Quando certos contatos me mandaram esse material, eu não acreditei. A gente já sabe que o ensino no Brasil beira o estado de calamidade pública, do mais básico à especialização. Mas, falando francamente, eu esperava que uma instituição tão supostamente renomada quanto o Observatório Nacional, uma das instituições científicas mais antigas (fundado em 1827 por decreto de D. Pedro I) e tradicionais do país ao menos se destacasse das demais, apresentando um nível minimamente decente.
Pois não é o que uma apostila editada pelo Observatório, dedicada a um curso de Ensino a Distância (EAD) mostra. Basicamente chama-la de lixo é um insulto… ao lixo.
O que aconteceu: no último dia 03 o Observatório Nacional deu início a seu curso de EAD focado no Sistema Solar, e disponibilizou uma apostila para acompanhamento do curso. Quer dizer, deveria ser assim. Na verdade o curso em questão era APENAS a apostila distribuída originalmente através do link oficial, mas depois do fuzuê nas redes sociais por conta da qualidade do material ele foi tirado do ar, sob a desculpa de que foi disponibilizado “sem revisão”. OK, vou fingir que acredito.
Primeiro, o “versão preliminar não revisada” não ninguém. O curso de EAD sequer seria ministrado nos moldes normais, se resumia única e simplesmente à apostila e exercícios de fixação, nada mais. Não há material online nem nada e isso posto, caso ninguém reclamasse ia ficar por isso mesmo.
“Mas o que há de tão ruim nessa apostila?”, você pergunta. Em primeiro lugar, você pode baixa-la aqui e graças ao André há uma série de marcações adicionais nela, apontando os inúmeros erros presentes no material de estudo. A Yara também fez algumas anotações, portanto vamos nos focar nas presepadas mais crassas.
A mais evidente é a afirmação de que Plutão (ou “Pluto” na imagem acima) é ainda referenciado como um planeta, algo que ele deixou de ser em 2006 quando foi reclassificado como um planeta-anão. No mesmo balaio Ceres, que está na mesma categoria de Plutão é mencionado o tempo todo ainda como um asteroide, além de uma série de outras gafes em mais imagens, textos e tabelas.
Mais uma imagem da apostila, outra vez se referindo a Plutão como um planeta. Mas é a próxima a mais sensacional:
Aqui, não só Plutão aparece mais uma vez como planeta como há o curioso planeta “Urânio” (sic). Na página 44 há a afirmação incompleta de que Plutão não é mais planeta e que ele é “parecido com os gigantes gasosos”, interpretação derrubada em 2015 quando a sonda New Horizons confirmou se tratar de um planetoide sólido.
Há uma série de outras informações erradas. Esta tabela, por exemplo deixaria qualquer químico louco: nela o símbolo do silício está identificado como 10,8 (?!), o do enxofre como Fe, que é o símbolo do ferro que por sua vez foi identificado como “?”; já o argônio, cujo símbolo correto é Ar aparece identificado com S, que é o símbolo do enxofre. Sem falar que as unidades estão expressas de uma forma errada.
Há diversas outras citações erradas apostila afora, mas uma das mais emblemáticas é a da tal “vírgula imaginária” para o uso de notações científicas. Eu não sei vocês mas há uma série de regras e uma delas é claro quanto à posição da vírgula numa mantissa, quando tratamos de pontos flutuantes.
Em ponto flutuante o número deve sempre ser igual ou maior que 1 e menor que 10, e se maior que a raiz quadrada de 10 você usa o expoente +1 como ordem de grandeza. Simples.
Aliás, notou o ícone do Flash ali? Então…
Ele aparece DIVERSAS VEZES na apostila, provando que o material do Observatório Nacional foi chupado da internet de uma fonte escusa (o material não tem referências bibliográficas) que continha animações e por isso mesmo é visivelmente datado, estando em total desalinhamento com as descobertas científicas mais recentes. Sem falar que está lotado de erros.
Mas vindo da instituição que mantém um canal do YouTube cujo vídeo de maior sucesso é este…
O mais lamentável dessa história é o fato de que o material em si não foi obra de alguém desavisado, mas de um grupo de supostos pesquisadores que deveriam entender do que estão falando e PELO MENOS checar a qualidade do material que disponibilizam, mas pelo visto o pessoal do Observatório só faz mesmo marcar ponto e nada mais. Ciência é algo que deixaram de fazer faz tempo.
No mais é lamentável ver o prestígio de uma instituição centenária que deveria ser motivo de orgulho e local de excelência em pesquisa científica ser destratada não só pelo poder público, mas também por aqueles que lá trabalham e deveriam zelar por ela e pela divulgação científica em geral.
Depois quando a gente diz que o Brasil odeia ciência, em todas as instâncias, o pessoal acha ruim. Isso só prova o ponto mais uma vez.