Acredite se quiser, mas há um ancião em Marte e não está perdido: a Opportunity, uma das mais incríveis sondas que a humanidade já enviou ao planeta vermelho acaba de completar 5.000 dias de missão e, embora não estando em sua melhor forma, ainda prossegue numa rotina diária de explorar nosso vizinho.
Antes de mais nada, vamos explicar que, se mandar coisas para Marte já é complicado (lembre-se dos Sete Minutos de Terror da Curiosity), manter equipamentos funcionando e enviando dados é um desafio ainda maior. Por via de regra, as missões designadas às sondas/laboratórios móveis são curtas, baseadas na duração do ciclo de suas baterias e levando em conta as intempéries do planeta. Lançada em 2003 e irmã gêmea da sonda Spirit, ela iniciou sua missão em 25 de janeiro de 2004 e ambas tinham uma vida definida de 90 Sóis, ou dias marcianos (24 horas, 39 minutos e 35,244 segundos). A Spirit, no caso, chegou três semanas antes, em 04 de janeiro e cada uma foi designada a um hemisfério de Marte.
Acontece que os técnicos da NASA não dormem em serviço e, de modo a driblar o primeiro inverno marciano que ambas sondas enfrentariam e que seria mortal para suas baterias, eles orientaram tanto a Opportunity quanto a Spirit a voltarem seus painéis solares para uma posição mais adequada durante a estação fria, de modo que a eficiência na captação de energia fosse aumentada. Isso permitiu não só que ambos robozinhos resistissem ao inverno, mantendo seus componentes aquecidos como continuaram plenamente funcionais, excedendo em muito o tempo planejado para suas missões.
Infelizmente, em 1º de maio de 2009 a Spirit atolou em areia fofa, não conseguiu sair de jeito nenhum e permaneceu funcionando como uma estação estática até 22 de março de 2010, quando a impossibilidade de limpar seus painéis tanto por falta de movimento quanto por ausência de ventos foram fatais e, no inverno seguinte, por falta de energia, ela entrou em modo de hibernação permanente, o que rendeu a tirinha mais triste do universo.
A Opportunity, no entanto, seguiu em frente. Em 2005 ela própria enfrentou um problema de atolamento muito similar ao que vitimou a Spirit, mas eventualmente conseguiu se safar. Em 2015, a sonda começou a dar sinais de cansaço, com falhas graves em sua memória Flash que basicamente acabaram com sua memória de longo prazo. A NASA até tentou implementar um tremendo bacalhau para corrigir o problema, contornando os setores ruins relacionados ao chip de memória (detalhe: uma correção que entra na categoria “Milagre” implementada em dois meses; como eu disse, os técnicos da agência estão em outro nível), que não funcionou.
O consenso é que o chip de 256 MB está desgastado, por radiação ou outros motivos, e não consegue mais funcionar direito: todas as vezes em que foi testado ou perdeu todos os dados, ou causou reboots involuntários. Hoje a Opportunity funciona apenas em modo RAM e seus dados têm que ser coletados todos os dias, assim como seus parâmetros precisam ser religiosamente implementados a cada Sol e, por causa disso, sua capacidade de realizar experimentos no solo marciano foi sensivelmente afetada. Em suma, a sonda virou a Dory.
Ainda assim ela continua funcionando graças à combinação dos painéis solares que estão em bom estado e seu RTG (Gerador Radioscópio Termelétrico) e, em teoria, ela só para se as rodas quebrarem ou ficarem presas. Sua missão estendida foi crucial para o maior entendimento de Marte, tendo descoberto o primeiro asteroide que caiu no planeta e os primeiros dados fidedignos da presença de água em outros tempos. Ela já percorreu 45 km e está no momento circundando a borda da cratera Endeavour. A NASA já anunciou que só aposentada a pequena valente quando ela quebrar de vez.
Pode acontecer amanhã, daqui a seis meses ou daqui a 10 anos, a NASA simplesmente não sabe quando. É bastante improvável que a Opportunity continue resistindo por muito tempo mais, afinal são 14 anos, o tempo original da missão foi excedido em 55 vezes. Suas peças vão começar a se deteriorar por mais resistentes que sejam e não é difícil que uma de suas rodas se quebre e leve-a ao destino da Spirit, mas, depois de tanto tempo, e se nada disso acontecer?
É possível? Não, mas seria divertido se fosse.
Fonte: NASA.