Vivemos em um século em que a medicina é Pop, graças a popularização de séries como Gray’s Anatomy e Dr House, além de semanários televisivos como o Fantástico cativando o grande público com esse curioso universo da medicina. No entanto ainda romantizam ou não esclarecem uma dúvida crucial de todos que foram ou ainda serão pacientes: como um médico atualmente escolhe um tratamento?
Não é de surpreender que boa parte da população ainda imagine o médico escolhendo o que vai fazer com seus pacientes e com a sua doença segundo um modelo que predominou do surgimento da medicina até meados do século XIX. Esse Doutor Tiranossauro [figura 1] (chamemos carinhosamente assim) escolhia sua terapêutica baseado em livros clássicos, no que aprendeu com os “grandes mestres” e, acima de tudo, na sua experiência pessoal. Portanto o Dr Tiranossauro dependia do lançamento de livros novos (o que naqueles tempos podia demorar décadas), na experiência e qualidade dos seus professores e, principalmente, na quantidade de pacientes atendidos na sua prática clínica. Para ele, a opinião do paciente sobre seu tratamento era um mero detalhe que não valia muito a pena ser considerado. Um médico recém-formado nessas condições era assustadoramente exposto a chance de tomar decisões equivocadas.
Mas qual foi o ponto da virada? Como o Dr Tiranossauro foi extinto? E quem assumiu seu lugar?
Essa nova medicina começou a ser gerada em meados dos anos 60-70, quando a epidemiologia clínica começou a chamar a atenção da comunidade médica. Epidemiologia é o estudo das populações e sua aplicação clínica, o estudo da relação dessas populações e das suas doenças. A epidemiologia clínica teve seu grande momento nessa época ao desvendar os fatores de risco para doenças que afetam o coração (estudo Framingham). Logo as escolas médicas começaram a perceber que o raciocínio terapêutico poderia beber da fonte da epidemiologia clínica. Por que limitar a chance de um médico tomar a melhor decisão apenas à observação de algumas centenas de pacientes através de um único observador ao longo de vários anos, quando você poderia acessar dados gerados através de estudos com dezenas de milhares de pessoas? Os médicos menos experientes estavam finalmente tendo acesso a uma medicina mais segura para os seus primeiros pacientes.
A partir desse casamento entre a epidemiologia e a prática clínica, nasceu nos anos 80 a sua filha brilhante: a medicina baseada em evidências. Essa, ao ter como ponto central o acesso dos médicos aos estudos populacionais feitos pelo mundo, conseguiu uma grande aliada na década de 90: a internet. Agora todos poderiam de qualquer lugar, a qualquer momento, ter acesso ao que se produzia de ciência médica por qualquer pesquisador do mundo! Durante a década de 90, o contato inevitável pela internet do Dr Tiranossauro com essa nova forma de pensar o fez evoluir para o Dr Evidência [figura 2].
O Dr Evidência não queimou os livros clássicos, ele os reescreveu baseado nos estudos populacionais. Não deixaram de surgir grandes mestres, agora eles produzem os melhores e mais confiáveis estudos. A experiência, o estado de arte da medicina, não se tornou apenas barbas e cabelos brancos, agora ela dedica-se a melhor aplicação desses estudos coletivos para cada paciente individualmente. Esse novo Dr Evidência começou até a ouvir a opinião dos seus pacientes! Os estudos populacionais mostraram que a participação deles no processo de escolha era peça fundamental no sucesso dos tratamentos.
Para se aprofundar:
-Artigo didático sobre medicina baseada em evidência: http://www.scielo.br/pdf/%0D/ramb/v46n3/3089.pdf
-Fluxograma das fases de desenvolvimento de um tratamento: https://ciencianamidia.files.wordpress.com/2013/12/pesquisa.jpg
-Classificação de nível de evidência: http://3.bp.blogspot.com/-RAv1wAYEClE/UifPQm1HqqI/AAAAAAAAGK8/zQlkZ87I_Ik/s1600/Screenshot+2013-09-04+at+21.23.28.png
-Blog que me inspirou a fazer o texto: http://medicinabaseadaemevidencias.blogspot.com.br/
Diogo “Black” Ribeiro. Médico, com especialização em Cirurgia Geral e Coloproctologia. Aprendeu a ler com a revista superinteressante, e viaja para os plantões escutando Scicast. Após reclamar de como as pessoas não dão bola pra ciência levou um sermão da esposa, biológa com mestrado, que a culpa de existir o ignorante é da falta de empenho de quem tem o conhecimento. Desde então empenha-se em aprender a escrever textos de divulgação científica para que a filha Júlia de 2 meses leia um dia.