro ser vivo deve servir para alguma coisa (para os humanos, claro) advém dessas ideias bíblicas e de nossa formação desde a infância. Quem nunca escreveu em um trabalho escolar que as abelhas servem para fazer mel para o ser humano consumir? Ou que o milho serve para comer e que as cobras não servem pra nada e que devem ser exterminadas por que têm má índole? Pois é, e isso continua sendo ensinado. Mas, por que, mesmo depois de adultos, ainda nos fazemos estas perguntas, ou o que é pior, alguns cientistas ainda apresentem esse tipo de pensamento?
Isso está ligado a nossa idéia de evolução, especialmente a nossa idéia distorcida de evolução. Charles Darwin advogou, no seu mais famoso e pouquíssimo lido livro A Origem das Espécies, que a mudança dos organismos através dos tempos se dá sempre com o intuito de driblar as adversidades do meio e deixar o maior número de descendentes férteis. E que isso ocorre por seleção, dentre os indivíduos de uma população, daqueles que apresentam as variações mais apropriadas para aquele tipo de situação. Nem sempre as variações de agora eram as mais vantajosas anteriormente. Isso acontece a toda hora, numa dinâmica eterna. Assim extinguem-se espécies e surgem outras. O mais importante e ponto fundamental dessa conversa toda: não existe um juízo de valor. As espécies não habitam o planeta nem surgiram de uma hora pra outra porque desempenham uma função e também não existem espécies mais importantes do que outras. Elas simplesmente existem e pronto. Então, para que serve o mosquito?
A resposta mais uma vez é: para absolutamente nada! Para ele, simplesmente. Assim como nós, seres humanos, não servimos para nada mais do que para nos afundarmos na nossa própria vaidade e arrogância de que somos o ápice da evolução. Será? A gripe espanhola no começo do século XX, o HIV na transição dos séculos XX para XXI e agora, pelo jeito, as “novas” epidemias virais que citei nas primeiras linhas destruíram e ainda destroem qualquer vaidade e qualquer sentimento de superioridade. Um organismo que é praticamente material genético enrolado em uma capa protéica, menos complexo até que nosso próprio núcleo celular, é capaz de dizimar populações inteiras em poucos meses. Se existir um livro sagrado no mundo dos vírus, certamente lá estará escrito: Para quê servem os humanos? Servimos simplesmente para disseminá-los.