Hoje o texto vem com um gostinho de Spin de Notícias porque falaremos sobre comércio internacional e desenvolvimento, motivados pelo grande passo que Mercosul e União Europeia deram em direção a um acordo comercial entre as partes. Enquanto esse texto é escrito, poucas informações foram liberadas sobre os detalhes desse acordo, o que, por um lado dificulta sua análise, mas por outro, dá a oportunidade de trazer a discussão do comércio e os porquês de ele ser tão útil, mesmo não sendo uma panaceia.
O Brasil é um país muito grande, tanto territorialmente (5º maior país) quanto em tamanho da população (6ª maior população) e, embora nosso tamanho faça com que comercializemos muito, absolutamente, acabamos comercializando pouco, proporcionalmente.
Países pequenos, que não têm condições de produzir tudo o que consomem, caminham naturalmente em direção ao comércio internacional, mas países maiores, com produções internas mais robustas, podem ter mais facilidade em rejeitar essa opção, mesmo que o comércio lhe seja favorável de maneira geral.
Talvez isso nos faça pensar que, embora tenhamos uma grande população, acabemos não comercializando tanto por nosso nível de renda, mas também não é o caso.
De fato, o Brasil é hoje um dos países mais fechados ao livre comércio, embora esse quadro já tenha sido ainda mais grave. Entre 1990 e 1995 o país diminuiu bastante bloqueios que colocava às trocas internacionais.
O comércio internacional permite que as indústrias adquiram maquinário, tecnologia e insumos que não estão disponíveis no mercado interno, fazendo com que elas possam produzir uma diversidade maior de bens e de forma mais eficiente.
O comércio é algo potencialmente tão bom que podemos dizer que sua defesa, em maior ou menor grau, é um ponto de encontro entre as principais correntes da economia moderna. A exposição à concorrência internacional força as empresas a ofertarem bens capazes de competir com os estrangeiros a preços similares. Um ótimo resultado para nós, consumidores.
Ainda assim, comprar e vender para outros países pode trazer custos para alguns grupos e, para avaliar os efeitos de uma abertura comercial, recorremos ao Relatório de conjuntura para abertura comercial e desenvolvimento econômico divulgado pela Secretaria – Geral da Presidência da República, que sintetiza resultados de pesquisas que avaliam a abertura comercial brasileira, descrevendo o efeito para cada setor e região do país. É simulada a abertura total às importações e observa-se seus efeitos ao fim de um período de 20 anos. As análises avaliam os efeitos da abertura sobre 57 setores da economia e seus respectivos salários, preços, níveis de emprego, importação e exportação.
Mesmo recentemente, as tarifas sobre bens manufaturados importados eram em média 7% mais altas do que a média do resto do mundo. No entanto, nem todos os bens têm a mesma proteção do governo.
Ao longo da liberalização, 75% dos setores passam por uma expansão do emprego, com um resultado geral de uma pequena queda no desemprego. No entanto, uma movimentação comercial tão grande leva tempo para se acomodar e precisamos colocar os resultados em perspectiva, assim, ao fim de 20 anos, três setores têm queda significativa no emprego (mais do que 0.5%).
Podemos observar alguns efeitos curiosos, como o que se passa com o setor de equipamentos eletrônicos. Embora ele sofra uma queda em seu nível de emprego e uma redução significativa em seus preços, sua produção nacional não deve cair ao longo do tempo, subindo cerca de 1%, como fica claro no gráfico a seguir.
Mesmo os setores nos quais esperamos redução, tornam-se mais robustos e competitivos aumentando seu nível de exportações.
Sabendo que os efeitos do comércio são diferentes entre os setores da economia e que empresas similares estão usualmente próximas umas das outras, é também de se esperar que os efeitos da abertura sejam diferentes entre regiões. Locais onde os setores mais afetados se concentrem devem sentir mais os custos da abertura do que locais de economia mais diversificada, logo cidades grandes e com variedade de negócios estarão mais protegidas das mudanças, enquanto o mesmo fator tornaria mais expostas cidades pequenas, dependentes das atividades de um tipo específico de produção.
A exposição regional à mudança do ambiente de negócios também está ligada a proteção tarifária que a indústria ali tem acesso e locais com grandes níveis de proteção tenderão a sentir um impacto maior sobre sua economia.
É esperado que num período de 20 anos haja um grande fluxo de postos de trabalhos, que migram dos negócios menos competitivos para os mais competitivos e, embora esse processo possa ser penoso, seu resultado esperado não é negativo.
Caso haja pouca integração entre os mercados de trabalho de setores mais afetados e aqueles privilegiados pela abertura, pode haver excesso de mão de obra em algumas regiões enquanto há déficit em outras, sem que os trabalhadores transitem entre elas [nota: dependendo da abertura de vagas e da legislação trabalhista vigente]. Essa transformação pode carregar consigo o risco de uma grande transição de trabalhadores para setores informais, um problema crônico no Brasil e que deve ser observado de perto por pesquisadores e formuladores de políticas públicas. Com isso em vista quais devem ser os objetivos dessas políticas?
Os trabalhadores precisam encontrar as vagas e as empresas preenchê-las, logo as metas das políticas devem circundar esse processo. Os três principais objetivos dessas políticas são:
1. evitar que os desempregados se desmotivem e deixem de procurar trabalho;
2. apontar oportunidades de emprego disponíveis; e
3. dar condições para que os que buscam emprego tenham as características necessárias para serem selecionados para as vagas abertas.
Embora o resultado líquido da quantidade geral de empregos deva ser pequeno, muitas regiões passarão por mudanças relativas a aberturas e fechamentos de postos de trabalho; essas mudanças serão concentradas em São Paulo, Paraná, Pará, Rondônia e Roraima.
O Brasil tem uma história de dificuldades em políticas ativas no mercado de trabalho. As tentativas de garantir treinamentos e reposicionamento dos trabalhadores, tiveram efeitos geralmente muito pequenos, além de estarem sujeitos a vazamentos por má administração. As experiências passadas devem ser analisadas para que os mesmos erros não sejam cometidos quando os grupos onerados pela abertura comercial internalizarem esses custos.
Embora os custos da abertura comercial sejam reais, o Brasil segue sendo um país bastante fechado, desligado de algumas cadeias globais de valor e que priva sua população de bens e serviços disponíveis além de suas fronteiras. Lembramos que toda proteção é, antes de tudo, um custo para o governo e seu arrefecimento também gera uma folga para as contas públicas.
Além disso, o processo da abertura não gera apenas oportunidades para as empresas brasileiras se atualizarem, mas também abre espaço para que o estado reveja sua carga tributária entre outros fatores que incorporam ineficiência a todos os produtores nacionais.