Sabe aqueles dias que tem uma umidade nojenta no ar? A roupa não seca, você toma um banho e logo tem água escorrendo pelas paredes no banheiro todo? Então, era um desses dias. Não sei se vocês já passaram por essa situação, mas eu estava secando a louça e o pano estava meio úmido, mas mais seco que a louça. E então você esfrega o pano nos pratos e vai secando até que logo ele está úmido demais – ele agora seca os pratos tanto quanto molha eles. Você passa o pano nos pratos e parece que não faz a menor diferença. Daí você pega outro pano e pode acontecer que, antes de você terminar de secar todos os pratos, o seu pano novamente está úmido demais para continuar. E daí você descobre que tem várias toalhas e mesmo assim não consegue secar nada. Você chegou em um ponto em que a quantidade de água que a toalha passa para o prato é igual à quantidade de água que o prato passa para a toalha, e não tem mais nada útil que você consiga fazer. Quando todo mundo está “igualmente úmido” não é possível secar mais nada. Pois bem, e se agora eu dissesse que, ao ter dificuldades em secar a louça, você acabou de testemunhar um dos possíveis fins do universo? (você não viu esse salto de assuntos chegando do nada, eu sei!)

De certa forma a água é como energia, porque a quantidade total de água não está mudando, só passando de um lugar para o outro. Se você esperar tempo o bastante, conforme a energia das coisas dentro do universo é jogada de um lado pro outro, eventualmente a energia – como a água – vai estar distribuída por toda parte até estar tudo igualmente molhado, ou seja, até que não seja possível transferir a energia de um lugar para outro de nenhum jeito que faça diferença [1]. O universo estaria todo “igualmente úmido”. Sem poder transferir energia de um lado para o outro, não há como sustentar a vida (imagine as plantas sem poder extrair energia do sol, e por aí vai) e isso é conhecido como a morte térmica do universo. Assim como não adianta ter várias toalhas úmidas, não adianta ter bastante energia se ela não estiver “disponível”, se você não consegue transferir ela de um lado para o outro.

Energia que entrou pelo cano

Esta ideia de que há uma energia “disponível” para ser transferida – algo como “água que ainda podemos secar” – está diretamente relacionada com um dos conceitos mais incompreendidos de toda a física: a entropia. Nenhum sistema é perfeito e sempre existe uma parte da energia que não conseguimos aproveitar quando tentamos fazer algo de útil com ela – sempre existe um “desperdício” de energia. Se quiser manter a analogia, você pode se imaginar tentando beber água com as mãos e pensar em todas aquelas gotinhas de água pingando para fora no caminho. Entropia é, de certa forma, uma medida dessa energia “desperdiçada”. Você pode pensar que entropia é uma quantidade que tem a ver com a energia que entrou pia adentro e foi pelo ralo (hãn hãn, pegaram o trocadilho?). É como um esgoto gigante de toda a energia que desperdiçamos e que não poderemos recuperar, e esse esgoto vai enchendo e enchendo e nunca pode ser esvaziado. A cada coisa que acontece no universo a entropia vai aumentando e o esgoto vai enchendo.

Se você quiser embarcar ainda mais longe nessa viagem, saber que esse esgoto não esvazia é, no fundo, o que define o sentido do tempo. Imagine que existe um esgoto que você sabe que está enchendo, mas eu te mostro um vídeo em que ele está esvaziando: o único jeito disso acontecer é se o vídeo estiver “ao contrário”. O esgoto enchendo significa avançar no tempo, e o esgoto esvaziar só pode ser “voltar no tempo”, já que naturalmente ele não esvazia. O enchimento do esgoto é um processo que só acontece em um sentido (encher mais), e isso me permite diferenciar “avançar no tempo” e “voltar no tempo”. Isso, no fundo, é o conteúdo da segunda lei da termodinâmica, que em termos simples diz que a entropia do universo nunca pode diminuir, e que consequentemente eu nunca vou ter um motor que aproveita 100% da energia (já que sempre vai haver um pouco de energia indo pelo ralo).

Certa vez li que um dos problemas de professores é não saber a hora de parar. Acho que sofro desse mal, porque não consigo resistir a dar mais um passo adiante. O que acontece é que você pode agora pegar esse conceito começar a atribuir valores a isso. Calcular o quanto o esgoto encheu para este e aquele processo, e o bacana é que você acabou de ganhar uma ferramenta que permite dizer o que pode e o que não pode acontecer. Um ovo cair da sua mão e se quebrar, por exemplo, é uma coisa que faz o nível da entropia do universo subir (o “grande esgoto” encheu mais um pouco). O ovo se montar sozinho e voltar para a sua mão, então, seria exatamente o processo oposto e iria reduzir a entropia do universo — algo que não pode (e não vai) acontecer. Claro, você sempre pode pegar o ovo com as mãos e, eu presumo, tentar jogar o conteúdo do ovo de volta para dentro da casca e juntar os pedacinhos, mas a cada movimento da sua mão um pouquinho da energia do seu corpo estaria escapando pelo ralo e isso vai encher mais o esgoto do que o quanto você consegue esvaziar ele montando o ovo – é uma guerra que você não consegue vencer.

Embora a analogia ajude, você pode achar essa definição de entropia um pouco vaga. Ou talvez você já tenha ouvido que a entropia mede o “grau de desordem” das moléculas — entropia alta significa que as moléculas estão mais desorganizadas (seja lá o que isso significa) — e esteja se perguntando como isso se relaciona com essa interpretação. Existem literalmente dezenas de maneiras de entender entropia de um jeito mais intuitivo (e eu sinceramente não gosto nem um pouco dessa da “desordem”), e no próximo texto desta série eu quero aproveitar este espaço para apresentar uma visão alternativa de entropia que é um pouco mais precisa. Até lá!

[1] Essa analogia entre toalhas encharcadas e energia é de forma alguma mérito meu,  inspirada em uma palestra do genial Richard Feynman, que você pode conferir na íntegra aqui: https://www.cornell.edu/video/richard-feynman-messenger-lecture-5-distinction-past-future