Entrevisto especialmente para o Portal Deviante a Drª Juliana Galhardo, Professora na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande.

Flávia Ward: Estamos acompanhando pelos noticiários e mais diferentes mídias o aumento dos casos deno Brasil e pouca gente sabe exatamente o que é essa doença. Professora, o que é Leishmaniose?

Juliana Galhardo: Leishmaniose é uma doença causada por um parasita muito pequeno, um protozoário chamado Leishmania. Essa Leishmania é transmitida por um vetor, conhecido como mosquito-palha, birigui, cangalha ou tatuquíra. Esse vetor também é muito pequeno e se multiplica no solo e em restos de matéria orgânica em decomposição – fezes de animais, folhas, frutas… A leishmaniose pode se manifestar na pele, a leishmaniose cutânea, e aparece como lesões arredondadas com bordas bem definidas que não cicatrizam. Existe também a leishmaniose visceral, que se manifesta nos órgãos e a pessoa apresenta febre alta, aumento do tamanho do fígado e do baço, emagrecimento, anemia e outros sintomas. A leishmaniose visceral é mais grave que a cutânea porque se confunde com outras doenças e, muitas vezes, leva à morte. Outro problema da leishmaniose visceral é a urbanização: o vetor que transmite a Leishmania se adaptou muito bem às áreas urbanas e encontrou um reservatório “perfeito” para se alimentar, que é o cão doméstico. Então, nas áreas urbanas, o ciclo de transmissão que tem acontecido é: temos os cães infectados, os vetores que vão picar esses cães e também vão picar as pessoas, transmitindo a Leishmania entre cães e pessoas. Os cães adoecem mais rápido que as pessoas, por isso percebemos a circulação da doença mais rápido nesses animais.

F.W: Por que desse aumento? É o mosquito? O clima? Saneamento básico? Deslocamentos?

J.G: É um conjunto de motivos que colabora com o aumento do número de casos de leishmaniose visceral. Devemos pensar conjuntamente em urbanização desorganizada, associada à ocupação de áreas sem planejamento urbano e sem o devido saneamento básico. As alterações climáticas e a migração de pessoas e animais também colaboram muito para a transmissão da doença, incluindo a adaptação do vetor, que antes era de áreas silvestres e agora está adaptado às áreas urbanas. Veja, é uma doença causada por um minúsculo protozoário e transmitida por um pequenino mosquito-palha, mas bem complexa!

F.W:E existe cura? Tratamento?

J.G: Para as pessoas, existe tratamento gratuito na rede do SUS. O tratamento é longo e deve ser feito por completo, pois o parasita se esconde em tecidos como fígado, baço e medula, que são difíceis do medicamento chegar – por isso são usados medicamentos fortes e o paciente tem que ter acompanhamento médico. Se o paciente for portador de doenças crônicas ou outras enfermidades, precisa de mais atenção e cuidados ainda.

Para cães, recentemente foi autorizado pelos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Saúde um medicamento para a terapia da leishmaniose canina, que somente o médico veterinário pode indicar. O cão tratado tem que receber acompanhamento para o resto da vida, pois pode permanecer como portador do parasita mesmo sem sintomas – isso se chama cura clínica, sem cura parasitológica, ou seja, não tem sintomas mas ainda tem o parasita no organismo. Para fins de saúde pública, a eutanásia do cão com leishmaniose é indicada.

F.W: Como eu trabalho mais com medicina veterinária preventiva e tenho como lema de vida “é melhor prevenir do que remediar”, como é feita a prevenção?

J.G: Para prevenir, precisamos lembrar que o parasita é transmitido pelo vetor. Então a primeira coisa é evitar o vetor. Como medidas básicas, devemos utilizar repelentes e roupas compridas; evitar sair ao entardecer e à noite (os horários de atividade do vetor); utilizar repelentes nos cães – coleiras repelentes ou soluções pour-on; utilizar telas finas em janelas e portas; manter o quintal limpo, removendo diariamente as folhas, frutas, fezes dos animais e matéria orgânica em decomposição. Uma solução para esta última é usar composteiras, em áreas que exista muita matéria orgânica.

Outra medida é borrifar, a cada 3 meses, uma solução de deltametrina (conforme a bula) nas paredes da área externa e interna da residência, inclusive rodapés, lembrando de utilizar os equipamentos de proteção individual e de retirar as pessoas e animais da casa antes de borrifar o veneno! É necessário também tomar estes cuidados de limpeza e borrifação no alojamento do cão, para evitar a permanência do vetor na casa do cachorro.

F.W: É aí que entra o Leishnão, trabalho interdisciplinar para a prevenção da Leishmaniose! Qual a história e como funciona esse projeto?

J.G: O LeishNão é um projeto que existe desde 2013. Levamos essas informações sobre a leishmaniose para todos os públicos interessados, na forma de teatro, jogos, brincadeiras, feira de ciências e outras atividades diversas. Assim, o público aprende, se diverte e nós levamos a educação em saúde sobre leishmaniose visceral. Atuamos em escolas, igrejas, comunidades, em conjunto com outros projetos ou isoladamente e, além das atividades presenciais, também mantemos as redes sociais que ajudam a divulgar a informação pela Internet. Participam do projeto estudantes dos cursos de veterinária, enfermagem, biologia, farmácia e qualquer outro interessado. Aqui temos as portas abertas sempre!

(Página no Facebook do Leishnão)

F.W: Você apresentou esse projeto em Seoul esse ano, no Congresso Mundial de Veterinária, conjuntamente com a One World, One Health. Como foi essa parceria?

J.G: Veja como a internet é importante! Através das redes sociais o LeishNão passou a ser conhecido pela One Health Brazil Latin America (OHBLA), uma associação que atua com saúde única e é parceira da World Veterinary Association – que organizou o congresso mundial deste ano na Coreia do Sul. A OHBLA nos incentivou a enviar nosso trabalho para o evento e conquistamos o prêmio, que foi o financiamento da viagem e a estadia. Fomos o único trabalho da América do Sul premiado no evento! E tudo começou com a divulgação do LeishNão nas redes sociais!

F.W: Quais as reais perspectivas para a pesquisa, para a educação em saúde e a prevenção da Leishmaniose?

J.G: Há muito o que ser feito. Por ser uma doença complexa, precisamos de muitas respostas e ações conjuntas! Algumas perguntas que precisam ser respondidas ou necessidades a serem conquistadas são:

– Sobre o vetor: o combate e prevenção efetivos, a resistência e suscetibilidade aos inseticidas, a real distribuição dos vetores nos diferentes municípios do Brasil, os mecanismos de sobrevivência e adaptação nas áreas urbanas e periurbanas;

– Sobre a doença: a capacitação das equipes médicas para o diagnóstico precoce, o desenvolvimento de melhores técnicas de diagnóstico para pessoas e animais e de novas substâncias para tratar a doença com menos efeitos colaterais e sem recidivas;

– Sobre a saúde pública e o saneamento:  a ampliação do acesso à saúde em si e ao saneamento básico, associados aos planos diretores e realidades epidemiológicas de cada município;

– Sobre a educação em saúde: a melhora da linguagem e dos métodos pedagógicos para sensibilizar a população e ampliar o acesso ao conhecimento e às práticas em saúde.

 

Muitíssimo obrigada, professora Juliana. O Portal Deviante agradece sua entrevista e vamos seguir em frente no trabalho de prevenção e divulgação!


Flávia Ward, médica veterinária, guardiã de Popó, mestre em medicina veterinária preventiva, miçangueira intelectual, adora um dedim de prosa.