Os crimes violentos são cometidos em sua ampla maioria por homens. Isto pode ser facilmente comprovado por qualquer estatística sobre o tema ou, até mesmo, com uma simples inspeção rápida em alguns presídios. Homens são responsáveis por 95% dos homicídios no mundo. Desde a infância, os meninos tendem a se envolver mais em brigas, a imitar cenas violentas de filmes e de desenhos animados em suas brincadeiras e a atacar verbalmente outras crianças, colocando apelidos maldosos ou insultando. Esta agressividade é chamada de “coisa de menino” por muitos pais, sendo socialmente aceita e, não raras vezes, incentivada.

A violência é um problema complexo. As causas da agressividade humana envolvem a genética, padrões de ativação cerebral, hormônios, fatores ambientais e ecológicos (como o acesso à educação, alimentos e outros recursos), a história evolutiva da nossa espécie e também a nossa cultura – a qual quase sempre recebe um frágil e hipócrita verniz pacifista, mas que é, em grande medida, uma cultura competitiva e violenta. Portanto, podemos dizer que a agressão é um comportamento multifatorial e heterogêneo, influenciado por características ambientais e biológicas. Estas são palavras “metidas a besta” para dizer que a agressividade depende da interação de diversos elementos para explodir em violência, o que inclui o gênero da pessoa. Contudo, para entendermos qual a importância que o sexo e o gênero desempenham na agressividade humana, precisamos primeiro saber de que tipo de agressão estamos falando.

 

Todo comportamento com a intenção de causar algum tipo de dano a alguém é comportamento agressivo

 

A agressão é um termo que agrega diferentes padrões de comportamentos, os quais possuem “funções sociais” distintas. Ou seja, não podemos considerar a agressão como uma coisa só.

Tendo isso em mente, podemos classificar a agressão quanto à forma na qual ela é manifestada. Assim, teremos uma diferenciação entre agressão direta e indireta. A agressão direta é aquela em que os comportamentos (físicos ou verbais) apresentam uma clara intenção de causar dano direto a alguém. Socos, chutes e xingamentos são agressões diretas. Já a agressão indireta é caracterizada por um comportamento mais complexo, que exige mais etapas para a sua finalidade, visando causar prejuízo às relações sociais de uma pessoa ou de um determinado grupo. A exclusão social, o incentivo ao bullying e a zombaria disfarçada de “humor” são exemplos típicos da agressão indireta. De certo modo, a agressão indireta é uma terceirização da agressão, deixando a ação do agressor apenas implícita. Isto a torna mais facilmente aceita pela sociedade. Porém, embora este tipo de agressão seja menos evidente (não há olhos roxos ou manchas de sangue em camisetas), ela continua sendo danosa; ela é o primeiro passo do bullying, da xenofobia e do racismo, por exemplo.

Indiscutivelmente, os homens costumam demonstrar uma maior propensão à agressão direta do que as mulheres. As mulheres tendem a usar mais a agressão indireta; não necessariamente mais do que os homens, no entanto, este é o tipo de agressão predominante no universo comportamental feminino. Mesmo em crianças e adolescentes, os meninos são mais inclinados a manifestar comportamentos agressivos diretos, principalmente do tipo físico, enquanto meninas tendem a ser mais agressivas indiretamente e com maior frequência demonstram rejeição social deliberada. Proporcionalmente, os meninos apresentam tanta agressão indireta quanto as meninas, mas já é surpreendente não haver um predomínio masculino nesse tipo de agressividade, dado o enorme dimorfismo sexual visto para a agressão direta.

O comportamento agressivo feminino pode ter evoluído de modo a evitar agressões físicas, as quais poderiam pôr em risco uma eventual prole. Em resumo, evolutivamente, já que homens eram facilmente substituíveis para manter o sucesso reprodutivo, eles poderiam se espancar até a morte que isto não atrapalharia a sobrevivência da espécie. Levando em consideração os números sobre mortes de homens jovens assassinados por outros homens jovens no Brasil, resta a dúvida se isso mudou muito nos últimos 100 mil anos.

Viés de Gênero

A agressão indireta costuma receber menos atenção nas pesquisas sobre comportamento agressivo, que tendem a dar mais ênfase para questões relativas a violência física. Isto pode ajudar a subestimar os efeitos da agressão indireta e a estereotipar o comportamento agressivo feminino. As mulheres costumam ser vistas como dóceis e gentis. Algumas mulheres podem considerar esses atributos como desejáveis; porém eles são apenas uma redução das possibilidades e da diversidade comportamental feminina. Assim, quando uma mulher age de forma mais agressiva ela é chamada de “louca” ou “desequilibrada”. Implicitamente, a expressão “coisa de menino” ainda ecoa na mente dos observadores quando duas mulheres discutem mais intensamente no trânsito ou em um bar, o que pode ser considerado uma terça-feira qualquer no universo comportamental masculino.

Os estereótipos de gênero ligados à agressividade também podem afetar a ascensão profissional das mulheres. Victoria Brescoll, da Universidade de Yale, e colegas já demonstraram através de alguns experimentos que, quando uma mulher expressa raiva em um contexto profissional, ela é tratada de modo diferente, quando comparada com um homem expressando a mesma reação emocional e nas mesmas condições. Ou seja, uma mulher com raiva é percebida por observadores da cena como uma pessoa descontrolada, sendo atribuídas a ela motivações internas para tal reação (por exemplo, “ela deve ser uma pessoa raivosa” ou “ela não se controla”). Entretanto, quando homens expressam os mesmos comportamentos, a interpretação social é consideravelmente mais positiva, sendo chamados de “confiantes” e “fortes”. No mesmo cenário profissional, quando é um homem que expressa raiva, os expectadores atribuem a ele motivações externas (e.g., “deve ter acontecido alguma coisa para ele estar reagindo assim”). Mesmo as agressões físicas são por vezes justificadas para homens, sendo consideradas naturais ou adequadas, seja no bar, seja no trânsito (ou no futebol, em um show, jogando War…).

https://youtu.be/koPmuEyP3a0

O viés de gênero traz prejuízos reais paras as mulheres quando elas querem ser mais do que  “belas, recatadas e do lar”. Nada contra o recato das antigas princesas da Disney, desde que isso não sufoque a existência de mulheres como Beatrix Kiddo, Imperatriz Furiosa, Lagertha e Rey, dentre outras com perfis tão diversos que têm surgido atualmente no mundo pop (tão pudicamente homogêneo no passado). Aliás, como diria Charles Darwin, a diversidade é o segredo do sucesso!

A diversidade também vale para a expressão da agressividade. É óbvio que ninguém quer que uma mulher (ou qualquer outro ser vivo) saia por ai cortando cabeças dos outros com uma katana. Contudo, o público feminino também pode satisfazer o seu lado sádico ao ver um thriller de vingança protagonizado por uma mulher nos cinemas ou na literatura. Também é saudável conhecer o seu lado sombrio. A sua agressividade e a sua raiva, desde que não virem agressão ou violência, podem te dar boas pistas sobre o que incomoda você no seu dia-a-dia. Conhece-te a ti mesmo e, assim, não serás refém dos seus desejos ocultos e da impulsividade.

Sem diversidade, sem seleção natural!

Em resumo, a agressividade não pode ser considerada um traço tipicamente masculino. O comportamento agressivo não é “coisa de menino” e nem uma expressão de masculinidade – caso contrário, seguindo a mesma lógica (predomínio de ocorrência dentre homens), o homicídio, o estupro e a pedofilia também seriam características masculinas. Essa simplificação ignora a complexidade do problema, que depende do tipo de agressão, das bases neurobiológicas e de questões sociais envolvidas. A população feminina também demonstra níveis consideráveis de agressividade; no entanto, há uma grande pressão social que impacta duplamente as mulheres. Por um lado, essa influência social ajuda a negligenciar os danos da violência que também é cometida por mulheres e meninas, mascarando e ignorando os efeitos potencialmente nefastos da agressão encoberta e indireta. Por outro lado, ela deforma a manifestação saudável da agressividade e da raiva feminina, produzindo culpa, vergonha e preconceito, enquanto valoriza a agressão masculina. Tais estereótipos sobre a natureza do comportamento agressivo criam normas de aparente docilidade para as mulheres e de masculinidade tóxica para os homens. No final, ninguém ganha nada com isso.

 

Referências e Sugestões para Leitura:

Archer, J. (2004). Sex Differences in Aggression in Real-World Settings: A Meta-Analytic Review. Review of General Psychology, 8(4), 291–322.

Brescoll, V. L., & Uhlmann, E. L. (2008). Can an Angry Woman Get Ahead?: Status Conferral, Gender, and Expression of Emotion in the Workplace. Psychological Science, 19(3), 268–275.

Cabral, J. C., & de Almeida, R. M. (2019). Effects of anger on dominance-seeking and aggressive behaviors. Evolution and Human Behavior, 40(1), 23-33.

Campbell, A. (1999). Staying alive: Evolution, culture, and women’s intrasexual aggression. Behavioral and Brain Sciences, 22(2), 203–252.

de Almeida, R. M., Cabral, J. C., & Narvaes, R. (2015). Behavioural, hormonal and neurobiological mechanisms of aggressive behaviour in human and nonhuman primates. Physiology & Behavior, 143, 121–135.