Já que a ciência tem que ser divertida, vamos falar de mágica? Ah, aquela época em que a gente assistia o quadro do Mister M. no Fantástico e se deslumbrava com os truques (mesmo depois dele explicar como fazia)… Mas será que atualmente, quando as explicações estão a um clique de distância, ainda há espaço para mágica ou tudo seria uma questão de neurociências aplicadas?
Desde criança eu nunca fui muito fã de circo, mas tinha uma coisa que me encantava: mágicos! Eu pensava neles como pessoas que tinham poderes e faziam coisas extraordinárias. Fui crescendo e o encantamento por essa arte continuou, porém hoje não falo mais em mágica, e sim em ilusionismo. Seria eu cética?
Na adolescência, passei a me perguntar como aquelas pessoas eram capazes de fazer aparecer ou desaparecer coisas e pessoas, soltar-se de cordas ou algemas. Nem assistir aqueles programas em que se desvendavam os truques era suficiente porque não explicavam aquelas ilusões que pareciam mágicas mesmo, sabe?
Depois de um tempo, comecei a me interessar por Psicologia e estudar algumas coisas de neurociências, ainda assim não conseguia descobrir que segredo era esse que fazia com que meus olhos enxergassem coisas que não eram reais. Até que um dia li um texto sobre os processos psicológicos de perceber e atentar, e minha cabeça explodiu (não literalmente, uffa)!
A gente já está cansado de saber que ilusionistas usam diversos truques pra atrair ou retirar nossa atenção de alguma coisa, certo? Mas o mecanismo é bem mais complexo do que parece! Para ser um bom mágico, você precisa estudar desde técnicas de desvio de atenção, até mesmo atuação e contação de histórias (estou surpresa até agora com isso).
Fazendo umas pesquisas antes de escrever esse texto, encontrei um site que oferece um curso de mágica e dentro do currículo estão, por exemplo: técnicas de abordagem e domínio de atenção, storytelling, técnicas de movimentos falsos, dominação de ângulos, técnicas de floreio e seleção psicológica. Minha gente, o povo estuda quase uma matéria que tive em um semestre na faculdade pra fazer ilusionismo! Eu não tinha noção de que era tão complicado assim!
Já descobrimos o que faz de alguém um bom ilusionista, mas o que nos faz bons expectadores de shows de mágica? Basicamente duas coisas: o nosso cérebro não é perfeito, tendo algumas falhas de processamento; e a nossa necessidade de encontrar padrões e/ou respostas ao que acontece em nossa volta. Os outros fatores que vou trazer aqui são desdobramentos desses dois.
De modo geral, as particularidades dos sistemas sensoriais dos organismos vão interferir no que eles conseguem ou não perceber, por exemplo, a nossa visão é limitada de cores quando comparada a outros animais. Ainda assim, mesmo quando perceptualmente capazes de entrar em contato com alguns aspectos do ambiente, podemos não atentar para eles.
Simplificando: quando falamos de perceber, respondemos a pergunta “o quê?” e isto está ligado de forma direta aos circuitos neuronais pré-formatados com os quais nascemos. Se estamos falando de atentar, respondemos a “como?”, o que é fruto das nossas aprendizagens através de processos de reforçamento.
Sabendo dessas informações, podemos dizer que uma das coisas que nos torna tão bons participantes de shows de mágica é porque nós percebemos, mas não atentamos aos estímulos presentes naquele ambiente. É como se a gente visse e ao mesmo tempo não visse algo!?!
Existem algumas formas disso acontecer: uma é através do nosso mecanismo de habituação de estímulos que faz com que, depois de um tempo, a gente “não ouça” mais o barulho do motor da geladeira em casa. Essa nossa capacidade de ignorar certos aspectos ambientais que são constantes foi fundamental no processo evolutivo para que não ficássemos “atentos demais” a estímulos não perigosos, como o barulho de um grilo, por exemplo.
Outro modo de ver sem necessariamente estar vendo envolve o uso do despiste, que pode ser patente – quando direciona o olhar de quem assiste para longe da técnica, focando-o em uma assistente bonita, por exemplo – ou encoberto, em que o expectador pode olhar diretamente para o método e ainda assim não descobrir o truque.
O uso do fator surpresa também é importante para despistar a plateia. Pense o seguinte: você, alguma vez, já viu uma apresentação que começa com um truque simples de mágica que dá errado e depois é seguida por uma ilusão super elaborada, que desafia a lógica e as leis da física? Pois é, você foi tapeado! Ao fazer um número relativamente simples, a atenção da plateia se dispersa, facilitando que o ilusionista não precise se preocupar tanto em esconder seu método, já que não vai ter a audiência preocupada em descobrir seus segredos.
Além de conhecer todos esses artifícios, esses artistas também usam ilusões de ótica, efeitos especiais, acessórios mecânicos… O arsenal é imenso e ainda conta com as nossas cegueiras temporárias, seja pelo uso de luzes fortes ou por desatenção. E a parte que sempre achei mais divertida: os ilusionistas adoram nos fazer ter correlações ilusórias! Era muito divertido pensar que a bolinha só desaparecia porque recebeu um sopro mágico!
Com isso tudo, eu quero destruir a mágica? Não mesmo. Eu percebi o quanto esse mundo é ainda mais complexo e fiquei bem mais encantada do que quando era criança. Agora shows de ilusionismo vão ter um sabor ainda mais especial: da mistura entre ciência e arte!
REFERÊNCIAS:
BARROS, Daniel Martins de. Magia ou mágica? Como ilusionistas, psicólogos e paranormais se encontram – desencontram. Estadão, s.l., 04 jul. 2017. Acesso em: 13/12/17.
HUBNER, Maria Marta Costa; MOREIRA, Marcio Borges (Org.). Temas clássicos da psicologia sob a ótica da análise do comportamento. Rio de Janeira: Guanabara Koogan, 2012.
MOREIRA, Márcio Borges; MEDEIROS, Carlos Augusto de. Princípios básicos de análise do comportamento. 1ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL; Mágica e truques que iludem o cérebro. Segmento, s.l. Acesso em: 13/12/17.