Numa manhã de verão, o biólogo evolucionista José Lopez tomava café em sua casa, quando dois bandidos escalaram a janela em frente e fizeram o que os invasores costumam fazer: reviraram as gavetas, desconectaram a TV para carregá-la, e tomaram um refrigerante.
Este não foi um assalto comum. Os invasores eram empregados da delegacia local, e o roubo parte de um projeto de pesquisa. Mais tarde, os cientistas forenses coletaram amostras de superfícies e maçanetas da casa. No laboratório da Universidade de Chicago (UC), em Ilinóis, colegas de Lopez isolaram o DNA destas amostras e conseguiram uma sequência em particular, chamada 16S rDNA – sequência bastante conservada na maioria das espécies de bactérias. Ao amplificar e sequenciar estes trechos, os cientistas identificaram as diferentes espécies em cada amostra.
Após eliminar os organismos residentes na casa – incluindo o gato- eles encontraram um novo tipo de evidencia: o DNA microbiano depositado pelos ladrões na casa. Por conta da mistura de espécies e do microbioma individual de pessoas estranhas, cada assinatura molecular pode ser usada em qualquer cena de crime, diz Jack Gilbert, ecólogo microbiano da UC. E porque o microbioma varia de acordo com gênero, idade, e estilo de vida, os dados podem ser usados para construir uma imagem do suspeito.
O campo ainda está no começo, por enquanto, o único crime que ajudou a resolver, ocorreu numa serie de TV. Alguns cientistas são céticos em relação ao uso desta individualidade como evidencia no Tribunal. Jacques Ravel da Universidade de Maryland, Baltimore, diz que o uso do microbioma na analise forense, está distante. Mas poderá ser utilizada. Outros são mais otimistas e afirmam que o dado é mal explorado, segundo David Relman, da Universidade de Stanford em Palo Alto, Califórnia, que estuda microbiomas humanos e animais.
A ideia de que os microbiomas possam ajudar a solucionar casos, começou num estudo publicado em 2010 na Proceedings of the National Academy of Sciences, o artigo mostra o DNA bacteriano, recuperado de teclados de computador, combinados com a microbiota encontrada na ponta dos dedos de seus donos; foi o primeiro trabalho que demonstrou que as pessoas deixam um assinatura altamente original e identificável, segundo Gilbert.
Somando-se o apelo do microbioma para análise forense, as pessoas liberam bactérias constantemente e de forma indiscriminada, por meio da respiração e fala. Os microorganismos não estão confinados por luvas ou roupas. Em artigo de 2015, cientistas mediram as bactérias no ar em torno de voluntários, numa câmara higienizada e foram capazes de identificar algumas pessoas a partir de sua nuvem microbiana.
No geral, os pesquisadores têm amostras de microbiomas de milhares de pessoas, a maioria voluntários da Europa e dos Estados Unidos, e descobriram que a abundância de espécies microbianas são altamente individualizadas, mesmo para gêmeos idênticos. Dentre as razões do microbioma ser tão pessoal é que ele é parcialmente determinado pelo nosso genoma e sistema imunológico, além do acaso. Nos primeiros 3 ou 4 anos de vida os seres humanos parecem pegar um conjunto único de bactérias da vasta diversidade natural a que eles são expostos, essa mistura permanece relativamente estável durante toda a vida, segundo o biólogo computacional Peer Bork, do Laboratório Europeu de Biologia Molecular em Heidelberg, Alemanha.
A questão é se essas assinaturas podem ser usadas para identificar uma pessoa com pouquíssima ou nenhuma margem de dúvida, como prova, Bork pensa que é possível, mas não apenas por meio do 16S rDNA. Ao invés disso ele acredita que os investigadores precisam sequenciar totalmente o DNA da amostra da cena do crime e do microbioma dos suspeitos, para diferenciar as pequenas diferenças entre micro-organismos da mesma espécie e entre suas estirpes. Até o momento, o grupo de Bork estudou aproximadamente 3500 pessoas com esta técnica e todos eram únicos. Por conta da necessidade de extenso sequenciamento, o custo desta abordagem é muito alto.
Outro problema é que as bactérias, presentes em cada indivíduo, e a composição da comunidade microbiana mudam ao longo do tempo. A assinatura deixada por um assassino na cena do crime de uma década atrás pode não corresponder exatamente a sua nuvem microbiana hoje. O microbioma também muda de acordo com o país e o uso de antibióticos pode alterá-lo radicalmente. Criminosos inteligentes podem tomar alguns comprimidos antes de cometer os crimes, assim como outros que já queimaram os dedos com ácido ou outras técnicas, segundo Rob Knight, um dos pioneiros deste novo campo de pesquisa da Univerisade da Califórnia, San Diego.
Para ajudar na resolução de crimes, os analistas forenses precisariam do equivalente a uma biblioteca de impressões digitais: uma base de dados de perfis de microbioma conhecidos para que se possa comparar a evidência da cena de um crime. Ou seja, precisariam de cerca de 8 milhões de amostras de fezes ou pele. Gilbert acredita que este banco de dados pode ser construído da mesma forma que o foram os de impressões digitais, gradualmente, começando com criminosos condenados.
Mesmo que os microbiologistas não possam identificar um culpado em particular, um microbioma deixado na cena do crime pode conter pistas importantes. Tais como se o autor é mulher ou homem, fumante, onde mora, por exemplo. Um grupo de pesquisadores de Xangai, China, encontraram grandes diferenças entre microbiomas da pele de pessoas que vivem em áreas urbanas, suburbanas ou rurais.
No falso crime de Gilbert a comparação das assinaturas dos dois intrusos com um banco de dados de milhares de pessoas, construído por ele com base na abundância relativa de grupos taxonômicos particulares, previu que um dos assaltantes tomava, pelo menos, 10 bebidas alcoólicas por semana e que o outro estava sob medicação para dor de cabeça. Ele estava certo em ambas afirmações. Ao ouvir isso George Duncan, investigador responsável pela organização do falso crime, ficou chocado.
Bork afirma que muitas destas associações são instáveis. Por exemplo, dois grupos afirmaram que a microbiota de pacientes diabéticos e não diabéticos são distintas, mas uma análise feita por Bork mostrou que essa diferença é decorrente do uso de metformina (medicamento) e não uma assinatura da doença.
Gilbert está tentando melhorar o seu banco de dados através do recrutamento de mais pessoas em Chicago e na Flórida, com empregos e estilos de vida que deixam uma marca particularmente forte no microbioma, como padeiros, agricultores, vegetarianos e veganos.
Uma coisa é certa, os cientistas terão de ser cuidadosos, a ciência já colocou muitos inocentes na cadeia, no passado. Assim, a última coisa que queremos é acusar e estragar a vida de pessoas com microbiota semelhante à encontrada numa cena de crime, afirma Ravel.
Fonte: Science Mag