Em fevereiro de 2011, a americana Kelly Dwyer, de 51 anos, caiu em um buraco no gelo e foi resgatada com uma temperatura corporal de 15°C e pulsação tão fraca que mal podia ser percebida. Antes de chegar a ambulância, seu coração já havia parado. Os paramédicos tentaram reanimá-la por três horas, reaqueceram seu corpo, mas sua temperatura estacionou nos 21°C e, aparentemente, nada funcionava. Kelly foi levada para um centro médico vizinho, onde foi ligada a um aparelho que aqueceu, filtrou e oxigenou o sangue dela, fazendo com que a sua temperatura voltasse ao normal. Depois de 5 horas clinicamente morta, seu coração espontaneamente começou a bater novamente.
Trazer as pessoas de volta do “Mundo dos Mortos” deixou de ser apenas ficção. Graças às melhorias na tecnologia e no conhecimento sobre a fisiologia humana, as chances de sobrevivência ‘no limite’ tem aumentado cada vez mais. E isso faz com que alguns médicos e cientistas testem hipóteses um pouco mais ousadas: “E se o paciente pudesse ser induzido a um estado de quase-morte para aumentar suas chances de sobrevivência?”. Apertando o ‘pause’, os médicos poderiam ganhar tempo precioso que podem ser a diferença entre a vida e a morte.
Vários cientistas e médicos em todo o mundo estão nesse exato momento em busca de maneiras para deixar a vida em ‘stand by’, a fim de realizar cirurgias sem a ameaça de hemorragias até a morte em pacientes ou para evitar danos nos tecidos em tratamentos cardíacos. Uma das opções é o uso de uma solução salina congelante nas veias dos pacientes. Outros cientistas pesquisam uma droga capaz de deixar o corpo em animação suspensa. O Departamento de Defesa americano está fortemente envolvido, tentado evitar baixas em ação: 90% das vítimas de guerra morrem por sangramento no campo de batalha. Em 2010 eles lançaram uma iniciativa de US$ 34 milhões chamado Biochronicity – um projeto de pesquisa interdisciplinar para descobrir como manipular o nosso relógio biológico. O objetivo seria permitir que soldados feridos em campo de batalha pudessem sobreviver por mais tempo, ou indefinidamente, até que fossem levados a um lugar preparado para tratar o ferimento.
Outra iniciativa é a do Dr. Mark Roth, que já pesquisa casos parecidos com o de Kelly há 20 anos. Dr. Roth já ganhou um prêmio MacArthur por seu trabalho manipulando o relógio biológico de peixes pequenos e minhocas de jardim. Até o inicio dos anos 2000, os experimentos de Roth se limitavam às criaturas minúsculas, como vermes e peixes, então, uma noite assistindo a um documentário sobre espeleologia ouviu falar sobre uma caverna no México onde pesquisadores desmaiavam por causa de gases contidos nela. Respirando muito desse gás, seu corpo entra em colapso, ficando aparentemente morto. Mas levado pra fora da caverna, a pessoa pode ser reanimada sem danos. Roth então começou a testar esse gás em ratos e conseguiu induzi-los a um estado de suspensão reversível, sem danos neurológicos, assim como aconteceu com os espeleologistas no México.
A partir daí, ele vem trabalhado com outros gases mortais, que chama de “Agentes Redutores Elementares” (ERA em inglês). Esses gases em pequenas quantidades podem retardar o uso de oxigênio de um corpo, e o objetivo de Roth é desenvolver uma droga injetável usando ERAs para, por exemplo, evitar o dano causado pela reperfusão após um ataque cardíaco, o que leva a insuficiência cardíaca crônica – a principal causa de mortes no mundo.
Os testes em suínos foram um sucesso, e a expectativa de Roth é que a sua empresa, Faraday Pharmaceuticals, comece a experimentar os ERAs em pacientes humanos no inicio de 2017. De acordo com ele, os ERAs poderão ser usados em vários procedimentos médicos, como transplantes de órgãos e de membros, e traumas de emergência como acidentes automobilísticos e ferimentos a bala.
Outra abordagem diferente é a do Dr. Sam Tisherman, diretor de um centro de estudo de traumas na Universidade de Maryland, em Baltimore. Tisherman resfria os pacientes a um estado hipotérmico, induzindo um estado como o de Kelly Dwyer. Para isso, substitui parte do sangue do paciente por uma solução salina congelante, reduzindo rapidamente a temperatura do paciente a 10°C. Induzindo o paciente a um estado hipotérmico é possível reunir uma equipe e operá-lo com tempo, e depois retomar o fluxo sanguíneo normal, reaquecendo gradualmente o paciente.
Há mais de duas décadas, Tisherman e seus colegas vem aperfeiçoando esse procedimento em animais, e em 2014 receberam o sinal verde do FDA para começar os testes em humanos. Apesar de não revelar se algum paciente humano já foi operado, se for obtido o mesmo sucesso que os testes com animais, as chances de sobrevivência em traumas graves podem dobrar.
É claro que salvar pacientes em hospitais cheios de equipamentos de ponta é uma coisa, já salvá-los no campo de batalha – sem acesso a equipamento ou instalações adequadas – é outra bem diferente. Esse é o desafio que impulsiona Matthew Martin, cirurgião de campo das forças armadas americanas. Depois de quatro passagens pelo Iraque e Afeganistão, Martin tenta alcançar os mesmos resultados que Tisherman, sem o caro equipamento que seria impossível de ser levado pras linhas de frente de batalha. E isso significa usar produtos químicos – e não exatamente o frio – para retardar o relógio biológico. Sua ideia é reduzir o fluxo sanguíneo o máximo possível – ou se possível interrompê-lo – sem prejuízos para o paciente, para que ele possa ser transferido do campo de batalha para um centro cirúrgico.
Martin está examinando os efeitos fisiológicos de uma droga experimental em porcos, com o objetivo de criar uma droga que possa ser levada pelo médico de campo já em uma seringa. Durante um combate, ele poderia usar em qualquer soldado que seja gravemente ferido, e com isso, iniciar o processo de animação suspensa, dando ao soldado mais tempo para que seja levado a um centro cirúrgico. Ele e seus companheiros já identificaram uma série de enzimas que ajudam a regular o metabolismo, além de uma droga capaz de controlar a atividade dessas enzimas.
A evolução da ciência e da medicina hoje já começa a nos permitir contornar alguns estados que eram até então considerados definitivos. Passo a passo o homem aprende os meios de driblar a sua inimiga inexorável, a morte. E quando será que essa vitória chegará? Espero estar vivo pra ver…
Fonte: Popsci