O Portal Deviante já debateu sobre o açúcar várias vezes, seja através de experiências individuais de redução do composto delícia ou por um SciCast todo sobre o tema.
Todas as diretrizes e medidas dietéticas de redução de doenças como infarto e AVC sempre enfatizaram que a gordura saturada entope as artérias e causa tais doenças. Mas, este dado é totalmente correto? O que poderia causar mais estrago na saúde das pessoas: uma ciência ruim ou uma “comida ruim”?
Um relatório do importante periódico JAMA Internal Medicine mostra que a indústria do açúcar pagou e se comprometeu diretamente na elaboração de uma influente revisão da literatura publicada pelo periódico New England Journal of Medicine em 1967, minimizando de forma proposital a relação entre o consumo de açúcar na dieta e doenças cardíacas por entupimento das artérias, enquanto responsabilizava exclusivamente a ingestão de gordura e colesterol.
Na década de 1960 houve importante aumento das doenças cardíacas por parte da população mundial, principalmente aquela recém-urbanizada, com as facilidades de acesso fácil a comida que hoje temos como algo natural.
Sendo assim, cientistas começaram a fazer pesquisas que, quando publicadas em periódicos importantes como New England Journal of Medicine, influenciaram toda a ciência médica, que produziu diretrizes e relatórios reforçando mudanças de estilo de vida em toda a população para redução das doenças.
O financiamento da indústria do açúcar não foi divulgado no artigo publicado em 1967, que teve forte influência nas recomendações nutricionais referentes ao açúcar nas décadas seguintes, observa a nova análise feita por Cristin E. Kearns e colaboradores.
Esta revisão da literatura, feita há quase 50 anos, serviu de instrumento para o lobby da indústria e influenciou as primeiras diretrizes alimentares da década de 1980. O artigo colocava o colesterol da dieta em foco e retirou a ingestão de açúcar da lista dos fatores de risco de doenças cardíacas. Se os dados tivessem sido apresentados da maneira correta, as recomendações teriam sido de reduzir a ingestão tanto de gordura quanto de açúcar, e não apenas da gordura saturada.
Atualmente a indústria do açúcar, liderada pela Sugar Association, associação comercial da indústria da sacarose, com sede em Washington, nega veementemente que exista alguma relação entre o consumo do açúcar refinado e o risco de doença coronariana.
O grupo que mostrou esta influencia da Fundação na produção do artigo de 1967 analisou documentos internos da Sugar Research Foundation disponibilizados publicamente. Também revisaram relatos e declarações históricas realizadas nos primeiros debates sobre os efeitos do açúcar na saúde. De acordo com esses documentos a Fundação definiu o objetivo das revisões, contribuiu com artigos para a inclusão no periódico, e recebeu versões preliminares dos artigos.
Entre as provas de sua ingerência constam a correspondência de 30 de julho de 1965 de John Hickson, vice-presidente da Sugar Research Foundation, para Hegsted, pesquisador em nutrição, financiado pela Fundação, e responsável por uma das revisões. Nesta correspondência Hickson reforça o objetivo da Sugar Research Foundation ao financiar a revisão: “Nosso interesse particular diz respeito à parte da nutrição sobre a qual há alegações de que os carboidratos em forma de sacarose sobrecarregam o metabolismo, o que até então era atribuído a anomalias do metabolismo da gordura. Eu ficaria decepcionado se esta informação ficasse diluída na análise (…)”.
Hegsted teria respondido: “Temos ciência do seu interesse particular nos carboidratos e faremos o melhor possível para encobrir esta questão”.
Apesar disso, Cristin e colaboradores reconhecem que “não há comprovação direta que a indústria do açúcar tenha redigido ou modificado o manuscrito do NEJM” e que os indícios de que este setor tenha influenciado suas conclusões são circunstanciais.
A entidade que representa os maiores produtos de açúcar do mundo respondeu ao relatório com o seguinte comunicado: “Reconhecemos que a Sugar Research Foundation deveria ter tido maior transparência em todas as suas atividades de pesquisa; no entanto, quando os estudos em questão foram publicados, a revelação das fontes de financiamento e os padrões de transparência não seguiam as mesmas normas de hoje. Além disso, é um desafio para nós comentar eventos que supostamente ocorreram há 50 anos com base em documentos que nunca vimos. Nós questionamos as reiteradas tentativas desta autora de reformular fatos históricos para alinhar convenientemente ao atual discurso contra o açúcar, particularmente quando as últimas décadas da pesquisa concluíram que o açúcar não desempenha um papel isolado na doença cardíaca”.
Esta descoberta mostra que, apesar de serem as provas mais antigas de que esta influência existe, os conflitos de interesse da indústria do açúcar existem até hoje.