Vamos ser francos… é impossível, no século XXI, ser cientista / apreciador de ciência sem um certo domínio do inglês. A grande verdade é que os melhores artigos científicos estão no idioma anglo-saxão, e nos deparamos seguidamente com a necessidade de ler textos nesse idioma, quer na faculdade, quer no dia-a-dia.
Ok, se pensarmos bem podia ser pior, a língua da ciência poderia ser o japonês ou, quem sabe, o javanês, ambas sem um passado comum com nossa ‘flor do Lácio’. O inglês, apesar de sua origem anglo-saxã, teve grande influência do latim tanto pelo domínio do Império Romano a partir de 43 E.C. quanto pelo uso do francês em terras britânicas durante a Idade Média.
Minha vivência na universidade tem me mostrado que boa parte dos estudantes brasileiros não conseguem ler um texto científico em inglês – de fato, segundo Carrasco e Lenharo (2012), 38% não conseguem nem sequer em português –, e isto é preocupante para o desenvolvimento da ciência nacional; de fato, como desenvolver uma pesquisa séria, não importando em que área da ciência, sem saber-se o que se está produzindo nesta área no resto do mundo?
Mas não vamos longe! Eu próprio sofria para traduzir um texto mais complexo que “dê búk is on dê têibol” antes de ser agraciado com uma temporada nas terras do Tio Sam pelo Ciências sem Fronteiras. Lá, sendo obrigado diariamente a ler textos e mais textos, acabei sendo apresentado aos “hacks” – ou “truques”, em uma tradução canhestra – para fazer a leitura mais fácil e para assimilar mais o conteúdo dos textos lidos.
Tendo voltado, passei a ensinar os tais truques que, convenhamos, não substituem uma boa temporada estudando a língua de Hemingway, quer em uma boa escola, quer pela internet, quer como autodidata, mas que os hacks ajudam, ah! isso ajudam! Então vamos dar uma olhada neles e good reading for you!
O começo do princípio do início…
Em geral quando alguém vai te ensinar alguma coisa principia dizendo “vamos começar pelo começo”… não vamos ser tão lugar-comum, não vamos começar pelo começo, vamos começar antes disso (ou, como se diz no Scicast, vamos “voltar à Grécia antiga…”): de nada adiantarão quaisquer hacks se você não souber um “básico do básico” de inglês. Se você não tiver tempo, grana ou mesmo os dois para fazer aulas de inglês básico, pelo menos tente aprender por livros ou internet (o youtube tem ótimos canais sobre o tema, por exemplo) e tente aprender os verbos to be, to have, to do e as conjugações verbais do inglês. Dê uma olhada nos verbos irregulares para que você possa ao menos reconhecê-los e estude um pouco de estrutura frasal em inglês… (coisas como, por exemplo, ao contrário do português, eles costumam colocar o adjetivo ANTES do substantivo, perguntas costumam começar com um auxiliar, etc.).
Depois disso, tente aumentar um pouco seu vocabulário, especialmente na sua área de estudo. Para isso, não se importe no primeiro momento se está pronunciando as palavras corretamente; para ler, não faz diferença se você pronuncia tough, though, thought, through, thorough, throughout respectivamente como tougue, tougue, touguete, tróugue, toróugue e trougôut se você, encontrando as palavras no texto, souber o que significam.
Há também hacks para aumentar o vocabulário tais como 400 palavras em inglês num minuto (https://www.englishexperts.com.br/400-palavras-em-ingles-num-minuto/), que usam os cognatos para aumentar seu léxico; apenas tome cuidado com os falsos cognatos (I intend, por exemplo, não é eu entendo, e sim eu pretendo…). Listas com cognatos e falsos cognatos são facilmente encontradas com auxílio de buscadores (google it!).
Outra dica para ampliar seu vocabulário era usada por uma professora que tive na Universidade do Wisconsin, Lucia Moburg (2013). Cada palavra que entrava em nosso léxico, ela nos fazia colocar em uma tabela cujo cabeçalho era: verbo no presente, verbo no passado, substantivo, adjetivo e advérbio. Por exemplo, se eu lesse a frase “I love you”, separaria o love e o colocaria na coluna do verbo no presente; então iria pesquisar a conjugação do verbo (para isso aconselho o site http://conjugator.reverso.net/conjugation-english.html) e colocaria na coluna correspondente o loved; em seguida, buscaria no dicionário e colocaria love novamente na coluna de substantivo, pois “o amor” se traduz por “the love”; logo (sempre com o auxílio do “amansa burro”) preencheria o espaço do adjetivo com “loved” (amado) e o de advérbio com “lovely” (adorável). Ou seja, partindo de uma palavra ampliei meu léxico em outras quatro.
É claro que, por mais amplo que seja seu vocabulário, é sempre essencial ter um bom dicionário do lado. Uma boa dica, neste caso, é usar um dicionário inglês-inglês, ou seja, um dicionário que não traduza, mas explique em inglês a palavra, assim você amplia seu vocabulário enquanto consulta determinado verbete…
Jeitinho…
Vamos então à fase dos hacks, ou seja, o jeitinho…
O primeiro ‘truque’ é saber que conversar com um amigo é sempre mais fácil do que com um desconhecido; o mesmo vale para textos! Então, antes de começar a ler o texto realmente, torne-se mais íntimo dele, comece ‘comendo pelas beiradas’; observe o título e compreenda do que se trata, busque se o artigo tem imagens e/ou gráficos, observe-os, tente compreendê-los, assim você já terá uma noção do assunto de que trata o texto e de que rumo este vai tomar.
Em seguida, “carregue o diskette” – tá bom, eu confesso, sou meio ‘antigo’. Sabe quando você vai acessar qualquer coisa no computador? Pois então, não importa que você chame um arquivo, o computador sempre vai primeiro carregar o software que rodará aquela extensão. Faça a mesma coisa! ‘Carregue’ em sua cabeça tudo o que sabe sobre o assunto que está sendo tratado, e faça links com o que já sabe do texto a partir da primeira aproximação descrita no parágrafo anterior. Outra boa dica neste momento é fazer-se perguntas: se você estivesse fazendo a pesquisa relatada no artigo, o que gostaria de saber? Que hipóteses teria? Que perguntas procuraria responder? Tudo isso ajuda a ‘aclimatar’ com o texto. Em seguida, já um pouco mais ‘climatizado’ com o texto, leia o resumo; bons artigos trazem ali todo o básico, de onde o artigo vai sair, que rumo irá tomar e onde vai chegar.
O próximo truque é ler o primeiro e o último parágrafos do texto; seguindo a mesma lógica da leitura do resumo, você sabe de onde vai partir e onde vai chegar, assim as coisas ficarão muitos mais fáceis. Da mesma forma, após o passo anterior, leia a primeira e a última sentença de cada parágrafo, assim você terá noção do texto parágrafo a parágrafo, além de ter uma noção geral.
O tempo todo em que fizer esta leitura, busque identificar os passos dados pelo autor citados no resumo; também busque identificar se suas dúvidas e hipóteses estão contempladas no texto.
A última fase desta leitura é realmente ler o texto como um todo, desta vez revisando quaisquer erros de compreensão que tenha cometido e buscando as evidências apresentadas nos parágrafos e usando um destaca texto para salientar as partes mais importantes do texto: qual a hipótese, quais os métodos para testá-la, quais os resultados encontrados, qual a conclusão do autor…
Enfim… o fim!
Com tudo isso, mesmo sem um grande conhecimento de inglês (muitas vezes mesmo sem saber pronunciar o que leu), você conseguirá ler e compreender o paper, tirar dele o que precisa para sua pesquisa. Além disso poderá compreender melhor aquela aula ou mesmo aplacar sua curiosidade sobre o tema do artigo pois, segundo Neil Armstrong, “a curiosidade é a base do desejo humano para compreender”.
É bom lembrar, entretanto, que o que você aprendeu é um ‘quebra-galho’, uma forma de conseguir compreender um texto que você provavelmente não compreenderia de outra forma, e que um maior domínio do idioma vai lhe trazer não só maior facilidade para ler textos, mas vai ampliar o leque de opções de aprendizado (livros, vídeos, palestras…) e enriquecê-lo tanto como cientista quanto como ser humano. Assim, tão logo tenha tempo e/ou dinheiro, faça um bom curso de inglês, seja presencial ou EAD, ou ainda esforce-se e do it yourself, ou seja, busque bons livros, áudios e vídeos e estude no conforto de sua casa.
Pois, vamos ser francos… é impossível, no século XXI, ser cientista/apreciador de ciência se você não consegue diferenciar um paper em inglês de outro em grego…
REFERÊNCIAS
CARRASCO, L; LENHARO, M. No ensino superior, 38% dos alunos não sabem ler e escrever plenamente. O Estado de S.Paulo, Jul. 17 2012.
ENGLISH, A.K.; ENGLISH, L.M. North Star 4: Reading and writing. 3a ed. White Plains: Pearson Logan, 2009.
FITZPATRICK, M. Engaging Writing 1: Essential skills for academic writing. White Plains: Pearson Logan, 2011.
MEYERS, A. Longman Academic Writing Series 5: Essays to research papers. White Plains: Pearson Education, 2014.
MOBURG, L. Academic Reading. Curso de Inglês Acadêmico. Segundo semestre de 2013. Notas de Aula. Universidade do Wisconsin, Oshkosh.
Pain, E. How to (seriously) read a scientific paper. Science, Mar. 21, 2016.
Ruben, A. How to read a scientific paper. Science, Jan. 20, 2016.
Guto Riella. Um primata nerd apaixonado por ciências, arte e karatê, residente em Uruguaiana, RS (ex bolsista CsF na Universidade do Wisconsin); com 48 anos, casado pela segunda vez, três filhos, três livros escritos (nenhum publicado), duas árvores plantadas e a estranha e absurda ilusão de que o mundo pode ser mudado para melhor.