Vamos por partes: um estudo conduzido por uma equipe do Centro de Cirurgia e Saúde Pública do Brigham and Women’s Hospital, sediado em Boston, descobriu que dentre os funcionários do hospital, aqueles que usavam barba foram menos propensos a serem colonizados por Staphylococcus aureus simples ou os resistentes à meticilina (os infamemente conhecidíssimos MRSAs). Embora os autores deixem claro que o estudo tem limitações de amostragem, pouco controle de fatores externos e que as taxas totais de colonização por bactérias não diferiram muito entre os funcionários com e sem barba, o principal achado foi que certos tipos de bactéria (como as citadas acima) tiveram uma prevalência menor naqueles trabalhadores com rostos não escanhoados.
Mesmo com ressalvas, a importância deste estudo reside no fato de que há muito se sabe que jalecos e gravatas usados por médicos são fontes potenciais de contaminação causando as famosas e muitíssimo perigosas infecções hospitalares. E, por analogia, sempre se pensou que a barba, que desde tempos imemoriais tem a má fama de ser algo sujo, pudesse ser uma fonte ainda mais problemática de micro-organismos perigosos para pacientes debilitados. Mas, como tudo em ciência (e também na vida), se não for provado, não é verdade. E eis aí: Billy Gibbons tem um potencial menor de transmitir bactérias patogênicas do que Justin Bieber sob as mesmas condições de temperatura e pressão.
Lendo este artigo e sua repercussão na mídia, lembrei na hora daquelas notícias bombásticas alertando que tudo é mais sujo do que uma privada. Se o sujeito controlar por alguns segundos o impulso de sair tirando conclusões precipitadas a partir da leitura de um título e colocando somente dois neurônios para fazer sinapse, pode-se chegar a duas explicações bastante simples sobre estes resultados. Primeiro, salvo alguns locais não recomendados, limpa-se uma privada muito mais vezes do que um celular, por exemplo. Portanto, com certeza uma privada, em certos aspectos, terá menos bactérias do que objetos do cotidiano que não veem um paninho úmido com frequência (às vezes nunca).
Em segundo lugar, o que nunca se discute nestas “reportagens” (muitas aspas aqui) é que tipo de bactéria se encontra em um celular ou em uma nota de dinheiro. Fica parecendo que todas as bactérias são seres de outra dimensão enviados para destruir a humanidade com um simples toque. Assim que você colocar seu celular, com o logo da maçã mordida, no ouvido (alguém ainda faz isso?), um exército de seres microscópicos entrará pelo canal auditivo, chegará ao seu cérebro e você estrebuchará em uma cama de hospital com uma doença terrível para a qual não há mais antibióticos disponíveis, porque, como se sabe, a humanidade está perdendo a guerra contra as bactérias.
Isto é um problema? Sem dúvida. Quem está ardendo em febre com uma infecção bacteriana quer mais é que o antibiótico (só com receita médica, certo amiguinhos?) faça efeito rápido e com a menor quantidade de efeitos colaterais. Todavia, não esqueçamos que a resistência bacteriana é fruto, em grande parte, da germofobia existente e disseminada. Tomam-se antibióticos demais e para doenças as quais eles não fazem o menor efeito (alguém falou em infecções virais aí?), fora aqueles sabonetes que prometem eliminar 99,99999% dos germes (cada vez aumentam mais as casas depois da vírgula) e um “porrilhão” de outras coisas. Sinto dizer, mas isso é paranoia! Temos mais células bacterianas em nosso corpo do que células próprias. Algumas partes do corpo humano precisam muito das bactérias para funcionarem corretamente, tipo boca, nariz, vagina e intestinos. A falta de bactérias da biota normal nestas partes pode causar problemas sérios.
Só para ilustrar: existe uma condição intestinal gravíssima chamada colite pseudomembranosa, que acomete pacientes que passaram por antibioticoterapias intensas. Esta condição pode ser fatal já que causa, entre outras coisas, diarreias severas. A causa? Crescimento anormal de Clostridium difficile, uma bactéria presente em pequenas quantidades na biota intestinal normal, mas que toma conta do campinho quando os antibióticos eliminam suas competidoras “do bem”. Como todos sabemos, não existe vácuo de poder. Quando o chefão é deposto, outros tomam conta.
Tratar esta condição com mais antibióticos, bem, não é uma boa ideia, até porque não funciona e pode piorar o problema. Então, como fazer? A resposta é simples e direta: transplante de fezes. Sim, isso mesmo: pega-se cocô de uma pessoa saudável, normalmente da família, e introduz diretamente no intestino da pessoa doente. O tratamento é muitíssimo eficiente e a cura é muito rápida. Literalmente, uma bela merda! O mecanismo por trás (ui!!) da eficácia deste tratamento é o mesmo que talvez explique o paradoxo da barba: como tudo o que é vivo e moldado pela evolução, as bactérias competem entre si e aquelas que se saem melhor, ficam e aumentam sua população. As outras, ou caem fora ou ficam nos seus cantinhos, conspirando contra o poder estabelecido.
Como as bactérias da biota normal já estão estabelecidas e há evidências de que são toleradas pelo sistema imune do hospedeiro, se nada alterar este equilíbrio de poder, as coisas tendem a funcionar bem. Caso contrário, sendo bastante técnico agora, vai dar ruim! Portanto, amiguinhos, uma boa dica é: sejam mais como o Cascão (mas tomem banho regularmente, viu galera da Campus Party) e menos como o Sheldon. Garanto que ninguém gostaria de passar pela experiência de ter uma sonda enfiada pelo nariz até o bucho e, ao invés de cerveja, ser injetado com solução de cocô diluída.