Algumas semanas atrás uma notícia da Folha de São Paulo reportou a conclusão de um pesquisador brasileiro (Biólogo Marcelo Hermes-Lima da UNB) acerca da produção científica nacional. Em resumo, foi dito que o Brasil aumentou sua produção científica – medido em número de publicações – porém diminuiu seu impacto – medido em citações por publicação. A análise utilizou dados disponíveis pela base Scimago.
Apesar de abrangente e interessante, a base de dados apresenta apenas parte dos resultados em termos de produção científica mundial, porém qualquer conclusão tem que ser feita com cuidado – e isso vale pela análise do Marcelo Hermes-Lima e a que eu proponho fazer neste espaço. A principal limitação é que não é fácil obter informação de investimento em ciência, qualidade e investimento de ensino ou qualquer outra medida feita para impulsionar pesquisa em desenvolvimento em cada país. Mesmo que seja possível, é difícil comparar essas medidas (por sistema tributário, jurídico, modelo de financiamento, etc). Tendo dito isso, eu apresento aqui uma sequência de gráficos para mostrar alguns pontos não explorados, ao menos na nota da Folha.
Primeiro vamos a uma olhada geral. Em todos os dados escolhi em destaque (sempre em linhas contínuas) o Brasil e os países em que o Brasil foi colocado em comparação em países com histórias parecidas (Argentina e Chile). Os Estados Unidos por ser o país com maior produção também aparece em linhas contínuas e é usado como referência nas medidas (a nota da Folha usava o primeiro do ranking de cada índice de desempenho para isso). Em linhas tracejadas estão também países representativos de outras regiões (México para América Latina, França para Europa, África do Sul para África, Irã no Oriente Médio e China na Ásia).
O primeiro gráfico na Figura 1 mostra o número de artigos publicados no período sendo que 1 corresponde ao número de artigos publicados pelos Estados Unidos. Observe que França e Estados Unidos apresentam a mesma tendência ao longo do tempo. Os países da América Latina apresentam uma moderada melhora enquanto China e Irã apresentaram rápida melhora neste período.
O outro critério utilizado na nota da Folha foi a média de citações por artigo. O número de citações é sem dúvida um importante indicativo do quão relevante é um documento científico. O gráfico da figura 2 mostra a média de citações por artigo comparado aos Estados Unidos. É um fato que neste quesito o Brasil vai para o último da lista em 2016. Não nego que uma melhor colocação neste quesito seria uma boa notícia, mas gostaria de chamar atenção aos dados mostrado na Figura 3. Nesta figura, em vez da média de citações normalizadas, são apresentados o ranking de cada país neste quesito. Meu ponto aqui é que observe que países como Estados Unidos e França figuram em torno de 75 no ranking. A tendência não acompanha nem a Figura anterior e nem as próximas.
Minha intuição (ou seja, é minha opinião e não é um fato consumado – deixe seu comentário se discordar) é que quanto mais se investe em ciência e tecnologia, se abre espaço para maior publicação de artigos que em média podem ter menos impacto comparado a não ter aumento. Claro que isto muda também em função do modelo de financiamento. Se um país tenta manter “campeões”, isto é, poucos grupos de pesquisa mas de muita relevância, este país terá muitas citações por artigo. Em contrapartida, isto se inverte se um país tiver um modelo mais distribuído de financiamento de pesquisa. Portanto a média de citação por artigo também é consequência de outros aspectos e não somente a qualidade dos artigos.
Em função disto, o número total de citações pode ser um bom indicador – neste caso se avalia da mesma maneira se um país teve 1000 citações em 5 artigos ou 1000 citações em 200 artigos publicados. No entanto, os próximos gráficos consideram também o PIB do país ou a população – não foi feita análise com os dois ao mesmo tempo.
Na Figura 4, vemos em relação ao Produto Interno Bruto. Veja que neste quesito uma série de países tem desempenho superior aos Estados Unidos e o Brasil tem um desenvolvimento muito próximo. Gostaria de destacar Chile e Irã neste gráfico que saíram das últimas colocações e hoje lideram. O Brasil também apresentou um crescimento significativo neste quesito – melhor que Argentina, México e Estados Unidos mesmo quando é levando em consideração o crescimento econômico.
Por último, na Figura 5 é apresentado um gráfico semelhante, mas apenas levando em consideração a população. Neste caso, como esperado, França e Estados Unidos lideram por larga margem e países em desenvolvimento estão diminuindo a distância. Nesta comparação o Brasil segue a mesma tendência dos vizinhos. Este gráfico também mostra a grande disparidade. O número de citações de Brasil, Argentina e África do sul é em torno de 10% de Estados Unidos e França. No entanto, é possível observar que houve uma melhora.
Conclusão
Em linhas gerais os gráficos corroboram com a nota da Folha. De fato o Brasil melhorou sua produção científica nos últimos 20 anos. A tendência é, no entanto, semelhante com os países vizinhos no geral. Os gráficos mostram que neste período Brasil e Chile foram melhores que Argentina, México e China (vamos lembrar que foi de 10% ao ano o crescimento do PIB). Ainda apresentamos números de citações por habitante muito abaixo de países desenvolvidos, apesar de que é claro que a diferença está diminuindo.
Sem levar em consideração variáveis econômicas e população, o Brasil subiu no ranking de número de publicações de número 21 para 14 e no ranking de citações de 25 para 16 (gráficos abaixo). Cabe salientar que o Indice-H que hoje em dia vem sendo utilizado com frequência por combinar de maneira robusta número de publicações e citações, o Brasil é o número 23 (não consegui dados sobre a evolução ao longo do tempo).
Anexo – Rankings por cada métrica
O ranking de média de citações é apresentado na Figura 3