Em 1996 a Capcom lançou Resident Evil, iniciando uma série que vendeu até hoje 55 milhões de cópias. O game popularizou o gênero survivor horror e com esse sucesso várias outras empresas lançaram seu representante do gênero. Muitos, destes, sendo só copias baratas, mas outros se destacaram, como é o caso de Parasite Eve, game com ótimos gráficos, jogabilidade diferenciada e um excelente enredo que se aprofundou em conceitos científicos, e que hoje será o tema de nossa coluna. Falaremos sobre Parasite Eve e mitocôndrias.
A série Parasite Eve conta com 3 games (com 3rd Birthday sendo quase um spin-off), o primeiro foi lançado em 1998 pela Square Enix (na época ainda Squaresoft, a fusão com a Enix só ocorreria em 2003). A Square, casa dos JRPGs, saiu da zona de conforto e nos trouxe um excelente game de survivor horror com toques de RPG. Uma curiosidade é que Hironobu Sakaguchi e Tetsuya Nomura, hoje considerados lendas, trabalharam no game.
A história do primeiro game (levemente baseada em um livro homônimo) conta os eventos de 1997 em Nova York, onde em espetáculo de opera, a atriz principal Melissa Pearce transforma-se em um ser que se autodenomina Eve, com poderes de controlar as mitocôndrias dos seres vivos, causando mutações e até combustão espontânea das vítimas. Nesse ponto entra a detetive Aya Brea, que é imune a esses poderes. Eve diz que veio para libertar as mitocôndrias da tirania dos seres humanos e que agora elas que serão os organismos dominantes. Diante disso, vamos especular como isso poderia acontecer no nosso mundo respondendo algumas questões, começando com: Afinal, o que são mitocôndrias?
Mitocôndrias são organelas (estruturas que de modo geral estão associadas com a característica de vida de uma célula) presentes na maioria das células animais e que fazem a respiração celular. Em outras palavras, são elas que produzem energia para o nosso corpo. Através de uma reação química, elas usam o oxigênio que respiramos e a glicose que consumimos, transformando-os em água e energia.
O mais interessante é que elas possuem material genético (DNA) próprio, diferente do resto no nosso corpo. Podendo até mesmo gerar suas próprias proteínas e se reproduzindo sozinhas, isso lembra muito o que as bactérias fazem. Essa relação de simbiose teria surgido por volta de 2,5 bilhões de anos atrás, quando células procariotas (células simples sem núcleo definido) “engoliram” arqueobactérias capazes de realizarem respiração utilizando oxigênio, gerando energia para a célula hospedeira, que por sua vez garante alimento e proteção.
Agora que já explicamos um pouco sobre as mitocôndrias, vamos voltar ao game. Já na cena de abertura, Melissa já transformada em Eve, queima a plateia inteira só comandando as mitocôndrias dos presentes. Como vimos antes, a respiração celular libera energia/calor, mas é energia o bastante para queimar um corpo humano? Dificilmente, principalmente porque para queimar um corpo humano é preciso uma temperatura de 800 graus Celsius por umas boas horas. Mesmo se as mitocôndrias incendiassem toda a gordura do nosso corpo não seria suficiente para isso. E vocês lembram que água apaga o fogo? Pois então, nosso corpo é formado por 70% a 75% de água.
Outro ponto é quando Eve diz que veio para libertar as mitocôndrias da tirania humana e assumir o controle do mundo como a nova raça dominante. É um argumento interessante, porém esbarramos em outro porém. Vivemos uma relação de simbiose com as mitocôndrias, então assim como nós precisamos delas para viver, elas também precisam de nós. Ao longo de milhões de anos, nós evoluímos para depender exclusivamente delas para a produção de energia e elas evoluíram para ter o mínimo de DNA possível, pegando “emprestado” o nosso para outras funções essenciais a vida. Mas e se fosse o contrário? Se fossem elas que estivessem no comando?
Quem jogou The Last of Us, provavelmente vai se lembrar do fungo Cordyceps unilateralis. Na vida real esse fungo infecta formigas, alterando padrões de comportamento do infectado. Mas novamente, essa é uma evolução que ocorreu ao longo de milhões de anos, com o fungo se adaptando ao hospedeiro. Se as mitocôndrias estivessem fazendo isso, certamente nós já estaríamos sabendo. Parasite Eve usa a desculpa de que as mitocôndrias sofreram uma aceleração na evolução através de melhorias genéticas realizadas pelo Dr Klamp. Plausível até.
No nome do game (Parasite Eve) também temos uma alusão à uma teoria cientifica, a teoria da Eva mitocondrial. Todas as mitocôndrias do nosso corpo são herdadas de nossa mãe. Tanto o espermatozoide quanto o óvulo possuem mitocôndrias, porém o espermatozoide possui na suas mitocôndrias um composto indicando que elas deve ser destruídsa logo após a fecundação. Então pouco tempo depois da fecundação só restam as mitocôndrias maternas.
Como o DNA mitocondrial é herdado apenas da mãe, ele praticamente não sofre nenhuma recombinação. Com isso, pesquisadores conseguiram rastrear a origem desse DNA ao longo da nossa história evolutiva. Como resultado, descobriram que todos os seres humanos descendem de uma única mulher que viveu na África há cerca de 170.000 anos. A ela deram o nome de Eva mitocondrial.
Então pessoal, chegamos ao fim de mais um texto. Gostaram? Críticas e sugestões são bem vindas, deixem aí nos comentários. Até mais.
Fontes: Videogames Death, Revista Games, Parasite Eve sob o microscópio e Só Biologia