Nem só de grandes empresas e orçamentos milionários vive o mundo dos games (ainda bem). No meio disso tudo existem desenvolvedoras independentes que, com pouco dinheiro, mas com muita vontade de fazer jogos e boas ideias, nos trazem excelentes games. Elas são chamadas de indie, e a Supergiant Games é uma dessas desenvolvedoras. Em 2011 ela lançou seu primeiro game, Bastion, um action/rpg com visão isométrica. Com sua direção de arte incrível e trilha sonora marcante, o game foi sucesso de crítica e público, então não foi surpresa quando todos ficaram animados com o anúncio de um novo game da desenvolvedora. Transistor foi lançado em 2014 e é como um sucessor espiritual de Bastion, mantendo a visão isométrica, a excelente direção de arte além da magistral trilha sonora, porém a temática mudou, aqui estamos em um mundo sci-fi.
No meio de megacorporações e cidades comandadas por máquinas, conhecemos uma “arma” capaz de copiar a mente daqueles que foram mortos por ela. Tal arma armazena essas mentes e as usa na forma de golpes durante o combate. Essas mentes também se mantêm conscientes e falam com a protagonista dando conselhos, como se fossem inteligências artificias. Assim, é esse tema que iremos explorar: Já é possível fazermos uma cópia de nossas mentes? Ou melhor ainda, já é possível uma inteligência artificial ser alimentada com dados de uma pessoa e assim emular o comportamento de tal pessoa? Então não fiquei parado aí, planeje seus próximos movimentos e vamos entrar no mundo de Transistor, descobrindo se uma mente pode ser copiada.
Antes de tudo, um pequeno disclaimer: O tema desse texto é sobre realizarmos uma cópia da mente humana, ou seja, a mente original permanece “intacta” e a cópia se transforma em uma I.A. com a personalidade da mente original.
Isso é diferente de fazermos o upload da mente para outro corpo, máquina ou “rede”. São coisas parecidas mais ainda sim diferentes e, se o segundo caso também te interessou, já deixo aqui a recomendação do excelente texto do Felipe Novaes sobre o tema: Seria possível o upload da consciência?
Esclarecido isso, sigamos em frente. O game segue a história de Red, uma cantora que perdeu sua voz depois de sofrer um ataque durante um show. A cantora só não foi morta porque um homem se jogou na sua frente, se sacrificando por ela. Porém, a consciência desse homem foi copiada para a “arma” que o matou, o Transistor. Red então foge levando consigo a “arma”, que também serve como guia nesse mundo sci-fi, tanto para o jogador quanto para a protagonista, já que a mente copiada do misterioso homem não para de falar um só minuto. Assim, aos poucos vamos conhecendo esse universo, através dos constantes monólogos da consciência no Transistor.
Ao longo da história descobrimos que o responsável pelo atentado a vida de Red é um grupo conhecido como Camerata. Seus membros vão se revelando durante o game e funcionam como chefes de fase, e cada chefe derrotado tem sua mente copiada para o Transistor, liberando novos golpes e movimentos para Red. Essas mentes interagem com Red, contando mais sobre suas histórias de vida e sobre o mundo de Transistor.
No game não fica claro como o Transistor faz a cópia da mente das pessoas, o que podemos afirmar é que, para que isso ocorra, é necessário o contato físico entre a “arma” e o indivíduo que terá a mente copiada. Então vamos conhecer em que pé anda essa tecnologia no nosso mundo e supor como poderia ser o funcionamento da “arma”. Mas antes vamos entender melhor o que é um transistor na vida real e se seu funcionamento serviu de alguma inspiração para o game.
Transistor, de maneira simplificada, é considerado um tipo de interruptor. Ele pode operar como uma chave liga/desliga, porém com diversas configurações direcionando cargas de energia para circuitos elétricos. Eles foram criados na década de 50 com a intenção de substituir as antigas válvulas eletrônicas que regulavam as cargas de elétrons em equipamentos eletrônicos. Sua invenção foi um sucesso e revolucionou o mundo da eletrônica, já que os mesmos eram menores, mais baratos e “transmitiam” mais energia, se comparados às válvulas eletrônicas. É graças aos transistores que hoje temos computadores pessoais (PCs), celulares e nossos queridos videogames.
https://www.youtube.com/watch?v=0kgT66tE7N4
Fazendo uma pequena analogia, um transistor pode ser considerado uma “ponte” entre circuitos elétricos. Aparentemente foi apenas isso que inspirou os desenvolvedores a dar o nome Transistor a “arma” do game, já que essa “arma” serve de ponte às mentes copiadas para o local conhecido como “O País”, uma espécie de matrix ou céu (isso não fica muito claro).
Vamos agora partir para a tecnologia de copiar mentes e conjecturar sobre o funcionamento da “arma” no game.
Infelizmente hoje ainda não temos nada concreto nessa área, porém diversos estudos estão sendo feitos em paralelo. Um exemplo é o curso de conectomia do MIT, em que pesquisadores tentam criar um mapa que contenha todas as conexões do cérebro humano. Já em outro projeto, o “US Brain”, especialistas tentam registrar a atividade cerebral de milhões de neurônios. Na Europa, o projeto “EU Brain” tenta simular essas atividades.
Esses são grandes passos em direção a um ponto em que seremos capazes de copiar um cérebro humano em sua totalidade. Hoje já é possível mapear pequenas amostras do tecido cerebral em três dimensões. Talvez à medida que novas tecnologias forem sendo descobertas, partes escanceadas do tecido possam ser convertidas em informações e rodadas em um simulador.
O próprio Google possui um projeto chamado Google Brain. O diretor do projeto, Ray Kurzweil, diz que acredita ser possível fazer um back-up do cérebro, afirmando que ainda estaremos vivos para ver isso. Nessa mesma linha de pesquisa, um empresário russo, Dmitry Itskov, fundou um projeto chamado de “Iniciativa 2045”, com o objetivo de que em 2045 já possamos fazer uma cópia de nossas mentes. Ainda não foi divulgado nenhum resultado positivo desses projetos, porém, é visível que existem esforços para se desenvolver essa tecnologia.
Uma dificuldade em se copiar mentes hoje é que todos os avanços que conhecemos nessa área possuem métodos extremamente invasivos, sendo difícil até agora evitar a destruição da mente copiada. Isso, de certo modo, explicaria o “porquê” de no game o Transistor só conseguir copiar mentes de indivíduos que foram mortos pela “arma”. Talvez, nesse processo de copiar a mente, seja necessário que o cérebro seja despedaçado.
Ainda nessa linha, pesquisadores da Universidade Tecnológica de Viena, na Áustria, conseguiram copiar o cérebro de um verme para um computador e depois transferi-lo para um corpo robótico. Melhor ainda, o novo “verme” foi treinado para balançar um objeto em sua cauda por um processo similar ao usado para treinar cães. A cópia do cérebro do verme é uma única linha de código que foi inserida no programa do “robô”, não sendo alterada ou programada pelos pesquisadores. Vale ressaltar que o corpo do verme original mede um milímetro de comprimento e tem apenas 300 neurônios, que formam seu sistema nervoso. É uma criatura exatamente simples, mas o processo se mostrou um sucesso e até agora nada indicou que, com melhores técnicas, não seja possível fazer a mesma coisa com animais mais complexos.
Agora uma pergunta: São nossas experiências e as lembranças delas que definem quem somos? Se sua resposta for sim, talvez para copiar sua mente não seja preciso abrir seu crânio. O site Eterni.me oferece serviços que preservam a “consciência” de uma pessoa mesmo depois de sua morte. Através do acesso às redes sociais, e-mails e uploads de fotos e históricos geográficos por onde tal pessoa esteve, o site consegue filtrar e processar essas informações criando um avatar que imita a personalidade do indivíduo. Quanto mais informação o avatar recebe, mais ele se parecerá com o indivíduo.
Segundo Marius Ursache, um dos criadores do site, “A ideia é criar um legado interativo, uma forma de evitar que (a pessoa) seja totalmente esquecida no futuro”. Por enquanto essa tecnologia ainda está “engatinhando”, e talvez o sistema precise receber informações por décadas para que se torne preciso, porém já é um começo e o serviço está em funcionamento. E se você está achando isso muito parecido com um episódio de Black Mirror, acertou. A ideia do serviço é exatamente a mesma mostrada na série. Com a diferença de que o avatar seria apenas virtual, nada de replicantes andando por aí, por enquanto…
E isso é tudo pessoal. Chegamos ao fim de mais um texto, espero que tenham gostado. Esse acabou sendo um tema mais leve, sem muitas “extrapolações”. Fica a recomendação para jogarem Transistor e/ou Bastion, os dois são ótimos games indies que merecem sua atenção e, se possível, ouçam a soundtrack dos games, é maravilhosa. Os links aqui e aqui. Críticas, sugestões ou devaneios existenciais são bem-vindos. Até a próxima.
Fontes: Wikipedia, Transistor Wiki, Tecmundo Transistor, Tecmundo Verme Robô e BBC Brasil