Life is Strange surpreendeu muita gente quando foi lançado. A narrativa e história conquistaram muitos fãs e vários sites especializados consideraram o game como o melhor de 2015. Porém esse não foi o primeiro game da desenvolvedora francesa Dontnod Entertainment, de uma parceria com a Capcom nasceu Remember Me em 2013, que apesar do nome acabou caindo no esquecimento (tá prometo me segurar nas piadas e trocadilhos). O game se passa ano de 2084, nas ruas de Neo Paris, cidade que é controlada pela megacorporação Memorize, empresa criadora do implante cerebral SENSEN (Sensation Engine), que permite que as pessoas digitalizem suas memórias e compartilhem umas com as outras. Porém por trás dessa tecnologia há uma trama de vigilância constante e o controle da população. Portanto, vamos juntos apagar lembranças e implantar outras, além de descobrirmos o que a ciência já sabe sobre memórias e se já é possível altera-las.

No futuro distopico onde a história se passa, jogamos na pele de Nilin uma ex-ladra de memórias que trabalhava para a Memorize, mas foi traída e presa, tendo toda sua memória apagada. Então, liberta e ajudada por Edge, fundador da organização criminosa Erroristas, ela parte em uma jornada de vingança, expondo os perigos letais e o poder de manipulação da tecnologia SENSEN.

A protagonista Nilin. Muito estilo mas pouco carisma

A jogabilidade alterna entre momentos de ação e stealth. O game é bem linear, mesmo que a protagonista possa escalar, saltar e se pendurar em estruturas a exploração acaba sendo bem limitada, já que diversos objetos e até mesmo paredes invisíveis impedem sua passagem em alguns pontos. Essa inclusive foi a maior crítica recebida, a linearidade. O sistema de combate chama a atenção por ser nos moldes de Batman: Arkham Asylum, porém sem a mesma fluidez, aqui é possível montar seus próprios combos através de combo-enhancers desbloqueáveis ​​chamados Pressens. Cada Pressens representa um soco ou chute e habilitam efeitos quando acionados corretamente. São quatro efeitos diferentes, Power que aumenta o dano, Healing que restaura a saúde, Focus que diminui o tempo para o uso de habilidades especiais e Chains que duplica o efeito de certos hits. Portanto, em um combo bem montado é possível aumentar o dano, diminuir o tempo de recarga das skills, duplicar os hits e ainda restaurar a saúde.

O maior destaque em Remember Me é a possibilidade de acessar e alterar memórias. Isso é feito em algumas partes do game onde utilizamos o recurso Memory Remix. O processo é parecido com o que é feito no filme A Origem de 2010, porém com a pessoa acordada. É possível entrar na memória da pessoa e interagir com objetos para que ocorra uma reação em cadeia, mudando o resultado final da lembrança. Um exemplo é quando fazemos com que certa personagem acredite que o namorado doente morreu por erro médico. Com pequenas alterações na posição de certos elementos, como trocar uma mesa de lugar ou desamarrar a maca do paciente resultam nisso.

O ponto de acesso ao SENSEN fica na nuca e possui uma interface em realidade aumentada

SENSEN é o dispositivo responsável pelo acesso às memórias no game, um implante cerebral que digitaliza todas as nossas lembranças e as transforma em arquivos que podem ser alterados ou deletados, como se nossa mente fosse um “hard drive”. Na vida real infelizmente não é bem assim que nosso cérebro funciona, o que torna o processo de deletar ou alterar memórias bem mais complicado.

Na ficção, esse tema já foi abordado por excelentes obras, como o conto de Philip K. Dick, We Can Remember It for You Wholesale que ganhou uma ótima versão para o cinema como O Vingador do Futuro em 1990 pelas mãos de Paul Verhoeven (só considere essa versão, esqueça o que aconteceu em 2012), além do incrível Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças de 2004. Muitas dessas obras abordam o tema como a ciência entendia memória no passado, como “caixinhas de lembranças” guardadas em pontos específicos da nossa mente. Hoje já sabemos que cada memória está “espalhada” por diversas conexões no cérebro.

Se for fazer algum procedimento para apagar suas memórias e te prenderem em uma cadeira, desconfie. Pode ser bem dolorido

Quando você pensa em um objeto, um lápis, por exemplo, o cérebro lembra-se do nome do objeto, sua função, seu formato, o som que faz quando você o aponta. Cada parte da memória do que é um “lápis” vem de uma região diferente do cérebro. A imagem completa desse lápis é reconstruída pelo cérebro a partir de muitas áreas diferentes, como se fosse um quebra-cabeça. Porém novas pesquisas descobriram que o que chamamos de memórias de longo prazo não se mantem estáveis como pensávamos antes, cada vez que o cérebro reconstrói uma lembrança ela pode ser levemente alterada, já que na reconstrução desse “quebra-cabeça” algumas peças não são achadas, sendo substituídas por outras. Isso explica porque algumas lembranças mudam um pouco ao longo do tempo. Podemos até fazer um paralelo com as “remixagens” de memórias no Remember Me, já que é possível realizar pequenas alterações nas lembranças de uma pessoa sem que seu cérebro “entre em pane” depois disso.

Antes de entramos nas pesquisas desse ramo e já que citamos memória de logo prazo, vamos para uma rápida explicação de como o processo de memória se desenvolve.

São três os estágios para que uma informação fique armazenada “definitivamente” em nosso cérebro. Primeiro temos a memória sensorial, que é nossa habilidade de reter informações que chegam através dos sentidos.  Essas informações são analisadas, interpretadas e esquecidas em menos de dois segundos se não forem importantes. Quando a informação é importante ela chega ao próximo estágio, a memória de curto prazo. É nela que a maioria dos seres humanos pode armazenar até sete informações durante mais ou menos trinta segundos, depois disso elas são descartadas ou passam para o próximo estágio, a memória de longo prazo. Aqui vale citar as pessoas com Amnésia Anterógrada, como o protagonista do filme Amnésia de 2000, que não conseguem reter lembranças recentes já que seus cérebros não fazem essa transformação de memória de curto prazo para memória de longo prazo. Na memória de longo prazo a informação é rotulada, conservada e indexada, e como somos seres que administram a maior parte de nossa vida em função do tempo, as memórias de longo prazo são caracterizadas cronologicamente. Agora, de volta à programação normal.

Ficou “claro” como funciona o processo de formação das memórias? (prassódia em homenagem aos nossos amigos do MeiaLuaCast)

Em trabalhos recentes, neurocientistas holandeses utilizaram uma técnica chamada eletroconvulsoterapia (ECT) para apagar memórias de pacientes com algum episódio perturbador. O teste foi realizado em 42 pacientes com depressão grave, eles eram submetidos a duas narrativas traumáticas apresentadas por slides, logo depois precisavam repetir a história que tinham visto, nesse momento, quando se imagina que a memória reativada esteja mais vulnerável, os pacientes receberam a terapia de eletrochoque.  No dia seguinte, os pacientes passaram por um teste de memória de múltipla escolha, aqueles que foram submetidos à terapia de eletrochoque apresentaram um resultado pior do que os que não passaram por esse procedimento. Vale lembrar que a ECT não é nem um pouco divertida, ela produz convulsões e sempre há o risco de danos ao cérebro já que os médicos estão usando eletricidade para fazer essas alterações. Inclusive no game, Nillin possuiu uma skill que usa eletricidade para causar um reset no cérebro dos oponentes, o que muitas vezes deixa-os em estado vegetativo.

Talvez apagar memórias nem seja preciso no futuro, alguns estudos sugerem que existe uma relação entre um químico produzido no cérebro, a noradrenalina (ativada em situações de muito estresse e ansiedade), e as memórias traumáticas. Desse modo, pesquisadores bloquearam a produção desse químico quando era associado a memórias traumáticas. Em três meses, a maioria dos pacientes que participaram desse estudo já tinha superado suas fobias. De acordo com os pesquisadores a ideia não é apagar a memorias e sim torna-las menos estressantes. Até porque de acordo com os estudos, não são exatamente as memórias que nos causam dor e sim as associações que fazemos a elas.

Como ultima curiosidade, recentemente foi identificado o gene que nos ajuda a esquecer, o que pode indicar outra direção para pesquisas nesse ramo.

E ficamos por aqui. Acho que é só, ou esqueci alguma coisa? Como sempre, críticas e sugestões são sempre bem vindas. Para quem não jogou Remember Me recomendo que dê uma chance ao game, com certeza vai se surpreender. Até mais.

Fontes: O Chaplin, Canal TechSciencefiction.com, Portal Educação, Hype Science e Revista Galileu