Este texto poderia ser uma resenha sobre o livro ‘Dragões do Éden’ de Carl Sagan.
Mas não é. Ou é quase.
O livro Dragões do Éden tem como subtítulo “Especulações sobre a evolução da inteligência humana” e nele é falado principalmente sobre a evolução do cérebro humano, passando por diferentes pontos envolvidos, indo desde psicologia até os computadores. Sagan escreve de forma didática, utilizando inclusive analogias vindas de certas crenças religiosas. Após falar sobre linguagem e a relação entre os répteis e os primatas, é relatado o fato da tentação na bíblia ter sido representada por um réptil no Éden como o único exemplo em que o homem compreende a linguagem dos animais.
“Quando tememos os dragões, estaríamos temendo uma parte de nós mesmos? De uma forma ou de outra, havia dragões no Éden.”
Apesar do autor apresentar certos pontos que ainda hoje são questões de debate – como a descriminalização do aborto, por exemplo, pelo livro ser de 1977 -, em questão da ciência por si só, o livro é totalmente datado. Não irei discutir aqui sobre a parte que dá o subtítulo do livro e é por isso que este texto não é puramente uma resenha.
Em certos momentos do livro, Sagan fala sobre os dinossauros e aí estamos chegando sobre o que se trata este texto.
“Se todos os dinossauros não tivessem sido extintos misteriosamente há uns 65 milhões de anos, teria o Saurornithoides continuado a evoluir para formas cada vez mais inteligentes? Teriam eles aprendido a caçar grandes mamíferos em grupo e, portanto, talvez, evitado a grande proliferação de mamíferos que se seguiu ao final da Era Mesozóica? Se não tivesse ocorrido a extinção dos dinossauros, seriam hoje as formas de vida dominadoras na Terra os descendentes dos Saurornithoides, escrevendo e lendo livros, especulando sobre o que teria acontecido se os mamíferos tivessem prevalecido? Pensariam as formas dominantes que a aritmética de base 8 era bastante natural e que a base 10 um ‘fricote’ ensinado apenas na ‘Matemática Moderna’?”
Destaque para a extinção misteriosa dos dinossauros. Sim! Em 1977 ainda não se tinha ideia do motivo. No livro é dito que, na época, existiam dúzias de hipóteses tentando explicar a extinção dos dinossauros, que aparentemente teria ocorrido rapidamente e de modo completo, tanto nas formas terrestres quanto aquáticas. Mas todas as propostas pareciam apenas parcialmente satisfatórias: “Variam da transformação climática radical até a predação pelos mamíferos, sem falar na suposta extinção de uma planta com aparentes propriedades laxativas, caso em que os dinossauros teriam morrido de prisão de ventre”.
Segundo Sagan, uma das hipóteses mais interessantes e promissoras da época é de que a os dinossauros teriam morrido em virtude de uma supernova, que teria liberado um fluxo de partículas energéticas em direção à Terra. Ao penetrar a atmosfera terrestre, estas partículas teriam alterado as propriedades atmosféricas, podendo inclusive ter destruído o ozônio atmosférico, deixando passar quantidades letais de radiação solar ultravioleta e, com isso, matado os animais de hábitos diurnos (os mamíferos da época seriam prioritariamente notívagos). Lembrando mais uma vez, tudo isso de acordo com o conhecimento que se tinha em 1977.
Aqui finalmente chegamos então sobre o que se trata o texto: 40 anos atrás nós ainda não tínhamos ideia de como os dinossauros haviam sido extintos! E, acredite, ainda hoje há dúvidas do real motivo.
Dentre as teorias mais aceitas atualmente está o fato da extinção ter ocorrido devido ao impacto de um meteorito na superfície da Terra. Essa causa extraterrestre foi publicada pela primeira vez em 1980, por um grupo de pesquisa composto por um físico, um geólogo e dois químicos, do Berkeley Lab (um tipo de Instituto de Pesquisas Tecnológicas, só que com muito mais investimento do que o nosso).
Estudando rochas sedimentares presentes nas profundezas de mares da Itália, Dinamarca e Nova Zelândia, o grupo fez a quantificação de irídio presente nestas. O irídio é um elemento considerado raro na superfície da Terra e quando observada a quantidade presente em rochas sedimentares é possível se determinar a quantidade do elemento em determinada época. Pois bem, nas rochas estudadas pelo grupo, foram encontradas de 20 a 160 vezes mais irídio nas frações correspondentes ao momento das extinções Cretáceo-Paleógeno, K-Pg, (65 milhões de anos atrás – quando os dinossauros foram extintos) em relação ao restante dos mesmos períodos (que juntos compreendem de ~145 milhões a ~23 milhões de anos atrás).
Segundo os autores, nenhuma das hipóteses da época da publicação explicariam este fato, nem mesmo a hipótese da supernova, uma vez que, pela quantidade de irídio presente nas rochas, a supernova teria que ter ocorrido a 0,1 ano-luz do nosso sol e a possibilidade de tal evento ter ocorrido nos últimos 100 milhões de anos é de 1 em 1 bilhão! Além disso, o grupo quantificou outros elementos que estariam presentes nas rochas sedimentares caso a supernova tivesse realmente acontecido. Porém, elementos mais pesados que apareceriam devido à explosão de uma estrela não foram encontrados. Ainda, uma supernova produziria irídio com taxa isotópica diferente daquela do sistema solar, porém a proporção entre os isótopos encontrados nas rochas sedimentares era muito semelhante à proporção encontrada no material do sistema solar.
Com isso, o grupo se fez a seguinte pergunta: que fonte extraterrestre dentro do sistema solar poderia fornecer o irídio observado e causar as extinções? Após considerar e rejeitar diversas hipóteses, eles perceberam que o impacto de um meteorito seria o cenário que explicaria a maioria, senão todas, as evidências biológicas e físicas da extinção encontradas até o momento.
Em resumo, a hipótese dos autores foi que um asteróide atingiu a Terra, formando uma cratera devido ao impacto. Com isso, parte da matéria teria sido ejetada da cratera, como uma poeira, alcançando a estratosfera e, enfim, sido espalhada por todo o planeta. Essa poeira teria evitado que a luz solar chegasse à superfície da Terra por alguns anos enquanto ela fosse se depositando de volta ao solo.
Com a perda da luz solar, os seres fotossintéticos foram os primeiros a morrerem, causando um colapso na maioria das cadeias alimentares e resultando na extinção de aproximadamente três em cada quatro espécies existentes na época. É ainda comentado que nenhum vertebrado terrestre com mais de 25 kg teria sobrevivido, sendo que os menores teriam sobrevivido se alimentando de insetos e vegetação morta (incluindo os ancestrais dos mamíferos). E assim, todas as espécies vivendo na Terra hoje têm alguma espécie sortuda que sobreviveu como ancestral.
Por cálculos feitos pelos autores, baseados tanto em características geológicas, quanto na movimentação da atmosfera, por exemplo, chegou-se à conclusão de que o diâmetro do asteróide seria entre 6 e 14 km, o que causaria a formação de uma cratera de 200 km de diâmetro. Na época da publicação, somente três crateras de 100 km de diâmetro ou mais eram conhecidas, sendo que todas eram de eras geológicas diferentes do período da extinção estudado.
Em 1991, finalmente terminaram as buscas, quando foi identificada uma cratera enterrada abaixo da superfície da Península de Yucátan no México e centrada na vila de Puerto Chicxulub. Tal cratera tem 180 km de diâmetro e apresenta sobre ela, pelo menos, 1 km de carbonatos identificados como do período Paleógeno.
Com isso, o impacto de um asteróide na superfície da Terra é uma das hipóteses mais aceitas pelos cientistas, seguida por uma possível atividade vulcânica intensa (a quantidade de irídio encontrada também é explicada aqui, já que diferentemente da superfície, o núcleo da Terra é rico neste elemento químico, sendo a fonte do magma expelido pelos vulcões). Ainda há quem diga que a extinção se deu por uma combinação das duas hipóteses, alguns indicando inclusive que a atividade vulcânica já existente teria sido intensificada devido ao impacto.
Com o avanço da ciência e da tecnologia, estudos mais completos são possíveis, nos mostrando novas evidências. Simulações recentes indicam que o período em que não houve nenhuma entrada de luz solar devido a poeira é de cerca de dois anos, afinal foram mais de 70 bilhões de toneladas de poeira… E, sim, foram dois anos de escuridão em todo o planeta! Com isso, a temperatura média global do planeta caiu para 16°C, levando a quase uma era do gelo em algumas regiões.
Somente seis anos após o impacto é que a entrada da luz solar voltou ao mesmo nível de antes da queda do meteorito. Um ponto curioso é que dois anos depois disso, a temperatura média já era maior que a anterior ao impacto, devido ao fato de que no impacto, carbono (cinzas de matéria orgânica queimada com o impacto, por exemplo) foi parar no ar, aumentando a formação de CO2 e CH4 na atmosfera, que agem como gases estufa.
Essa variação da temperatura também é um fator que alguns estudos indicam hoje que pode ter sido a causa da extinção de diversas espécies. Inclusive, um destes estudos é de 2017, no qual ainda foi sugerida uma nova hipótese para a extinção. Kunio Kaiho e Naga Oshima, pesquisadores da Universidade de Tokohu e do Instituto de Pesquisas Meteorológicas, respectivamente, no Japão, publicaram um artigo no qual eles indicam a importância do local onde ocorreu o impacto do meteorito. No estudo é mostrado um mapa global com a quantidade de matéria orgânica presente nas rochas sedimentares que seria ejetada, caso o meteorito tivesse atingido aquela região.
Considerando que para ocorrer a extinção da forma que ocorreu foi necessário que a diminuição de temperatura do ar na superfície da Terra tenha sido de pelo menos 8°C, estimou-se quanta matéria deveria ter sido ejetada para tal. E, prepare-se… Incrivelmente apenas 13% da área da superfície do planeta teria essa quantidade de matéria orgânica! Essas áreas são representadas pelo laranja (10-20 Tg/km²) e pelo roxo (> 20 Tg/km²) naquele mapa que mostrei antes. Yucátan está bem ali no laranjinha…
Além disso, a grande quantidade de enxofre na região de Yucátan piorou ainda mais a situação climática da época, devido aos gases tóxicos e densos liberados. Regiões ricas em matéria orgânica (dentro daqueles 13% da área) e enxofre são ainda mais raras… coisa de 1% da superfície do planeta.
Azar demais de todas as espécies que foram extintas, né?
Mas sorte a nossa.
Com essa extinção, vários predadores dos mamíferos desapareceram; então se os dinossauros ainda estivessem vivos, será que nós estaríamos?
Referências:
Sagan, C. Dragões do Éden: Especulações sobre a evolução da inteligência humana. Gradiva, 1977.
Alvarez, L. et al. Extraterrestrial Cause for the Cretaceous-Tertiary Extinction: experimental results and theoretical interpretation. Science, v. 208, n. 4448, 1980.
Hildebrand, A. et al. Chicxulub Crater: a possible Cretaceous/Tertiary boundary impact crater on the Yucátan Peninsula, Mexico. Geology, v. 19, 1991.
Kaiho, K.; Oshima, N. Site of asteroid impact changed the history of life on Earth: the low probability of mass extinction. Nature, Scientific Reports 7, 2017.
Berkeley scientists report first evidence that dinosaur extinction caused by meteorite impact.
Why did the dinosaurs die out?
Dinosaurs might not be extinct had the asteroid struck elsewhere.
Asteroid Day and Impact Craters.
Mammal diversity exploded immediately after dinosaur extinction.
Capa: The Good Dinosaur