Pensar o conhecimento científico e formal hoje deveria sempre significar pensá-los no mundo. Não fora dele, nem longe de quem vive nele, como se fossem certezas absolutas, ou verdades divinas, mas a partir de problemas reais das pessoas que vivem no mundo, e para essas mesmas pessoas.
Quem sabe, justamente porque por muito tempo esse conhecimento circulou apenas nos corredores das universidades e nos laboratórios, sendo restrito àqueles letrados e especialistas, é que o discurso da ciência, e aqueles conhecimentos ditos óbvios, não mais permeiam a vida das pessoas no meio comum.
Desde 2020 a humanidade se viu ameaçada pela contingência do universo e da natureza, pelo que ficou conhecido como a pandemia do Coronavírus. Nesse momento, muitos entenderam que a ciência poderia reduzir, com sua razão ordenadora, o fator aleatório e caótico do universo, e assim, baseados nas previsões e observações científicas, aprenderam a se sobrepor à situação pandêmica, na medida do possível.
Outros muitos não escolheram tomar esse caminho, percorrendo um trajeto negacionista, pseudocientífico e até mesmo supersticioso. Os que confiavam na ciência se impressionaram com isso, devido à obviedade de certos entendimentos que a ciência proporciona. Um sentimento de “como assim? Mas é óbvio!”.
Para lembrar do que se costuma falar na filosofia: óbvio é aquilo sobre o que ninguém mais está falando. Se a ciência não fala com as pessoas, ou não é falada, não se pode esperar que até mesmo as coisas mais óbvias para os “cientistas” sejam aceitas ou entendidas pelos “não-cientistas”. O ponto principal desse pensamento reside no “falar”. O que não é transmitido não pode ser presumido como “básico” ou “óbvio”. Pode ser óbvio aos estudiosos ou mesmo aos meramente afeitos às ciências, mas não para os demais (a possível maioria).
Na sua razão comunicativa, Jürgen Habermas destaca que o que é racional passa a ser aquilo dito, exposto, exteriorizado verbalmente. Para o filósofo, “racionalidade tem menos a ver com a posse do conhecimento do que com a maneira pela qual os sujeitos capazes de falar e agir adquirem e empregam o saber”. Tendo a teoria da razão comunicativa como base, podemos pensar a ciência na sociedade como um saber vivo, que se mantém e se perpetua apenas na medida em que é comunicado, falado e transmitido.
Nos meios em que a ciência não é falada, ou para os quais ela nada diz, esse conhecimento beira a irrelevância. Podemos nos perguntar “de quem é a culpa?” e ficar sem respostas, se não lembrarmos que, esse pode ser um problema de comunicação da própria ciência. Para ela ser relevante para uma população inteira, precisa antes oferecer razões para suas asserções, e posteriormente conseguir se fazer presente “na boca do povo”. É conveniente lembrar da ideia de senso comum: um saber comum, compartilhado.
Assim cabe um questionamento: não seria interessante “fazer da ciência” também um “senso comum” no sentido de ser um saber compartilhado por todos, respeitando as devidas condições de especificidade da ciência? Parece que a divulgação científica pode ter um papel importantíssimo dentro dessa perspectiva, pensando o conhecimento científico como um saber vivo acerca do mundo humano.