Sou um pacifista. Não acho correto agredir ninguém pelo motivo que for, seja por ter um sexo diferente, gostar de fazer sexo com iguais ou simplesmente por causa de cores diferentes, sejam elas próprias ou alheias. Mas isso não significa ser bobo. Não é porque agredir é errado que eu tenho a ilusão de que todos pensem assim. Como dizia o grande Mané Garrincha (que falta ele faz nos dias atuais): “Só falta combinar com os russos”. Obviamente, em caso de agressão gratuita, qualquer um tem o direito de se defender e defender seus entes queridos. Não à toa, sou um praticante e entusiasta de artes marciais desde os 12 anos, embora esteja um pouco sem tempo para me dedicar nos últimos dois anos (muito assunto para escrever aqui no Deviante….ehehe!!!). Já pratiquei Tae Kwon Do, Capoeira e nos últimos tempos vinha me dedicando ao Aikido, pela qual sou um grande fã e admirador desde que vi este cara fazendo isso.
Nesse mesmo contexto, de ter como se defender em caso do outro não partilhar de suas convicções pacifistas, é que os países ainda gastam fortunas em defesa. E não estou falando só em compras de armas e equipamentos, como tanques e aviões. Estou falando também em Pesquisa & Desenvolvimento. Sim, ciência! Como esquecer do Projeto Manhattan da II Guerra Mundial que contratou os maiores físicos de época para desenvolverem uma forma segura de utilizarem energia nuclear (pelo menos até empurrarem aquele menininho do avião)? Ou da corrida espacial motivada pela rivalidade EUA vs. URSS na Guerra Fria? Todo este avanço na ciência ocorreu com o intuito de se ganhar uma disputa agressiva contra outros seres humanos, mas quando as guerras acabam, fica um legado. Do projeto Manhattan hoje temos tratamentos contra câncer; da corrida espacial temos a Internet e Elon Musk, para citar só alguns.
Os efeitos colaterais positivos de uma corrida armamentista baseada em ciência não devem ser desprezados. Mas, isso justifica uma guerra? Obviamente não! Também gostaria de viver em um mundo sem guerras, mas isso não é possível no curto prazo, não sejamos Polianas ingênuas. Ameaças ainda existem e elas podem vir da onde menos se espera. Todavia, segundo estudos acadêmicos, o mundo tem entrado em uma espiral de paz nos últimos tempos, com diminuição significativa da violência. Se continuar neste ritmo, logo, logo, muita da tecnologia de guerra atual será desnecessária no contexto em que foi pensada, sobrando as aplicações civis, que certamente beneficiarão a humanidade assim como já beneficiaram no passado.
E aqui, gostaria de voltar à primeira frase deste texto. Sou um pacifista, não gosto de violência, mas também sou um cientista, e muito me agrada o efeito colateral positivo da nossa incapacidade ainda não resolvida de lidar com diferenças. No caso aqui, muito me agradam os avanços específicos que vem sendo feitos na minha área, a biologia. Recentemente, Jeffrey Mervis publicou um pequeno texto na Science a respeito de como a biologia se transformou de uma pobre renegada a uma potência no ramo da pesquisa militar. Em seu texto, Mervis relata como os líderes militares norte-americanos voltaram seus olhos às então esquecidas “ciências da vida” após o fim da Guerra Fria, não porque achassem “cool”, mas por medo de ataques biológicos. A DARPA (sigla em inglês para “Agência para Projetos de Pesquisa em Defesa Avançada”, um nome quase tão bom quanto este) só contratou seu primeiro biólogo a partir de 1990. Desde então, ela tem tentado preencher esta lacuna de conhecimento e em 2014 a agência criou o Escritório de Tecnologias Biológicas (BTO, em inglês), igualando em importância a biologia com as outras ciências da casa.
Mas, não se enganem, colegas biólogos que porventura estejam lendo isto, eles não estão preocupados em abarcar todos os ramos da biologia e saúde humana. O seu foco é bem específico e tem a ver totalmente com o que concerne à segurança nacional, como esclarece a diretora da DARPA na Virginia, Arati Prakhakar. Uma das áreas de pesquisas intensas é a de restauração de corpos e cérebros, no intuito de tratar de maneira mais efetiva as lesões causadas pelos artefatos explosivos improvisados usados pelos combatentes inimigos no Afeganistão e Iraque. Este foco em medicina restaurativa e protética tem levado a resultados surpreendentes, inclusive atraindo grande cobertura da mídia.
Este ramo de pesquisa conecta-se diretamente com outra área prioritária da DARPA, a biologia sintética, na qual o arcabouço biológico se torna uma plataforma sobre a qual se arquitetam novas moléculas e materiais. De novo, benefícios para a sociedade civil óbvios e totalmente esperados. Finalmente, o terceiro ramo forte de pesquisa e desenvolvimento é, sim, bioterrorismo. Muito tempo e dinheiro tem sido investido em desenvolvimento de novos testes diagnósticos e novas drogas contra agentes biológicos letais.
Alguma dúvida que novas próteses, novos tratamentos regenerativos com materiais biossintéticos e novos testes diagnósticos e tratamentos alternativos (não confundir com isso) trarão benefícios à sociedade civil em pouco tempo? Eu não tenho e torço avidamente para que este dia não demore a chegar. Gostaria muito de ver algo como pele artificial se tornar tão corriqueiro e barato quanto um flash-drive ou um smartphone. Como conclui Jeffrey Mervis, a biologia que veio de mansinho como uma disciplina complementar no começo dos anos 1990, já está chutando a porta e fazendo o maior barulho um quarto de século depois.