Você acorda um dia pela manhã, levanta, vai ao banheiro, realiza todas as suas atividades matinais, mas, ao ir tomar café, você se sente um pouco fraco, a visão se turva rapidamente, porém você se recupera e sai em direção ao seu trabalho. Ao chegar lá, você se sente indisposto, cansado, com um pouco de tontura, mas releva, pois o trabalho não pode parar. No horário de almoço você vai à sua rede de fast-food favorita, que você vai religiosamente todos os dias em buscado seu hambúrguer preferido, e o consome rapidamente, pois não tem tempo de fazer uma refeição mais completa. Ao voltar para o trabalho, seu chefe o observa e diz que você está com uma aparência péssima, com a pele pálida e olhos amarelados, e pede para que você vá ao médico. Chegando ao hospital, um médico o atende, faz sua avaliação e pede que você faça alguns exames de sangue e urina. Você vai para uma parte especial do hospital, perto do laboratório, onde um enfermeiro colhe seu sangue e sua urina e envia para algum local. Você aguarda um tempo, recebe seus resultados e leva para o médico. O médico olha seus resultados, e fecha o seu diagnóstico, dizendo que você está com anemia e que necessita mudar seus hábitos alimentares. Por um momento, você para pra pensar: como ele sabe disso? O que tinha naquele resultado?
A biomedicina é uma área que, como o próprio nome diz, existe entre a biologia e a medicina. Como biomédico, acredito que a pergunta que mais ouço é “tudo bem, mas, o que um biomédico faz?”. Essa pergunta é, ao mesmo tempo, fácil e difícil de responder. O método mais fácil de explicar para as pessoas é evocando a figura do Analista Clínico (ou Patologista Clínico), que é um personagem que as pessoas com certeza já viram ou ouviram falar, mas não sabiam o nome da profissão.
Retornando a nossa crônica diária inicial, quando o enfermeiro colheu o seu sangue, ele tirou uma amostra, como se fosse um pequeno pergaminho cifrado que contém informações sobre você, e cabe ao biomédico analista clínico decifrá-lo. Ao fazer a sua análise, o médico busca montar um quebra-cabeça que vai dar a resposta do que será necessário fazer com o paciente, mas uma das peças principais para essa montagem só pode existir porque por trás das portas do laboratório há um biomédico analisando suas amostras, sejam elas o sangue, a urina, entre outras.
Entretanto, a explicação mais complexa do que um biomédico faz surge exatamente com essa concepção de que o biomédico fica apenas confinado em seu laboratório, com seu microscópio e jaleco branco. Atualmente, segundo o Conselho Federal de Biomedicina (CFBM), o biomédico pode obter cerca de 30 habilitações, ou seja, há 30 setores onde podemos atuar. Logo, pensar no biomédico apenas como o profissional que fica limitado a Análises Clínicas é simplificar demais a extensão dessa profissão. Temos vários parasitologistas, microbiologistas e hematologistas que também existem, ocupando áreas que a maior parte das pessoas jamais imaginaria. Vamos partir para outra crônica que exemplifique isso de forma mais visível.
Um casal de jovens decide se casar. Porém, ao fazer o pedido, o noivo é informado pela noiva que ela possui uma disfunção ovariana, que dificultavasua capacidade de engravidar. De início, o noivo aceita e diz que em tempo oportuno eles achariam um método para contornar essa situação. Alguns anos se passam e eles decidem procurar uma clínica de reprodução assistida, com esperança de conseguirem ter filhos. Ao serem atendidos na clínica, um médico informa que o melhor método a se utilizar é a fertilização in vitro. Após alguns meses de tentativas, o casal finalmente consegue seu objetivo.
Uma das áreas crescentes onde alguns biomédicos atuam é na área de Reprodução Humana, onde os profissionais executam as técnicas em si, lidando com as matrizes biológicase efetuando procedimentos como fertilização in vitroe injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI), por exemplo. O conhecimento tanto da metodologia quanto do funcionamento fisiológico dos pacientes faz do biomédico um ótimo consultor da melhor forma de chegar-se ao resultado esperado. Mas não é de conhecimento geral que esse posto é possível de ser ocupado por esse profissional da saúde, sendo outro local de trabalho onde o biomédico exerce seu trabalho.
Em tempos de pandemia do SARS-CoV-2, os biomédicos assumiram um brilhantismo nunca antes visto. Alguns grupos de pesquisas liderados por biomédicas obtiveram notoriedade nos últimos tempos, através de estudos e experimentos muito bem executados, como por exemplo, um seqüenciamento recorde de um vírus. Tendo em vista essa realidade, um dos lugares mais acolhedores e visados pelos biomédicos é a área de pesquisa.
A pesquisa é uma área fundamental não apenas para a ciência, mas para o desenvolvimento da sociedade como um todo. O desenvolvimento do conhecimento é muito encantador e dentro da academia é possível o biomédico ultrapassar barreiras disciplinares e atuar em uma variedade imensurável de tipos de pesquisa. Por ser uma área tão essencial e satisfatória, é muito visada por quem acabou de sair da universidade.
Para seguir na área acadêmica, normalmente os passos se iniciam na graduação mesmo, com a iniciação científica. Após sair da faculdade, normalmente ingressam em programas de mestrado e doutorado. Porém, entrar nessa área pode ser uma tarefa difícil, por vezes até impossível. Entrar na academia exige recursos que são muito escassos na realidade dos universitários recém-formados brasileiros, como tempo e disponibilidade. A realidade sociopolítica de quem acabou de se formar inviabiliza seu ingresso nas universidades públicas para os cursos de pós-graduação.
Em geral, ao sair da universidade, grande parcela dos biomédicos é introduzida no mercado de trabalho de forma abrupta, pois alguns necessitam resgatar o investimento feito (em casos de universidades particulares) ou são submetidos à pressão social por seus círculos familiares, levando em consideração que a maior parte dos graduandos é composta de jovens adultos, a partir dos 20 anos. Além de que, a ciência no Brasil é extremamente desvalorizada, temos pouquíssimos órgãos fomentadores e as agências de fomento levam certo tempo para avaliar os candidatos, que pode ser um tempo impraticável para executar um trabalho que pode não ter retorno num futuro próximo.
Logo, um recém-formado que já tenha vindo de dentro de uma universidade pública e tenha um background que o propicie investir tempo, muito provavelmente ele se mantém fazendo ciência. Mas, aqueles que não têm esse privilégio, infelizmente são condicionados a continuar em um emprego formal.
Enfim, vimos que o biomédico é um profissional que está em vários lugares, muitos deles desconhecidos da população em geral, e que sua atuação é imprescindível para diversos setores tanto da área da saúde, quanto da vida das pessoas. Da próxima vez que vir um biomédico, ao invés de perguntar apenas o que ele faz, pergunte em que área ele trabalha, e em quais áreas ele gostaria de trabalhar. Sentimos-nos muito reconhecidos dessa forma :D
João Paulo de Sousa Ferreira. Bacharel em Biomedicina, Iniciado Científico pelo ICB I da Universidade de São Paulo e Pós-Graduando em Docência do Ensino Superior. Candidato a cientista maluco desde cinco anos. Músico triste como blues antigo, formato computadores