Recentemente o termo simulação vem sendo mais discutido nos noticiários, principalmente, depois que Elon Musk declarou que provavelmente nós mesmos estamos dentro de uma simulação. Nas ciências, simulação também tem sido uma crescente. No SciCast sobre ciência do 3D, simulações também foram discutidas. Mas afinal, o que é uma simulação? Quais são os elementos que qualificam uma simulação?
A definição de livro-texto (ou Wikipedia) é a seguinte:
“simulação é a imitação de um processo da natureza ou sistema”.
Toda simulação requer um modelo a ser desenvolvido que contenha aspectos e comportamentos do sistema real. Muitas vezes esses termos como “modelo”, “aspecto” e “comportamento” são abstratos – afinal, simulação pode ser definida como uma abstração da realidade. Portanto, vou tentar tornar esses conceitos concretos com um exemplo do nosso cotidiano.
Em um texto anterior eu discuti sobre um experimento relevante na área de transportes sobre o surgimento do “anda e pára” no tráfego sem motivo aparente como o semáforo em vermelho. Naquele experimento, 22 carros foram colocados em uma pista circular de aproximadamente 230 metros e foram instruídos a viajar a uma velocidade constante 30 km/h. A intuição nos diria que os carros deveriam trafegar com velocidade constante, com mínimas variações, afinal: a pista é homogênea, não contém semáforos e os motoristas foram instruídos a trafegar exatamente da mesma maneira (se você não leu o texto anterior, pode ver o vídeo do experimento aqui).
O resultado foi diferente. “Naturalmente” chegou-se em um estado com a pista parcialmente congestionada, com veículos praticamente parados, e outra não congestionada, com veículos trafegando livremente. No decorrer do texto eu comentei as possíveis explicações para o fenômeno que eram tempo de reação dos motoristas, dinâmica de aceleração/desaceleração e diferenças do comportamento dos motoristas.
Veja que estas explicações se encaixam neste termo abstrato de “aspectos” e “comportamento”. Uma forma de se verificar isso é observar uma simulação que tenha modelos que incorporam estes aspectos.
No caso do tráfego, existe uma classe de modelos que descreve o comportamento de um motoristas baseado em suas variáveis cinemáticas (posição, velocidade e aceleração) e das mesmas variáveis do veículo imediatamente a frente. Por mais complexos que sejam estes modelos, eles já são uma simplificação da realidade: às vezes somos influenciados por veículos nas faixas adjacentes, pelo veículo de trás e, por vezes, tentamos observar a situação de trânsito algumas centenas de metros à frente. Mas vamos tentar nos ater a esta simplificação.
Mais especificamente, o modelo de Gipps descreve o seguinte: o veículo mantém um espaçamento com relação ao veículo imediatamente à frente que permite que eles não colidam caso o veículo líder pare subitamente, assumindo que existe um tempo de reação (atraso) entre o momento em que o veículo líder freia e o momento em que o veículo seguinte começa a frear. O modelo necessita, como parâmetros, deste tempo de reação e da máxima taxa de desaceleração de cada veículo e também de uma taxa de aceleração para o caso em que o veículo imediatamente à frente está tão distante que não interfere no comportamento do veículo que o segue. Detalhes das equações podem ser vistos no verbete da Wikipedia, mas, basicamente, o modelo usa equações que aprendemos nas aulas de física do ensino médio.
Agora temos o modelo para tentar reproduzir o fenômeno. Podemos colocar 22 veículos em 230 metros numa simulação de computador e observar o que acontece. No vídeo abaixo eu coloquei os veículos seguindo o modelo de Gipps com certos parâmetros, com velocidade inicial de 10km/h, com exceção de um único veículo com velocidade inicial um pouco menor. E o que vemos? O mesmo anda e pára que observamos no outro vídeo!
No vídeo acima, os veículos que estão trafegando em velocidades baixas (menor que 8km/h) são pintados de vermelho e, no caso contrário, eles são pintados de preto. Observe os mesmos fenômenos que aconteceram no vídeo real acontecendo na simulação: temos um “anda e pára” e a posição do congestionamento muda com o tempo.
Na simulação é até mais fácil ilustrar que o cogestionamento “anda” na direção oposta ao tráfego. Observe que, aproximadamente, aos 30 segundos de vídeo, os veículos pretos (rápidos) e os vermelhos (devagar) estão agrupados. Observe que a fronteira entre estes dois grupos vai ficando “cada vez mais para trás”, isto é, a posição do primeiro veículo da “fila” (vermelho) está se movendo em direção oposta ao tráfego (veja que este “primeiro” veículo muda a todo momento e não é o veículo que engata a marcha ré). O mesmo ocorre com o “final” da fila; a posição do último veículo da fila também está se movendo em direção contrária.
Neste caso podemos dizer que a simulação, baseada em um modelo específico, conseguiu imitar a realidade. Como o Pena bem observou no SciCast sobre modelos 3D, podemos avaliar visualmente o modelo. Por vezes, alguns modelos apresentam um erro pequeno sobre algum aspecto (digamos, a velocidade média dos veículos de acordo com os dados reais e a simulação), mas visualmente conseguimos distinguir que certas características são ou não como observadas na prática.
A próxima pergunta é: e daí? Bom, se a simulação descreve a realidade que entendemos sobre o sistema (tráfego neste caso), podemos aplicar este conhecimento na hora de tomar decisões futuras. O que é melhor da simulação é que podemos rodar inúmeros contrafactuais. Exemplos: “e se os veículos acelerassem mais rapidamente? e se o tempo de reação fosse menor?” ou, como no caso citado no texto “o que acontece se um – e apenas um – veículo é autônomo (não dirigido por humanos)? Por permitir responder a tantas perguntas sem ter que fazer o experimento real, simulações são usadas cada vez mais na ciência em diversas áreas.
Referências
Nexo Jornal comentando as afirmações que estaríamos numa simulação
Texto anterior comentando sobre o anda e pára no tráfego.
Wikipedia sobre o modelo de Gipps
Scicast ciência do 3D
Wikipedia sobre simulações
Link para imagem da capa