Ava Winery (“Vinícola Ava”, uma brincadeira com a sigla americana AVA, que significa American Viticultural Area, nome dado às regiões onde se plantam uvas nos EUA) é uma start-up americana que resolveu criar vinho – ou algo com gosto semelhante – sem utilizar absolutamente nenhuma uva, ignorando-as totalmente, e indo direto para as moléculas, combinando produtos químicos aromatizantes e flavorizantes com etanol e água para reproduzir a experiência de vinho, sem replicar o processo.
Na verdade, é questionável se pode-se chamar legalmente a empresa de vinícola, ou rotular seus produtos como o vinho. Fundada no ano passado por Mardonn Chua e Alec Lee, ex-colegas de faculdade com experiência em biotecnologia e educação científica, Ava se originou a partir de um desejo de fazer as experiências com os vinhos mais exclusivos. Seduzidos por uma garrafa inatingível de Chateau Montelena de 1973, o vinho Chardonnay da Califórnia que conquistou a França no famoso “Julgamento de Paris”, Chua e Lee se perguntaram se poderiam reproduzi-lo quimicamente, molécula por molécula, sem nunca tocar em uma uva. Com a química sintética, eles poderiam “transformar água em vinho” em quinze minutos.
Essa ideia não é novidade. No século XIX, produtos químicos sintéticos foram usados para adicionar sabor a álcool neutro. Um editorial de 1858 na revista Scientific American protestou contra químicos que vendiam “aromas para produzir, a qualquer momento, um licor desejado”, desde vinho até whiskey. Mais recentemente, Thomas Hofmann, um químico da Universidade de Munique, produziu misturas de produtos químicos sintéticos que reproduzem fielmente o aroma de certos vinhos, utilizando técnicas que combinam a análise sensorial e química. No caso da Ava, nem Chua nem Lee tem experiência com produção de vinho, nem com a química do sabor – embora eles estejam trabalhando com um sommelier, que preferiu permanecer anônimo.
O primeiro lançamento da Ava é uma versão sintética do Dom Perignon de 1992. Para produzi-la, a empresa enviou amostras do original a laboratórios analíticos, que utilizam várias formas de cromatografia gasosa e espectrometria de massa para isolar e identificar seus componentes. O desafio é interpretar estes resultados que geralmente são inconsistentes: descobrir quais compostos contribuem para o sabor, obter esses compostos de fornecedores de produtos químicos, e em seguida, recombiná-los nas quantidades adequadas, um desafio hercúleo, já que alguns compostos aromáticos são usados em concentrações de partes por bilhão ou até menos.
Então, qual é o gosto? Relatórios de versões iniciais não empolgam muito. Lisa Grossman da revista New Scientist experimentou um “moscato” e disse sentir suaves notas de “boia plástica de tubarão” e “gasolina”.
Além de aperfeiçoar a fórmula, a start-up ainda terá que lidar com o licenciamento e regulamentação dos produtos antes de poder vender qualquer garrafa. Os beberrões curiosos podem se inscrever para uma das 499 garrafas do Dom Perrignon 1992, que serão vendidos por US$ 50,00, mas não serão cobrados por isso até que todos esses problemas sejam resolvidos.
Lee admite que este é, tecnicamente, um projeto extremamente difícil, mas insiste que não difere de qualquer outra tentativa em curso de produzir alimentos sintéticos, como a carne cultivada em laboratório.
Lee vê a Ava como parte de uma vanguarda de start-ups tecnológicas, trabalhando em direção a uma transformação radical na produção de alimentos. Empresas como a “Soylent and Impossible Foods”, que não têm nenhuma reverência à tradição agrária de “trabalhar a terra”, e ao invés disso, abraçam os ideais de engenharia, como eficiência e transparência. De fato, Lee argumenta que Ava é muito mais transparente do que a “maior parte da indústria do vinho”, onde os aditivos são usados, mas mantidos fora dos holofotes. Chua, seu co-fundador, publicou no Reddit, no inicio desse ano, sua fórmula completa de uma tentativa anterior de emular um chardonnay Kendall-Jackson. “Nossos clientes sabem exatamente o que estamos fazendo”, diz Lee.
Neste sentido, a escolha ambiciosa da empresa de tentar replicar o vinho – uma substância com profunda importância ao longo da história e da cultura humana – é crucial para entender sua visão. “O vinho em si já possui uma aura romantizada”, explica Lee. “Se a empresa consegue quimicamente replicar tal parte significativa da ‘cadeia alimentar cultural’, aí sim será possível começar a mudar as mentes das pessoas”.
Lee prevê um futuro onde todos os alimentos serão sintéticos e nosso apetite será saciado por “replicadores automáticos”. “Diga ao seu replicador o que você quer comer e ele providenciará. E você vai gostar. Não há nada assustador nisso”. Ele admite, “eu posso estar errado sobre a escala de tempo que demorará para que aconteça, pode não acontecer na minha vida”, mas assegura, “é inevitável”. A este respeito, os “vinhos” da Ava podem ser vistos como um meio de desarmar as “minas terrestres” culturais e comerciais que persistem em torno da palavra “sintética”.
Então, se você está disposto a experimentar um estilo de vida sintético, inscreva-se para comprar um lançamento da Ava. Provavelmente não terá o sabor de algo de milhões de dólares, mas com certeza, terá sabor de futuro!
Fonte: Popular Science