Estava bastante agitado quando a moça abriu a porta de vidro e me chamou. Estava na sala de espera da maternidade, esperando o momento para trocar a roupa e entrar no bloco cirúrgico. Minha filha iria nascer e eu estaria lá para acompanhar. Isso era algo inédito. Meu primeiro filho, infelizmente, só conheci dois dias depois de nascer. Foi uma cesárea de emergência, eu estava a trabalho em outra cidade no momento. Paciência! Ele hoje está muito bem e eu superei este trauma. Desta vez seria diferente, eu estava lá e participaria deste momento sublime. Os minutos pareciam uma eternidade. Se eu fosse fumante teria acendido um cigarro (na verdade nem assim, eu estava em um hospital, afinal. Expressamente proibido fumar). Substituí o fumo pelo controle remoto da TV, trocando de canal freneticamente. Não que fosse muito melhor para a saúde. Droga por droga, só não tinha a fumaça.
Segui com a enfermeira até a ante-sala do bloco cirúrgico onde minha esposa estava já pronta. Lava as mãos, tira relógio, troca de roupa, coloca máscara, coloca touca, proteção para os pés. Senta e espera novamente. Quanta coisa na cabeça! “Será que correria tudo bem?”, “Como seria o rostinho da minha filha?”, “Ela nasceria grande, pequena, saudável?”. Os pensamentos evanesceram quando a outra enfermeira abriu a porta e me conduziu até a mesa de cirurgia onde minha esposa estava deitada e os médicos a estavam operando. Fiquei ao lado dela, conversando e tentando conter a ansiedade e a curiosidade de olhar para o que os médicos estavam fazendo do outro lado do pano. Por mais que eu seja biólogo e o corpo humano me seja algo natural, por dentro e por fora, não precisamos quebrar a magia. Intimidade tem limite!
De repente, ouvi a obstetra falar: “Vai nascer!”. E em seguida um chorinho fraco, rapidamente abafado pelo nosso choro incontrolável. Minha filha havia nascido forte e saudável, e eu estava lá para ver. O anestesista me conduziu até um banco para sentar e me acalmar. Acho que ele ficou com receio que eu desmaiasse e desse trabalho em dobro para a equipe médica. A pediatra de plantão pegou minha filha, levou para outra sala e foi fazer os testes de praxe. Enquanto isso, a equipe do B.C.U. entrava em ação para coletar o sangue do cordão umbilical.
Para quem não está familiarizado, B.C.U. é a sigla para Banco de Cordão Umbilical e tem representantes em várias cidades do Brasil. A equipe do B.C.U. fica de prontidão na hora do parto e coleta o sangue do cordão umbilical do bebê no momento do nascimento. Por que coletar o sangue do cordão umbilical? A resposta é óbvia, caro Padawan, células-tronco! Em grande número e sem influências ambientais externas, células-tronco “virgens”, digamos assim. Coletando estas células e congelando, elas têm potencial de durarem para sempre e serem usadas no futuro se o “dono” (no caso da minha filha, a “dona”) precisar. No caso de alguma doença, como leucemia, lúpus (diferentemente do que víamos no House, às vezes é lúpus), derrames, doenças cardíacas, de pele, pulmonares, diabetes e até esclerose múltipla, estas células-tronco podem ser usadas para reparar tecidos danificados ou “resetar” o conjunto celular do indivíduo e curar a doença. Existe uma lista imensa de doenças e tratamentos que usam estas células-tronco e o número de pesquisas têm aumentado substancialmente nos últimos anos (digite “stem cell umbilical cord” no Google Acadêmico e você verá o número imenso de resultados). Ou seja, é o tipo de coisa que serve como um seguro de carro: você se previne, paga a taxa do seguro todo ano, mas não quer ter que usar. Se precisar, está lá, mas a grande satisfação é poder dizer: nunca precisei usar!
Foi exatamente este raciocínio que eu e minha esposa tivemos quando decidimos contratar o serviço do B.C.U. para coleta e guarda do material genético da nossa filha. Se acontecer alguma coisa no futuro que seja tratável com esta técnica e tivéssemos optado por não fazer este seguro, a culpa seria insuperável. Melhor se precaver. Inclusive porque estas células-tronco podem servir para os irmãos também, com uma taxa de sucesso bastante alta. Já que nosso primeiro filho, por conta do atropelo que foi o nascimento dele, não teve sangue coletado, matamos dois coelhos com uma caixa d’água só.
“Ai, é tão legal isso, mas não é muito caro?”. Depende do ponto de vista. Existe uma taxa de entrada que cobre os custos de coleta, transporte e curadoria inicial e uma anuidade para custear a armazenagem. Grande parte das pessoas compram coisas supérfluas porque a parcela cabe no bolso, então fazendo uma conta de padaria (em papel de pão e com toco de lápis), a taxa inicial dá menos de R$ 15,00 por dia de uma gravidez padrão (mais barato que um lanche grande da franquia do metrô por dia) e a anuidade dá menos do que R$ 2,00 por dia (o velho clichê da educação financeira: poupe o dinheiro do cafezinho). Ou seja, o custo não é absurdo comparado aos benefícios potenciais. E, como tudo em tecnologia e ciência, ao longo do tempo, a tendência é baratear e se tornar algo corriqueiro (comprei meu primeiro pen-drive de 1 Gb em 2006 por R$ 90,00 e achei um baita negócio. Hoje, deve vir de brinde em um sorvete seco).
Para finalizar, fica a dica para quem pretende ter filhos no futuro: considere a hipótese de guardar sangue umbilical do (a) pequeno (a). Pode fazer uma grande diferença no futuro.