De onde vem o mito de que os veículos movidos a diesel poluem mais que os usam gasolina? E por que o Brasil proíbe a venda de carros de passeio movidos a diesel?
Bom, nas conversas de bar, nos reparos de pneu, na oficina do João da esquina ou, principalmente, na hora que você chega no posto de combustivel para abastecer seu carro, alguma vez na vida essa pergunta já deve ter passado pela cabeça: por que veículos populares não podem ser movidos a diesel no Brasil?
Tudo começou com o Brasil na década de 70 que possuía uma empresa estatal de petróleo “jovem”, a Petrobras, nascida em 1953. Época dos queridos Opala, Chevette, Corcel, Landau, Brasília (!), todos movidos a gasolina. Porém, nessa mesma época, em 1973, acontecia uma das maiores crises de petróleo já registrada, onde os preços dos barris de petróleo subiram mais que os foguetes da Melhor Coreia ultimamente; mais ou menos cinco vezes mais que o preço antes da crise. Nesta época, o país importava 78% de todos os seus derivados de petróleo – e o Brasil recebeu uma conta de no mínimo cinco vezes mais do que esperava para manter sua frota de veículos rodando, pulando de cerca de US$600mi para US2.6bi em apenas um ano, chegando a cerca de US$46bi até 1980.
O governo teve que tomar medidas para proteger a economia, e para isso lançou a Portaria n° 346, no final de 1976, na qual limitava o uso de diesel apenas para ônibus, caminhões, picapes com capacidade de carga acima de 1000kg e utilitários com tração 4×4. Justificava-se dizendo de que precisaria reduzir as importações de petróleo e derivados, que o refino da gasolina era mais vantajoso e que precisaríamos investir em tecnologia nacional para alternativas ao petróleo. Também incluía os incentivos ao preço do diesel, para que esse se mantivesse o combustível principal apenas para transporte de cargas, transporte em massa de pessoas e veículos pesados. Daí também vem os grandes incentivos para construção de estradas e não de ferrovias. Alguém ainda lembra da Petrobras que estava crescendo? Qual melhor incentivo do que o governo fazer um “All in” nestas políticas?
Nesta mesma época também aumentaram os investimentos para o desenvolvimento do nosso famoso etanol; com isso a indústria da cana-de-açúcar bombou, mas estamos aqui para falar do diesel.
Quem tem boa memória deve lembrar que ninguém deu muita bola para essa proibição, pois naquela época os veículos movidos a diesel eram umas Maria-Fumaça, vibravam mais que batedeira, não tinham muita potência e não eram nacionais como os citados acima, tornando-os bastante caros. É bem sabido também que poucos davam bola para emissões de poluentes, aquecimento global e outras grandes preocupações que temos hoje em dia. Até pouco tempo atrás os carros a diesel ainda tinham estas características dos veículos das décadas de 70 e 80, mas com as rigorosas regras de emissões de poluentes que vem restringindo mais e mais os níveis de emissões de poluentes a cada nova revisão, como a PROCONVE no Brasil que são baseadas nas famosas regulamentações europeias como EURO. Estas regras são aplicadas a todos os veículos por categorias, classificando suas emissões mais pelo tipo de veículo do que pelo combustível utilizado, tanto os veículos movidos a diesel quanto a gasolina ou flex precisam atender os mesmos níveis de emissões de poluentes de sua categoria. Por exemplo veículos de passeio, veículos comerciais leves, veículos comerciais pesados dentre outras. Essas mesmas regulamentações também definem a qualidade do combustível vendido: se compararmos o diesel de 40 anos atrás com o atual, nós temos cerca de 13000ppm (partes por milhão) de enxofre para apenas 10ppm no S10 vendido hoje; o enxofre é um dos grandes causadores dos poluentes nesse tipo de motor.
Mas se todo mundo atende aos mesmos níveis de emissões, por quê o diesel seria um atrativo para o consumidor comum (além dos preços, claro)? Bom, motores de Ciclo Diesel são mais eficientes que os motores do ciclo Otto (mais utilizado para motores gasolina e flex); adicionando todas as tecnologias atuais, o diesel é em média 30% mais econômico que a gasolina, logo, com uma matemática simples de padaria, se você tem os mesmos limites de emissões de poluentes no mesmo regime de uso, mas que no todo você consome menos combustível por quilometro rodado, logo você estará poluindo menos. Isso pode ser confirmado pelos resultados do EQUA CO2 Index, que mede a quantidade de CO2 emitidos por veículos na vida real, que está se tornando uma das maneiras oficiais de medidas de emissões depois do escândalo da VW. Os dados deste Index divulgados em outubro de 2016 mostram que, quando comparados uma grande gama de motores em condição de mundo real, motores diesel produzem tipicamente 169g/km de CO2, comparado com 196g/km para os motores a petróleo. Isto mostra uma diferença de 16% a favor do diesel quando comparados ambos nas mesmas condições. (Fonte: EQUAindex.com)
A maior parte do mercado Europeu utiliza motores a diesel e muitas cidades/países inclusive dão incentivos para que se tenha motores a diesel. Além de os veículos a diesel possuírem mais torque, que dá aquela sensação de potência do carro ao sair da condição de parado ou na ultrapassagem. Mas, por que Inglaterra, Alemanha, Paris e algumas empresas estão anunciando o fim dos motores a combustão puros e principalmente os motores a diesel? Dou minha opinião pessoal neste caso: muito do que está sendo anunciado vem dos acordos assinados, COP-21 em 2015 em Paris para redução do aquecimento global e também de jogadas de marketing e politica.
Mas muitos desses países possuem matrizes energéticas puramente térmicas, que são mais poluentes e que não se pode eliminar da noite para o dia sem uma alternativa eficiente, mas que também estão com seus dias contados. Já se foi estudado que se transformássemos todos nossos carros em elétricos, o mundo não teria capacidade de suprir tamanha demanda, mas isso tenderá a mudar com o tempo. Além de toda infraestrutura mundial ser feita ao redor dos combustíveis líquidos.
Mas voltando a nossa discussão. Então podemos ver que o mito do diesel poluir mais que a gasolina (não contando os híbridos) vai por água abaixo com as tecnologias atuais.
Mas não é possível que sejam só maravilhas, certo? Certo, a desvantagem dos veículos diesel é que eles são mais caros que os a gasolina, então para que ele se torne tão maravilhoso assim para o consumidor comum, teria que usar bastante o veículo, cerca de 30000km por ano contra cerca dos médios 10000km da maioria dos proprietários de veículos.
Mas, por que esta Portaria ainda está em vigor hoje em dia depois de tantas provas da eficiência dos motores a diesel? Em 2009, houve um projeto de lei circulando na Câmara de Deputados para liberar o uso dessa tecnologia em todos os automóveis, porém ele foi arquivado por influência política. Então é bem provável que ela nunca saia da gaveta e continuemos com as leis que temos hoje e o mercado que encontre as brechas nelas para atender a demanda por esses veículos, como já tem feito com os SUVs e Picapes.
Giullian Nóbrega